42091210229051065199.png O Axis Mundi: Astrobigobaldo quer informação instantânea

Astrobigobaldo quer informação instantânea

por Osvaldo Pessoa Jr.
O viajante interplanetário Astrobigobaldo passava o feriado nas praias de metano de Titã, a lua de Saturno, mas estava ansioso por causa da final da Copa do Mundo. Com seu radinho de pilha ele conseguia ouvir a transmissão da Terra, mas demorava 70 minutos para o sinal chegar em Titã. Resolveu então tentar usar a famosa “não-localidade quântica” para receber a informação instantaneamente!

Instruiu seu fiel companheiro Isqüertibeleléu para pousar em Ganimedes, a maior lua de Júpiter, que na época estava a meio caminho entre Titã e a Terra. Isqüerti levava consigo um gerador de partículas emaranhadas, que são aquelas partículas quânticas que mantêm uma espécie de unidade, mesmo quando separadas à distância. Fazendo uso dessa “não-localidade quântica” (clique aqui ), Astrobigo tinha esperança de ficar sabendo do resultado da partida de futebol logo após seu encerramento. Na Terra, combinou com Bibocabibes, seu oásis de alegria humana, como ela deveria proceder para lhe transmitir a informação.

Antes de explicar o seu método, precisamos rever algumas noções de física quântica. Dentre as várias propriedades das partículas, está seu “spin” (que pode ser pensando como a direção e sentido de um imã). Quando esta propriedade é medida, geralmente obtém-se um dentre dois valores, +1/2 ou -1/2 (correspondente ao Norte e ao Sul do imã; ver o texto “Onde está o Átomo de Prata?” - clique aqui ). Se a partícula for preparada no estado N, o valor medido é sempre +1/2, e se for preparada em S, o valor é -1/2.

Na física quântica, porém, sabemos que a partícula pode ser preparada numa superposição de N e S. Desprezando constantes numéricas (coeficientes de normalização), podemos representar esse estado por:  N + S. Neste caso, qual será o resultado da medição de spin? Os valores possíveis continuam os mesmos (+1/2 ou -1/2), mas agora cada um tem probabilidade de 50% de ocorrer. Há, na verdade, uma simetria nessa situação. O estado superposto N+S pode ser pensado como um imã apontando para oeste O, ao passo que o estado ortogonal a ele seria leste: L = N-S. Se o aparelho de medição for girado em 90°, e o estado inicial da partícula for O = N+S, então o resultado da medição dará com certeza o resultado +1/2.
Vamos supor que as partículas geradas por Isqüertibeleléu não estivessem correlacionadas ou emaranhadas, mas que fossem independentes. Neste caso, seu estado poderia ser fatorado (dividido) em duas partes separadas: (N+S)1·(N+S)2. O que esta notação diz é que a partícula 1 está no estado superposto (N+S) e a partícula 2 também. Poderíamos escrever O1·O2, se quiséssemos. Neste caso, quando Biboca medisse o estado da partícula que chega na Terra, ocorreria um colapso apenas no estado da partícula 1: se o valor obtido por ela fosse +1/2, o estado colapsado do par de partículas seria:  N1·(N+S)2. Nada mudou no estado da partícula 2 em Titã. (Para a noção de colapso, ver o texto “O Problemático Colapso da Onda” - clique aqui).

No entanto, as partículas que saem do gerador estão correlacionadas num estado quântico muito diferente:  P = N1·S2 - S1·N2.  Este estado não é fatorável. Agora, quando Biboca mede o estado da partícula 1 na Terra, e obtém o resultado +1/2, correspondendo ao estado N1, o estado colapsado será N1·S2. Isso significa que a partícula 2, em Titã, está agora no estado S, de tal forma que se Astrobigobaldo medir o spin nesta direção, obterá com certeza o valor -1/2.
Mas notem que interessante: se Biboca não tivesse feito sua medição na Terra, o estado global continuaria sendo P, e Astrobigo não poderia ter certeza de nada com relação à sua medição. Mas só o fato de Biboca ter adquirido um bit de informação na Terra permitiria a Astrobigo ter certeza quanto ao resultado de uma medição em Titã (claro está, porém, que ele não tem como saber instantaneamente qual é o resultado obtido na Terra, pois ele só poderia saber depois de 70 minutos). A questão metafísica é a seguinte: será que o ato de aquisição de informação, na Terra, pode alterar instantaneamente a realidade em Titã? A resposta afirmativa equivale à aceitação da não-localidade quântica. Uma resposta negativa, segundo Bell, teria que passar por um abandono da noção usual de realidade para o mundo microscópico.
Como o nosso viajante interplanetário poderia aproveitar o fenômeno de não-localidade (como quer que ele seja interpretado) para receber a informação instantaneamente da Terra? O problema é que Bibocabibes não consegue controlar qual vai ser o resultado obtido em sua medição: se ela obter o resultado N, com certeza Astro obteria S, mas Biboca poderia obter o resultado S com igual probabilidade. Ela não tem como imprimir o resultado do jogo no resultado da medição. Assim, nosso viajante em Titã não conseguirá descobrir nada a respeito de quem ganhou a Copa do Mundo.
Mas Astrobigobaldo não tem um nome tão comprido à toa: ele tem outra estratégia para obter a informação desejada. Já vimos que, aqui na Terra, Bibocabibes pode girar seu aparelho em 90°, e medir o spin na direção perpendicular. Conseqüentemente, se obtiver como resultado da medição o valor +1/2, sua partícula passará a estar no estado O (oeste), e se obtiver -1/2, sofrerá um colapso para o estado L (leste).
Antes da medição, o estado é o mesmo P = N1·S2 - S1·N2, mas este estado quântico tem uma simetria que nenhum estado clássico consegue ter. Tal simetria aparece quando substituímos N e S por O e L, segundo a receita N = O+L, S = O-L. O resultado obtido é P = L1·O2 - O1·L2, que tem a mesma forma que a versão anterior (quem fizer a conta obterá um fator 2 que surge porque não usamos coeficientes de normalização). Ou seja, a função de onda global das duas partículas tem simetria cilíndrica, ou seja, é a mesma qualquer que seja o ângulo de medição considerado. Entender esta simetria é um elemento chave para entender as discussões relacionadas com a não-localidade quântica.
A estratégia de Astrobigobaldo então é a seguinte: se o time X vencer a Copa do Mundo, Biboca fará sua medição a 0° (sem girar o aparelho), e com certeza, em Titã, a partícula estará ou no estado N ou em S; se o time Y ganhar, Biboca girará o aparelho em 90°, e a partícula em Titã terminará nos estados O ou L.
Tudo o que Astrobigo tem que fazer é descobrir qual é o estado da partícula 2 em Titã. Mas é aí que surge o problema: como conseguir isso? Suponha que Astro tenha feito a medição sem girar seu aparelho, e obteve o resultado +1/2, correspondente ao estado N. Isso pode corresponder a duas situações: ou o estado da partícula em Titã era de fato N (antes da medição), e assim a probabilidade de obter o resultado era 100%, ou o estado era O (ou L), caso em que a probabilidade de obter o mesmo resultado seria 50% (pois O=N+S). Com uma única medição, Astrobigo não tem como discernir entre essas duas situações. Ou seja, sua medição nada revela sobre a escolha de Bibocabibes.
Uma última tentativa seria enviar simultaneamente mil partículas, e fazer as medições simultaneamente para todas, mas isso também não ajudaria em nada (o comportamento de cada par de partículas seria independente dos outros pares). A única esperança seria se Astrobigo pudesse amplificar o estado da partícula em Titã, e obter mil cópias idênticas a ela. Tal amplificador, porém, é impossível de construir!
Em suma: Astrobigobaldo precisou esperar 70 minutos para saber o resultado do jogo. Mesmo se interpretarmos a física quântica de tal maneira a supor que o colapso da onda quântica é instantâneo e não-local, não conseguimos transmitir informação de maneira controlável entre dois pontos distantes. Veremos, porém, que essa não-localidade quântica (como quer que ela seja interpretada) traz uma surpreendente novidade, com relação à nossa capacidade de realizar computações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário