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 |        No terceiro capítulo           do Gênesis se narra como Yahvé disse a Eva: "Multiplicarei           sobremodo os sofrimentos da tua gravidez", e a Adão: "Por ti           será maldita a terra, com trabalho comerás dela todo           o tempo de tua vida; dar-te-á espinhos e abrolhos e comerás           das ervas do campo. Com o suor de teu rosto comerás o pão." 
          É importante destacar             que isto acontece por conseqüência da tentação             da serpente e da ingestão do fruto proibido, ou seja, como             uma pena, imediatamente antes de serem expulsos do Paraíso.             Em outros lugares deste manual se mencionou o significado da Queda             em relação com as Eras e Ciclos, e o do simbolismo             do Paraíso, vinculado a um "estado edênico", onde, por             verdadeiro, todo esforço resultava desnecessário, estado             que se espera recuperar. No entanto nos interessa tratar aqui o tema             do trabalho, e em particular assinalar o conceito totalmente equivocado             que sobre ele possui a sociedade em que vivemos, o que constitui às             vezes um verdadeiro impedimento para o Ensino que esta Introdução à Ciência             Sagrada propõe. 
          Referir-nos-emos em primeiro             lugar à primazia da contemplação sobre a ação,             idéia presente no hinduismo, no budismo, no judaísmo,             no islã e, em geral, em todas as tradições.             No cristianismo isto resulta nítido. Conta Mateus (VI, 26-30)             que Jesus disse, no célebre Sermão da Montanha: "Olhai             como as aves do céu não semeiam, nem ceifam, nem encerram             em celeiros, e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis             vocês mais do que elas? Quem de vocês com suas preocupações             pode adicionar a sua estatura um só côvado? E quanto             ao vestuário, por que vos preocupar? Aprendei dos lírios             do campo, como crescem; não se fatigam nem fiam. Pois eu vos             digo que nem Salomão em toda sua glória se vestiu como             um deles." É conhecida também a vinculação             simbólica que as duas irmãs de Lázaro, Marta             e Maria (a ação e a contemplação), têm             a respeito, e o juízo do Mestre sobre qual das duas leva a             melhor parte. 
          Por outro lado, podemos             observar, sem nos esforçarmos demasiado, que esta preferência             pela contemplação é totalmente alheia ao meio             no qual vivemos, assinalado por uma incessante ação,             por uma projeção de desejos que, por serem tais como             são, jamais poderão se cumprir, por uma angústia             e insatisfação permanentes que desembocam na ignorância             e necessariamente na violência e na destruição.             Mas o que verdadeiramente é alarmante é que esta ação             –qualquer que seja o sentido que ela tenha– é considerada             como um bem em si; a tal ponto que a discutir, ou não, praticá-la é ser             mau visto, ou condenado por esse meio, pois o tema passou a ser uma             questão moral nascida da associação trabalho-bondade.             No entanto, queremos esclarecer que nada temos contra um trabalho             que seria verdadeiramente sagrado, e portanto autenticamente dignificante,             se estivesse guiado pela Vontade e pelo Livre Arbítrio. O             que se critica é o conceito moderno do trabalho pelo próprio             trabalho, ou seja, sem nenhuma finalidade de ordem metafísica,             e sua equiparação a um fim e não a um meio veicular.             Conquanto esta última crítica poderia ser aplicada             a outras áreas da atividade contemporânea (a arte pela             arte, a ciência pela ciência, o psíquico e o emocional,             simplesmente pelo psíquico e emocional, etc., etc.), o conceito             moderno do trabalho –que em termos sociais só faz do homem             um fator da produção econômica, individual ou             coletiva– tem um ônus de alta potência destrutiva, quanto             sua obrigatoriedade e necessidade geram no alma uma série             de turbações morais e impedimentos materiais numa sociedade             tão injusta como a qual vivemos. 
          Numa sociedade tradicional             ou primitiva os "trabalhos" não são tais como conhecemos,             pois não levam implícita a insatisfação             do que só deve ser efetuado com sofrimento, a desagrado, ou             sob a pressão de um peso arbitrário e alienante ao             qual não se lhe encontra finalidade última, senão             mal a mera subsistência num mundo sem sentido. Pelo contrário,             nas sociedades arcaicas os homens realizavam seus trabalhos de maneira             ritual e de acordo com suas funções, nascidas de suas             possibilidades, que os fazia mais aptos para aqueles ou estes labores,             que cumpriam então com gosto, em perfeita relação             e interdependência com os outros do organismo social. É paradoxal             que em certos manuais escolares e ainda em certos textos universitários             se fale ainda da "escravatura" como uma etapa historicamente superada             quando, um simples olhar ao meio em que habitamos, faz-nos ver que             nossos contemporâneos não só são escravos             do trabalho, e como tais vivem, senão das funestas conseqüências             desse trabalho sem razão, começando pelas correntes             da acumulação de riqueza –individual e social– pela             própria riqueza, a saber: novamente a substituição             de um meio por um fim. Queremos recordar aqui outro fragmento do             Sermão da Montanha: “Não acumuleis para vós             tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem             e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós             tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói,             e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde             está o teu tesouro, aí estará também             o teu coração."
          O trabalho é para             o homem, não o homem para o trabalho. A vida é para             o homem, não é o homem um devedor ou um escravo da             vida. "O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não             o homem por causa do sábado;" (Marcos II, 27). 
  
 
| 10 | CABALA 
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 |        Já falamos das três           letras mães, as sete duplas e as doze simples do alfabeto hebraico.           Logo a seguir, apresentamos três quadros onde essas letras figuram           com seu lugar no alfabeto, seu valor, e em particular com um determinado           signo ao que estão vinculadas de modo simbólico. 
          Recorde-se o leitor que             a Cabala constitui um manancial de inter-relações e             associações de imagens que possibilitam a faculdade             de conhecer de maneira intuitiva e direta. 
         As três mães são:
 
             | LUGAR | NOME | VALOR | SIGNO |               | 1 | Alef | 1 | O homem |               | 13 | Mem | 40 | A mulher |               | 21 | Shin | 300 | A Flecha |  As sete duplas são:
 
 
             | LUGAR | NOME | VALOR | SIGNO |               | 2 | Beth | 2 | A boca |               | 3 | Guimel | 3 | A mão que pega |               | 4 | Daleth | 4 | O seio |               | 11 | Kaf | 20 | A mão que aperta |               | 17 | Fe | 80 | A boca e a língua |               | 20 | Resh | 200 | A cabeça do                 homem |               | 22 | Tav | 400 | O tórax |  As doze letras simples são:
 
 
             | LUGAR | NOME | VALOR | SIGNO |               | 5 | He | 5 | O alento |               | 6 | Vau | 6 | O olho e a orelha |               | 7 | Zayin | 7 | O camelo |               | 8 | Heth | 8 | Um campo |               | 9 | Teth | 9 | Um telhado |               | 10 | Iod | 10 | O índice |               | 12 | Lamed | 30 | O braço aberto |               | 14 | Nun | 50 | Um fruto |               | 15 | Samekh | 60 | Uma serpente |               | 16 | Ayin | 70 | Um laço |               | 18 | Tsade | 90 | Um telhado |               | 19 | Qof | 100 | O machado |  Nota: Em diferentes interpretações cabalísticas, estes signos adquirem diversos significados em virtude das diferentes associações às quais se prestam e fundamentalmente quanto à pluralidade de sentidos que os símbolos possuem, sem que tenham porque se invalidar uns em benefício dos outros.
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     | 11 | A ALMA 
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 |        Números e letras conjuntamente           formam um código gráfico cuja origem é teúrgica,           já que nas primeiras expressões deste tipo as grafias           são "mágicas" para passarem, posteriormente, a ser ideogramáticas,           ou seja, que expressam seus próprios sentidos conceituais. A           multiplicação destes signos e sua alteridade fazem possíveis           (por exemplo, na escala numérica pitagórica) todas as           combinações e, portanto, seu discurso indefinido, ou           seja, que fixam simbolicamente a totalidade cósmica, mediante           um "sistema" no qual nada fica excluído, salvo o que nunca poderá ser           exprimido, origem de qualquer manifestação. Esta é a           realidade do símbolo, que revela a ordem criacional na qual           todos os seres se acham compreendidos (e numerados como nas cédulas           de identidade, onde se utiliza ademais uma convenção           como as impressões digitais, que também não podem           repetir-se em sua combinatória, valha a comparação).           Os pantáculos (pequeno todo) igualmente condensam e cristalizam,           tal qual a simbólica alquímica e hermética (Boehme,           Agrippa, etc.). Deve ser assinalado que esta atividade talismânica           se encontra em todos os povos. Só destacar a escritura maia           e os hieroglífos egípcios. Desta forma se encontra viva           na atualidade entre os povos "primitivos". 
          Segundo isto, a alma humana             também seria um número que se individualizaria numa             cifra –ou selo– onde sempre está presente a unidade, como             a deidade está constantemente implícita de modo imanente             no desenvolvimento de qualquer discurso genésico. 
          Mais além deste             discurso, nada entra nem sai, nem nada existe de nenhuma forma, inclusive             a alma individual ou universal, a qual, portanto, não vai             a nenhum lugar. Pelo que, unida a alma à manifestação,             devemos situá-la no plano intermediário entre o Criador             e sua obra. Se isto é assim, a alma deve conquistar para si,             ou seja, adquirir-se um "corpo de luz", pois esse é o meio "plástico" (por             dizê-lo de alguma maneira) que nos leva ao Ser, que é identificado             de modo natural com a Unidade aritmética, o que é,             por sua vez, o passo necessário para a concepção             do Não Ser –o En Sof da Cabala– e finalmente a da Não             dualidade, que é verdadeiramente o que os indianos entendem             como Suprema Identidade. Nesta última tradição,             igualmente que em muitas outras, esta conquista ou "ativação" das             potências da alma (o "polimento da pedra" na Maçonaria), é uma             possibilidade que cada ser porta em si mesmo, e também uma             realidade que compete especificamente ao homem, daí a necessidade             unânime de trabalhos, provas e ritos que efetivam esta União             com o Ser, a ontologia como passo prévio ou suporte da metafísica,             ou seja o sacrifício desse Ser (que desde então já não é um             simples ego) no altar da "nuvem do não saber". Supõe-se             que esta é a última entrega e também o sentido             da alma individual, como veículo, símbolo, ou número,             ou seja, como a assinatura do Criador –Verbo ou Logos– no mundo;             um veículo de acesso ao Espírito, quer dizer, para             a dissolução naquilo que tudo fundamenta, mas que,             desde então, não existe, tal qual os objetos que os             sentidos percebem ou o cérebro elabora. Desta forma, notar             a grande quantidade de confusão que se produz com respeito             a estas noções que, em geral, as religiões abraâmicas             desconhecem. 
          Se o Mistério mais             profundo, ou seja, a manifestação do Não-Ser             no seio da Criação, é compatível –e ainda             coetâneo– com o Imanifestado, igualmente a alma, que, em seu             conjunto, não é individual, concentra-se num ponto             onde se sintetiza, constituindo o Ser, como o símbolo mais             claro da Unidade, a partir da qual tudo é gerado, ainda no âmbito             das possibilidades supracósmicas. 
          Com freqüência             se esquece que todas as coisas podem ser e não ser ao mesmo             tempo. Depende às vezes de que se adote um ou outro ponto de vista. 
          A conquista da alma é chegar             ao próprio Destino, ou seja, ser o que sempre se foi.
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     | 12 | GRÉCIA 
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 |        No ponto de intersecção           entre o extremo da Europa, Ásia Menor, e África (Egito),           a origem dos povos gregos ou helenos é indo-européia           e, através desta e da corrente tradicional (Apolínea)           vinda do Norte, a Tradição Grega expressa uma das confluências           da Tradição Primordial e da Atlante. Esta união           das tradições é uma origem, um oriente [articulado           dos séculos VII a V] para um tempo posterior, que através           do Império Romano, e das sucessivas recorrências à Antigüidade           que se darão na história, levará os mistérios           ao Ocidente, numa base de pensamento mítico. O pensamento antigo,           representado por Homero (Ilíada, Odisséia)           e Hesíodo (Teogonia, Os Trabalhos e os Dias),           recolhe uma Teogonia e uma Cosmogonia arcaicas, expressadas também           através de uma geografia sagrada que é a da Antiga Grécia,           e nas quais se conserva a memória das 4 Idades da Humanidade,           designadas com os nomes dos metais que simbolicamente lhes correspondem,           Ouro, Prata, Bronze e Ferro. À ordem, ou cosmos tradicional           estabelecido por aquelas, unir-se-á mais tarde Apolo, deus da           luz, da unidade polar e portanto da harmonia, sendo Delfos o centro           de toda Grécia, o omphalos (umbigo), sustento da unidade           dos povos que a formavam, enquanto Elêusis e outros santuários           análogos constituíam o coração, sendo os           depositários e transmissores dos Mistérios, nos quais           se acham também as origens sagradas do teatro, pois eles constituíam           a representação das façanhas dos deuses e dos           homens no cumprimento do destino, que tem por modelo a consecução           de uma plenitude que corresponde a sua Identidade Suprema. São           os mistérios de Dionísio, vinculados com os Órficos,           anteriores, e traduzidos posteriormente na epopéia da alma do           homem e do mundo, recriada nos de Elêusis; e são desta           forma expressados de outra maneira, os do Número, que constituíram           a essência do pensamento pitagórico e que se reproduzirão           na Teoria das Idéias de Platão. 
          Sócrates, mestre             de Platão e herdeiro da essência supraformal do conhecimento,             será o que articulará esse pensamento na adaptação             a que teve lugar simultaneamente em todo o globo, no século             VI antes de Cristo; sua dialética, não obstante, será a             arte do obstetra, como ele definia sua função. O pensamento             grego, recolhido por Roma e revivificado pelos hermetistas e neoplatônicos             do Renascimento, transmissor também do pensamento egípcio             graças a Hermes, é um dos que formam o Ocidente. Tanto             hoje como ontem, superar sua leitura profana, representada ultimamente             na história dos recentes quatro séculos, é ter             acesso ao âmbito do espaço sagrado, regenerado pela             Iniciação que remonta o homem à Idade de Ouro.             Já em seu tempo, a visão platônica foi irrealizável,             como a própria morte de Sócrates anunciava, e os males             da Grécia histórica, o materialismo, o racionalismo,             a falsa dialética, e a preeminência outorgada à quantidade,             são como outros os de um fim de ciclo, e os de um mundo profano             que não vai em seus estudos além de Aristóteles,             com o qual a ontologia se reduz a uma perspectiva materialista, e             a identidade do ser e do conhecer só se acentua em seu reflexo             analítico, ainda que lhe corresponda também ao ordenamento             de boa parte dos aspectos particulares, que é tal quando não             progride à sistematização. 
          Sua mitologia, as histórias             de seus deuses e seus heróis e heroínas, informaram             a alma do Ocidente e alimentaram as imagens de nossa cultura, e tudo             isso ainda quando a "estética" tenha ocultado o símbolo             e, inclusive, tenham sido invertidos os autênticos valores             que eles encarnavam.
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     | 13 | ROMA  I 
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 |        Roma aparece no palco da           história quando os povos da Hélade grega, que descendiam           em grande parte da Tradição primordial (o culto que estes           professavam ao Apolo hiperbóreo e ao Zeus olímpico é um           exemplo disso), estão em plena decadência crepuscular.           Já nas origens míticas de Roma encontramos a importante           herança dos povos helenos, pois como conta Virgilio na Eneida,           o príncipe troiano Enéas –herói solar como Herakles-Hércules– é eleito           por Júpiter para fundar na região do Lácio ("onde           antanho Saturno manteve seu cetro...") uma colônia da qual surgiria           posteriormente Roma. Por outro lado, na mesma Eneida (livro VI) conta-se           que de Enéas surgiria a estirpe da qual descenderão os           maiores estadistas e imperadores romanos, entre os quais destacamos           a Julio César e seu sobrinho César Augusto. 
          Da mesma forma, quase todos             os nomes dos deuses romanos foram versões latinizadas dos             gregos: Saturno por Cronos, Júpiter por Zeus, Marte por Ares,             Mercúrio por Hermes, Vênus por Afrodita, Minerva por             Atenas, Baco por Dionísio, etc. A mesma influência está presente             nas artes, na literatura e na filosofia. Neste sentido é notória             a influência de Platão e seus sucessores sobre Cícero,             Varrão, Sêneca, Ovídio, Horácio e o já mencionado             Virgílio, o "príncipe dos poetas latinos", sem nos             esquecer de todos aqueles filósofos e teúrgos romanos             ou romanizados que como Nigidius Figulus, Ário Dídimo,             Quinto Sextius, Cornelius Celsus e Apuleio (iniciado nos mistérios             dos sacerdotes egípcios e conhecedor das doutrinas herméticas             surgidas em Alexandria), fizeram parte da escola neoplatônica             e neopitagórica, contribuindo à difusão de seu             pensamento por todos os cantos do Império. Inclusive alguns             imperadores, como por exemplo Juliano, participaram inteiramente           das idéias platônicas.          Pesando tudo isso, não             se deve pensar que a civilização romana fora uma cópia             calcada da grega. O que, sim, é verdadeiro é que a             partir de um dado momento ambas constituíram uma só cultura,             a greco-latina, que longe de desaparecer continuou viva no Ocidente             até os próprios alvores dos tempos modernos.
 
          No entanto, se nos referimos à tradição             romana em si mesma vemos que esta pertence ao grande tronco da civilização             indo-européia, do qual surgiriam também os povos celtas,             indianos, gregos, germânicos e tantos outros, todos os que             tinham um vínculo mais ou menos direto com a tradição             primordial. Esse vínculo se manifesta claramente nas origens             históricas de Roma com a existência dos sete reis legisladores,             que são análogos aos sete Rshi da tradição             indiana, seres míticos encarregados de conservar e transmitir             a Sabedoria e o Conhecimento em cada novo ciclo da humanidade. E             isto é o que representam os sete reis com relação             a Roma: transmitem a esta as idéias-força que permitirão             o desenvolvimento de sua civilização. Este é o             caso de Numa, que cria o colégio sacerdotal e o primeiro calendário,             e é significativo que seu nome esteja invertido silabicamente             com respeito ao de Manu, que na tradição indiana simboliza             o Ancestral e Legislador primordial, como se efetivamente a função             de Numa em relação a Roma fora idêntica à de             Manu com respeito ao conjunto da humanidade. 
          Mas o fundador de Roma,             aquele que traça os limites sagrados da cidade e do qual deriva             o nome da mesma, não é outro que Rômulo, o primeiro             dos reis legisladores. Foi capaz, com a força espiritual que             outorga o saber-se possuidor de um destino unido ao supra-histórico             e transcendente, de infundir nos povos itálicos (contando             entre eles os etruscos e os sabinos) a idéia do Império             sob o estandarte protetor da águia, ave celeste e divina por             excelência. Na realidade, o Império corresponde a uma             antiqüíssima concepção tradicional que             se remonta às próprias origens da humanidade, e segundo             a qual aquele representa a expressão da ordem celeste e urânica             sobre a terra. Nas mais altas culturas tradicionais se menciona,             sob diferentes nomes, um mítico "Império do Meio" onde             reside o Monarca Universal (o Chakravartî hindu e budista),             o Rei de Justiça e de Paz, o Rei do Mundo, que não é outro             que o Verbo divino do qual emana a Lei Eterna reguladora da harmonia             e da ordem da criação.
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     | 14 | AS MUSAS  II 
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 |        No cume do Helicon, montanha           sagrada ao norte do Olimpo, achava-se o altar de Zeus, e em seus declives,           as fontes que davam a inspiração poética a quem           bebia delas (como a de Hipocrene, surgida da rocha por um coice de           Pégasus, ou a de Aganipe), de cujas azuladas águas (da           cor do éter) também as Musas bebem quando, cansadas,           renovam seu vigor depois de dançar em seus prados, nos quais às           vezes se manifestam aos homens; também se encontrava naquele           Monte o sepulcro de Orfeu, as estátuas dos principais deuses,           e o bosque sagrado dedicado a elas e onde, anualmente, eram celebradas           junto a Cupido. Em seus brincos se acham as plantas fragrantes, que           têm a propriedade de privar às serpentes de seu veneno;           em seus declives, como nos do Pindo e do Parnaso, costuma apascentar           Pégaso. Também neste último Monte, brotam as fontes           da inspiração profética: a de Castália,           cujas águas se utilizavam como purificação em           Delfos, e se davam ali de beber à Pythia, mana em meio           a dois cumes, um dos quais está consagrado a Apolo e às           Musas e o outro a Dionísio-Baco. A ambos, invoca-os Dante quando           começa a cantar a ascensão que narra a terceira e última           parte de sua Comédia. 
          De suas batalhas, diz-se             que venceram em duelo às nove filhas de Pierio, humanas e             mortais, que as tinham desafiado no canto, e a quem privaram de seu             nome. Também que num duelo semelhante despojaram às             Sereias de suas asas e se coroaram com suas plumas, caindo aquelas             ao mar. Não obstante é importante assinalar que para             Platão (no Mito de Er) e os Neoplatônicos (Proclo) cada             Sereia se relaciona com uma das esferas e seu canto à rotação             destas, que movem com suas asas, enquanto as Musas presidem sobre             cada uma delas na ascensão vertical. Segundo os platônicos,             não ouvimos aquelas notas porque soavam quando nascemos e             não dispomos de um silêncio capaz de contrastá-las;             daí, no entanto, o silêncio sagrado revelado no interior             do bosque e vinculado para os gregos com o deus Pã. E bem             como a luz solar é um símbolo da Luz Inteligível,             há um som não sensível que é a imagem             do Logos, da Palavra ou Verbo criador, cujos intervalos ou proporções             encontram seu eco no coração do ser humano, veiculando             os ensinos que só as Musas outorgam, pois o Cosmos é a             Música revelada ao homem: 
          "Ser instruído na             música, não consiste senão em saber como se             ordena todo o conjunto do universo e que plano divino distribuiu             todas as coisas: pois esta ordem, na qual todas as coisas particulares             foram reunidas num mesmo todo por uma inteligência artista,             produzirá, com uma música divina, um concerto infinitamente             suave e verdadeiro" (Asclépio, 13).
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     | 15 | MITRA 
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 |        Deidade de origem índo-iraniana           e caldaica (vinculado a Varuna, o Céu, e formando em ocasiões           casal com Ahura-Mazda, o deus salvador, em sua luta com Ahrimán,           o aspecto tenebroso da criação), Mitra foi adotado por           Roma como um de seus principais númenes tutelares, até o           ponto de ser considerado como o "protetor e sustento do Império". É de           destacar que a época de seu maior apogeu (entre os séculos           I e IV) coincide com o florescimento das doutrinas herméticas,           gnósticas e neoplatônicas alexandrinas, com as quais o           mitraísmo teve sem dúvida seus contatos, beneficiando-se           de muitas de suas idéias. Contatos que também existiram           com o cristianismo incipiente, como o demonstram as numerosas analogias           entre as figuras de Mitra e de Cristo, já observadas por alguns           pais da Igreja, como Justino e Tertuliano. 
          Sua festa principal se             celebrava no 25 de dezembro, dia do solstício de inverno,             coincidindo assim com o nascimento do "sol invencível" e vitorioso             das trevas (dies natalis Solis invicti Mitra). Segundo a lenda,             Mitra nasce da "pedra" (petra genitrix) à beira de             um rio, portando em suas mãos a espada e a tocha, símbolos             associados à Justiça e à purificação             pelo fogo e pela luz da Inteligência. Trata-se, pois, de uma             deidade eminentemente solar (os gregos chegaram a vinculá-lo             com o próprio Apolo, e também com Hércules),             o que está claramente indicado na própria raiz mir constitutiva             de seu nome, que significa "sol". Assim o testemunha o imperador             Juliano (iniciado nos mistérios mitraicos pelo filósofo             neoplatônico e pitagórico Máximo de Éfeso)             quando se dirige a Mitra nestes termos: "Este Sol, que o gênero             humano contempla e honra desde toda a eternidade, e cujo culto faz             sua felicidade, é a imagem viva, animada, razoável             e benfeitora do Pai Inteligível". Outro significado de seu             nome é o de "chuva", mas entendida em seu aspecto de "orvalho" vivificador,             símbolo do descenso das influências espirituais. 
          Num antigo hino iraniano             se diz que Mitra está sempre desperto e vigilante, observando             cuidadosamente todas as coisas. Vai à chamada dos débeis,             e seu poder é empregado sempre a favor do gênero humano.             Mitra é, efetivamente, o amigo e protetor dos homens, o que             lhes infunde as virtudes heróicas: o valor, a força             interior, a lealdade, a fraternidade, e como deidade intermediária             entre o mundo superior e o inferior, é também (tal             qual Hermes) o guia que os conduz em sua ascensão para a origem             através das esferas planetárias. Neste sentido, assinalaremos             que entre os romanos os mistérios de Mitra se dividiam em             sete graus, em correspondência com a escala planetária,             mas disposta na ordem seguinte: Lua, Vênus, Marte, Júpiter,             Mercúrio, Sol e Saturno. Ditos graus recebiam os nomes de             Corvo (Corax), Oculto –ou Noivo– (Cryphius), Soldado             (Miles), Leão (Leo), Persa (Perses),             Correio –ou Companheiro– do Sol (Heliodromus), e por último             Pai (Pater). Os três primeiros constituíam um             período de preparação, durante o qual o adepto             devia morrer para sua condição anterior, o que está claramente             expressado pelo Corvo, cuja cor escura simboliza precisamente a fase             de nigredo ou morte alquímica. Durante esse período,             era instruído pela "força forte das forças" e             pela "Reta incorruptível", instando-lhe a um "persistir da             potência da alma numa pura pureza". Os mistérios culminavam             com a obtenção do grau do Pai, através do qual             –como hierofante (pater sacrorum, pater patrum) e chefe da             comunidade mitríaca– atingia-se o Princípio incondicionado,             morada dos Bem-aventurados, "aonde já não existe um             aqui ou um ali, senão que é calma, iluminação             e solidão como num oceano infinito". 
          Os ritos se celebravam             em cavernas e criptas subterrâneas chamadas mitreums,             que constavam de dois níveis, um superior e outro inferior,             representando respectivamente o céu e a terra. Nessas criptas             se encontravam figurados os símbolos fundamentais da cosmogonia             hermética: os círculos planetários, a roda zodiacal,             e os ciclos dos elementos, onde o fogo aparecia como o principal             agente purificador. Em cima do altar, encontrava-se a efígie             de Mitra no momento de imolar com sua espada o touro primordial ("Mitra             tauróctono"), cujo sangue vertido em terra a fecundava, surgindo             dela o trigo e o "pão de vida", alimento de imortalidade.             Como manifestação da potência geradora da natureza,             este animal é também o símbolo dos influxos             lunares e telúricos, que determinam a existência do             mundo inferior, e que no homem se expressam através de sua ânima ou             energia vital. É dita energia, em seu estado de "pedra bruta",             que Mitra "doma" e "sacraliza" quando cavalga o touro, direcionando-a             num sentido superior, até convertê-la no motor ou fogo             sutil que faz possível a transmutação e a regeneração.
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     | 16 | EXERCÍCIO           PRÁTICO: MEDITAÇÃO EM AÇÃO |  |       | 
 |        Demos uma seqüência             constante de exercícios práticos de concentração,             meditação e visualização, utilizando             especialmente a Árvore da Vida como modelo ou mandala para             os realizar. Também, seguimos com as práticas referentes             ao Tarô, ao mesmo tempo em que ampliamos seu conhecimento.             Os exercícios sobre o Tarô são particularmente             interessantes, pois este extraordinário veículo esotérico             promove tanto a visão como a sensibilização             necessárias –em alguns casos quiçás imprescindíveis–             para a efetivação dos textos e ensinos dados em Agartha,             enquanto ele mesmo é um iniciador nas disciplinas herméticas. 
          No entanto, queremos               agora insistir sobre um tema fundamental unido às disciplinas               que nosso curso e suas lições comunicam. Referimo-nos               a que todos os exercícios (que, como se pôde apreciar,               estão unidos uns com os outros, entre si) têm por               finalidade o trazer estas práticas à cotidianidade,               ou seja, o efetuá-las em nossa vida habitual, qualquer que               seja a circunstância na qual nos tenha tocado viver. Portanto,               não devem ser tomados como rígidos, ou seja, como               um fim em si mesmos, senão que devem ser considerados como               veículos de Conhecimento. Qualquer advertência neste               sentido não é demais, pois se considera importantíssimo               não confundir o fim com os meios adequados para produzi-lo.               Por outro lado, uma atitude dúctil com respeito a estes               exercícios é recomendável, não quanto à perfeição               desejável em sua realização, ou igualmente à conveniência               e utilidade de efetuá-los, senão que esta flexibilidade               seja uma adaptação que, de maneira individual, cada               aluno faça em sua esfera própria. Dito de outra maneira:               consideramos aos exercícios como valiosíssimos, já que               se trata de meios de realização, mas queremos insistir               na responsabilidade de nossos leitores no sentido de que estas               práticas podem ser perfeitamente transladadas às               múltiplas circunstâncias de sua vida cotidiana e efetuadas               com uma margem de interpretação criativa, enquanto               se atam aos mesmos modelos tradicionais que Agartha oferece, e               sejam executadas com a boa vontade e o rigor que elas merecem,               sem que somente os alunos se rejam pela literalidade de seu exercício,               aferrando-se a elas, como quem se identifica só com a letra               morta de determinados textos. 
          Os exercícios               podem ser feitos em movimento: tanto caminhando, como correndo,               ou ao ritmo de uma "ginástica" que o aluno possa adaptar               ou recriar. Também estas práticas de respiração               e visualização podem fazer-se em postura horizontal               e efetuar-se tanto no solo como no leito ou na banheira. O importante é não               as descuidar por um só momento em nosso dia, e realizá-las               com fé e alegria quando tenhamos tempo disponível               para isso.
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     | 17 | JESUS 
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 | Jesus           nasce no seio do povo judeu, e sua linhagem se remonta aos reis de           Israel, à casa de David, da qual descende. Seu nome hebraico,           com o agregado do grego Cristo, identificam àquele que, enviado           do Pai para a Redenção e a Salvação da           humanidade, gostava de se chamar "Filho do Homem", evidenciando assim           sua dupla natureza, divina e humana, arquétipo da composição           dual do homem, símbolo vertical e axial da comunicação           céu-terra, fato a imagem e semelhança de seu Criador.           Jesus nasce oculto num humilde lugar e é visitado e adorado           por três reis e magos que, seguindo a luz da estrela, chegaram           a conhecê-lo. Depois vai crescendo em sabedoria e bondade e depois           de atravessar vários perigos, nos quais seus pais o protegem,           quer ser batizado por seu primo João, o asceta que vive no deserto,           que batiza com água, enquanto ele batizará com fogo,           com seu sangue sacrifical simbolizado pelo vinho. Dali em diante, desenvolve-se           uma história iniciática recolhida pelos Evangelhos pontualmente           e onde prima o sentido esotérico sobre qualquer outra coisa,           a tal ponto que se não fora por este sentido resultaria absurdo           o que se afirma neles, por contraditório, obscuro e confuso.           Nos Evangelhos floresce o conhecimento da autêntica tradição           de Israel, aquela que deu forma a Moisés, o Egípcio,           e que o Salvador herda e plasma de acordo ao desenvolvimento do tempo           e dos ciclos e ritmos de todo processo. Tudo está nos Evangelhos           quando se os sabe ler. Seu enorme conteúdo emocional, e sua           beleza excedem às interpretações racionais e materiais           e nos apresentam a tremenda e magnífica semelhança do           Homem-Deus e o paradoxal percurso de sua vida, que acabará no           coração da cruz, depois de ter sido recebido triunfalmente           em Jerusalém e depois de ter passado por provas e atravessado           o Jordão várias vezes. Ali entrega finalmente a vida           e o tempo e renasce definitivamente na Vida Eterna em comunhão           com seu Pai com o que forma uma só e única substância           revestida de um Corpo de Glória. Tal é aquele homem histórico           e arquetípico, imagem viva do Cristo interno, Universal e Eterno,           que disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida"; também deixou           dito: "Procurai e encontrareis".  | 
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     | 18 | ROMA  II 
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 |        No Ocidente, foi necessária           a chegada de Roma para que esta concepção sagrada do           Império se fizesse uma realidade histórica, difundindo           o ideal de civilização superior que encarnava e ao qual           estava predestinada desde suas origens lendárias. Da Ásia           Menor e Oriente Próximo até a Hispania, do Norte           da África até os países germânicos, celtas           e anglo-saxões, Roma implantou sua cultura e sua visão           unitária do mundo, e graças à Pax romana           os povos que estiveram sob sua órbita conheceram uma época           de grande esplendor e florescimento cultural. E conquanto essa implantação           se realizou muitas vezes mediante o uso das armas é porque para           Roma (como para muitos outros povos tradicionais) a guerra tinha um           sentido completamente diferente ao que se tem hoje em dia, começando           porque se tratava de um rito ou um ato sacralizado. Essa concepção           transcendente da guerra explicaria também por que Roma respeitava           as tradições e os costumes ancestrais dos povos que conquistava. 
          Em relação             com este último, um fato importante para se ter em conta é que             antes de entrar em combate os romanos invocavam, mediante ritos apropriados,             a presença ativa de seus deuses, com o fim de que fossem estes             quem submetessem aos deuses respectivos de seus inimigos; ou seja,             que a guerra se produzia primeiramente no plano invisível             e espiritual, pois a conquista de um território, cidade ou             país, implicava antes o domínio sobre seus deuses,             que passavam a fazer parte do panteão romano, e à manutenção,             portanto, da unidade do Império. Os antigos romanos sabiam             perfeitamente que para conseguir essa unidade não bastava             só com invocar a energia guerreira e combativa de Marte, senão             que, acima desta, devia existir a energia integradora e benéfica             de Júpiter, o pai dos deuses e legislador celeste dos homens,             cujos distintivos são precisamente a águia imperial,             o raio (eixo), a coroa e o trono. 
          O imperador encarnava em             sua função e em sua pessoa essas energias, que o transfiguravam             num ser dotado de poderes sobrenaturais e num intermediário             entre o céu e a terra, assumindo a responsabilidade de governar             seu povo segundo os atributos da Misericórdia e da Justiça             divinas. Daí o título de Pontifex Maximus que             ostentava. Por isso mesmo, quando os imperadores perdem essa função             intermediária (os exemplos de Nero e Calígula são             muito ilustrativos ao respeito) pode se dizer que Roma entra em sua             decadência anunciando assim o fim de sua civilização. 
          Devemos considerar também             o importante papel exercido por Roma no conjunto global da história             sagrada, no sentido de que soube estender uma ponte entre Ocidente             e Oriente, recolhendo neste sentido a herança deixada por             Alexandre Magno. Uma divindade romana, Jano, (ver Módulo II,             título N.º 94 )             aludia também a esta vinculação entre Ocidente             e Oriente, ou seja, à complementação de opostos.             Dos dois rostos que Jano possuía um deles olhava à esquerda             (Ocidente) e o outro à direita (Oriente), abarcando com seu             olhar os dois extremos do mundo, como projeção horizontal             do eixo vertical único. 
         Jano era também             o deus que presidia as iniciações artesanais, especialmente             as quais tinham lugar entre os collegia fabrorum, ou             corporações de construtores. Estes foram sumamente             importantes no desenvolvimento da civilização romana,             que, como já indicamos, assumiu grande parte da cultura grega,             sobretudo no terreno da filosofia e das artes, e dentre estas, particularmente,             a arquitetura. Precisamente a origem dos collegia fabrorum se             remontava à época do rei Numa, que fora contemporâneo             de Pitágoras, e receptor também de seus ensinos, como             o atesta que em sua tumba aparecessem escritos de conteúdo             inteiramente pitagórico. De fato estes collegia recebem             do pitagorismo as ciências sagradas do número e da geometria,             que eles plasmaram nos templos, basílicas e edificações             de todo tipo, e que constituem o legado de uma cosmogonia (baseada             no simbolismo construtivo) que permaneceu viva na cultura ocidental,             graças a qual foi transmitido aos construtores medievais e             renascentistas, dos que derivaria, junto ao aporte decisivo da Tradição             Hermética, a Maçonaria que chegou até nossos             dias.
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     | 19 | ALEXANDRIA 
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 |        Quando no ano 332 a. C. Alexandre           Magno chega ao Egito em sua expedição conquistadora para           Oriente, funda no delta do Nilo, e depois de visitar no oásis           de Siwa o oráculo do deus Amon (semelhante a Zeus-Júpiter),           a cidade que leva seu nome: Alexandria. Esta aparece como o último           grande centro da cultura clássica, o que determinará seu           destino como cidade-ponte, que fará possível a comunicação           da antiga sabedoria ao novo período histórico, que se           abriria no Ocidente depois do desaparecimento definitivo do Império           Romano. Por outro lado, seu famoso farol ficou na memória como           um símbolo do que Alexandria representou para seu tempo: um           foco de luz intelectual que irradiou sua força civilizadora           para todos os confins do mundo mediterrâneo. Por essa razão           sua influência se deixasse sentir em quem, mesmo não vivendo           em Alexandria, não obstante estavam vinculados a ela como "farol" de           sua época, tal o caso de Sêneca, Cícero, Virgilio,           Ovídio, Moderato de Cádiz, entre tantos outros. 
          Sem dúvida ao esplendor             cultural de Alexandria contribuíram de maneira decisiva a             criação da Biblioteca e o Museu (Museion: "Templo             das Musas"), que já desde sua fundação no século             III a. C. atraíram sábios, filósofos, magos             e teúrgos vindos de todos os lugares, chegando-se a conformar             num momento dado a escola matemática de Alexandria, onde o             pensamento científico e filosófico da tradição             pitagórico-platônica se conjugou com o antigo saber             egípcio e caldeu. Ali se ensinavam as artes liberais e cosmogônicas             como a aritmética, a geometria, a música e a astronomia,             de onde surgiram obras tão importantes como os Elementos de             Euclides, que deram seu fundamento à geometria ocidental.             A essa escola pertenceram igualmente o físico Arquimedes,             os astrônomos e geógrafos Apolônio de Pérgamo             (chamado por seus contemporâneos o "grande geômetra"),             Eratóstenes, Aristarco de Samos, Hiparco de Rodes (descobridor             para Ocidente da precessão dos equinócios, importantíssima             para o conhecimento das leis cíclicas), Claudio Ptolomeu (a             quem se deve o Almagesto ou Composição Matemática),             Demetrio de Falera e Nicómaco de Gerasa, autor de uma Introdução à Aritmética             e de um Manual da Harmonia (exposição da teoria musical             pitagórica), que tanta influência exerceriam sobre Boécio,             e através deste em toda a Idade Média e no Renascimento. 
          Alexandria brilha com especial             intensidade nos três primeiros séculos de nossa era,             já que nesse momento se vive um ressurgimento do neoplatonismo,             ao mesmo tempo que se acaba de formar a Tradição Hermética             graças à síntese dos ensinos do mítico             Thot-Hermes Trismegisto com o próprio neoplatonismo, sem nos             esquecer da presença de elementos procedentes das doutrinas             orientais e das gnoses judaica e cristã. Podemos dizer que             a partir desse momento o hermetismo e o neoplatonismo constituirão             as duas referências fundamentais do esoterismo ocidental, e             nenhum movimento ou individualidade que tenha sustentado e transmitido             a Ciência Sagrada ao longo dos últimos dois mil anos             foi alheio às idéias do Deus Hermes, de Pitágoras             e Platão, conciliadas no "crisol alexandrino". Entre os muitos             que encarnaram essas idéias devemos destacar, no século             I, Fílon de Alexandria (que fez uma síntese entre o             judaísmo e o neoplatonismo, antecipando-se nisso a muitos             cabalistas medievais) e Apolônio de Tiana (que viajou pelo             Oriente e pela Índia, e autor também de uma vida de             Pitágoras); no século II a Téon de Esmirna,             Máximo de Tiro, Apuleio (que escreveu As Metamorfoses),             Numenio e Plutarco de Queronéia, autor de Ísis e             Osiris e Vidas Paralelas; e no século III temos             a Ammonio Saccas, fundador da escola platônica de Alexandria,             considerada como a herdeira das que existiram na Grécia e             na Itália nos tempos de Pitágoras e Platão. 
          À dita escola pertenceram             nada menos que Plotino, Porfírio, Hermias e Jâmblico             (que em seus Mistérios do Egito afirma que foi nos             livros herméticos onde descobriu a libertação             da alma de todos os laços do destino), Edésio de Capadocia             e Plutarco de Atenas. Eles, e outros muitos, estenderam a doutrina             por todo o mundo greco-latino, fundando escolas em Roma, Sicilia,             Pérgamo, Éfeso, Sardes, Apamea (Síria) e Atenas,             para citar as mais conhecidas. Na Academia de Atenas, e entre os             séculos IV e V, sobressaem as figuras do já mencionado             Plutarco, de Sinesio e de Proclo, iniciado nos mistérios platônicos             e teúrgicos por Asclepigênia, filha de Plutarco. Proclo é autor             de uma ingente obra entre a qual destaca seus Comentários aos             livros de Platão e a Teologia Platônica, em cujo             prefácio diz que este tratado é "um elogio não             só de Platão, senão também daqueles que             o sucederam na tradição filosófica". Proclo             aparece assim como aquele que dá depoimento dessa tradição,             realizando uma síntese do pensamento de todos os que foram             seus transmissores ao longo do tempo, e que tanto influíram             nos primeiros representantes do esoterismo cristão, como Clemente             de Alexandria, Orígenes, Lactâncio, Dionísio             Areopagita e Máximo, o Confessor, todos eles embebidos das           idéias platônicas e herméticas. Mas é importante               sublinhar que a escola de Alexandria, e as que se criaram sob sua               influência, se tomarão como o modelo das que       surgiram em Bizâncio, na Idade Média (Toledo, Chartres e Oxford       especialmente) e no Renascimento, começando pela Academia Platônica       de Florença, onde sob a direção de Marsílio Ficino       se traduziu do grego ao latim todo o Corpus Hermeticum, Platão, Proclo,       Jâmblico e a praticamente todos os filósofos alexandrinos, feito       este fundamental para que a "corrente áurea" continuasse viva na cultura       de Ocidente, prolongando-se até nossos dias.
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| 20 | O HERMETISMO ALEXANDRINO 
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 |        Como dissemos no capítulo           anterior, foi na cidade egípcia de Alexandria onde a Tradição           Hermética acabou por se constituir num corpo de doutrinas. E           não é casual, senão devido a razões histórico-geográficas           e simbólicas, que fosse no Egito, e não em outro lugar,           onde esta tradição começaria a irradiar sua influência           a todo Ocidente. Como assinala Plutarco, nos tempos dos faraós           este país recebia também o nome de Kemi, que significa "terra           negra" como já sabemos, de onde provém –com o adicionado           do artigo árabe al– a palavra Alquimia, a ciência           hermética que contém os sagrados mistérios dos           sacerdotes egípcios, que na realidade formavam uma entidade           intelectual, cuja autoridade espiritual emanava diretamente do deus Thot,           o mensageiro do Conhecimento, deidade essencialmente civilizadora (doa           aos homens a escritura junto com as ciências e as artes da Cosmogonia),           que entre os gregos tomou o nome de Hermes e o de Mercúrio entre           os romanos. Também, existe outro dado tradicional de origem árabe           que vem confirmar o que dizemos: trata-se da expressão "A Tumba           de Hermes", que é como se designava antigamente à maior           das pirâmides do Egito, expressão que também pode           se estender às duas outras que estão a seu lado. Neste           sentido, essa mesma fonte tradicional assegura que em dita pirâmide           se encerra a Ciência Sagrada transmitida por Hermes (identificado           com o profeta Idris ou Henoch) desde os tempos antediluvianos,           em clara alusão à civilização Atlante,           remontando-se através desta até a própria Tradição           Primordial. Afirma-se também que a referida pirâmide guarda           essa Ciência não em forma de documentos ou inscrições           hieroglíficas, senão "fixada" em sua própria estrutura           exterior e interior, pois na verdade se trata de um autêntico           modelo simbólico do Cosmos, ao qual reflete em todas suas proporções           e medidas. Por conseguinte, é ao conhecimento do que esse modelo           expressa ao que em realidade alude "A Tumba de Hermes", expressão           que também sugere o caráter secreto e velado que dito           conhecimento tomou a partir de um momento dado no devir da história           humana. 
          Por tudo isso, não             deve resultar estranho que esse ressurgir da Arte e da Ciência             de Hermes, acontecido nos primeiros séculos de nossa era,             ocorresse precisamente em Alexandria, ou seja, em terras do Egito,             ao qual contribuiu notavelmente a influência grega, sobretudo             através da filosofia platônica e pitagórica,             em grande parte herdeira dos mistérios órficos e das             tradições dos antigos povos helenos, de origem igualmente             primordial. A isto teria que adicionar o aporte recebido de outras             correntes tradicionais, como o judaísmo, o recém nascido             cristianismo, o gnosticismo não dualista e a cosmologia astral             dos sacerdotes caldeus, que chegaram a Alexandria, junto com outros             sábios orientais (principalmente indianos e budistas), através             das grandes rotas traçadas vários séculos antes             por Alexandre Magno. Mas a Tradição Hermética,             sob a forma que adotou a partir de então e tal e como chegou             até nossos dias, é fundamentalmente de origem greco-egípcia,             o que lhe permitiria propagar-se com rapidez por todos os países             onde estava implantada, desde tempos mais antigos, a cultura grega,             ou melhor greco-latina: praticamente por toda a planície mediterrânea,             a Ásia Menor e o Oriente Próximo. Daí as constantes             referências a Hermes e à doutrina hermética entre             os filósofos, magos e teúrgos dos mais diversos países             e regiões, o que deu lugar a uma comunidade de pensamento,             ligada à "corrente áurea" imemorial, que sob o influxo             espiritual-intelectual do Mensageiro dos deuses nutrirá e             estará presente em todas as correntes esotéricas e             sapienciais forjadoras da identidade cultural do Ocidente. 
          Todo esse cúmulo             de sabedoria e conhecimento os mestres herméticos alexandrinos             o verteram através de uma série de livros que chegaram             até nós sob o nome dos Hermética, entre             os quais se contam o Corpus Hermeticum, integrado,             por sua vez, por outros escritos que como o Poimandrés,             o Asclépio e a Koré Kosmou, pertencente             aos Extratos de Estobeo, descrevem o conjunto da Revelação             de Hermes, cujo fim último é conseguir que com a aprendizagem             e conhecimento da Cosmogonia, da gênesis do mundo e da alma             humana, ou seja do Plano Intermediário, o adepto vá acordando             em si mesmo o Nous (o Espírito universal), e a possibilidade             com isso de contemplar a realidade do que está além             do cosmos, ao Um e Só, no que reside o verdadeiro Bem. Dentro             dos Hermética, temos de considerar igualmente os Oráculos             Caldeus, de Juliano, o Teúrgo e , claro, todos aqueles livros             e tratados de caráter astrológico, alquímico             e mágico que falam das correspondências e analogias             entre o homem, os diferentes reinos da natureza (mineral, vegetal             e animal) e o mundo celeste: os planetas, o zodíaco e as constelações             estelares, caracterizando tudo isso uma visão do cosmos considerado             como um todo, onde as partes que o integram respondem a estímulos             semelhantes, manifestando desta maneira a Unidade que os une entre             si e da qual procedem pois, como dizem os textos, "o conhecimento             (a gnose) é a culminação da ciência". 
          Falamos, por exemplo, do Livro               de Hermes Trismegisto, O Transe de Salomão, O               Livro Sagrado de Hermes a Asclépio, O Livro das virtudes               das ervas, as Kyranides, etc. Destacar também               a Hieroglyphica, cujo autor, Horapolo (nome integrado por               Hórus e Apolo, as duas divindades solares de Egito e Grécia)               fala-nos da serpente ou dragão Uroboros, ideograma               alquímico que foi considerado posteriormente pelos hermetistas               medievais e renascentistas como um dos símbolos da Grande               Obra. Deixar constância também da figura de Bolos               de Mendes, que viveu no século II a.C. e autor do Livro               das Simpatias e de Física e Mística, onde se               descrevem as correspondências entre a ciência da natureza               e a ciência divina. E desde já não devemos               esquecer do alquimista Zósimo de Panópolis e de duas               de suas principais obras: Conta Final e Questões               Alquímicas, nas quais deixou escrito que "a raça               dos filósofos está acima da fatalidade", evocando               ao mesmo tempo ao "três vezes grande Platão e ao infinitamente               grande Hermes".
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     | 21 | COSMOVISÃO HERMÉTICA           ALEXANDRINA 
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 |        O universo foi criado por           uma vibração sonora primordial, emitida no princípio,           quer dizer, agora mesmo (pois a revelação é coetânea           com o tempo), pela Palavra, Verbo ou Logos spermatikós,           que é também o Mediador através do qual o Ser           Supremo, o Pai, concebe o modelo do mundo. Este Mediador ou Intermediário           entre a Unidade primigênia e o mundo hílico (material)           recebe o nome de Nous Demiurgo ou Espírito da           Construção Universal. Por sua vez, o Nous Demiurgo governa           sobre as divindades astrais que regem cada uma das esferas planetárias,           que organizam, junto às divindades zodiacais, a Roda do Destino,           na qual se projeta a existência dos seres e das coisas. Este é o           plano no qual atua diretamente o Anima Mundi, ou segundo           'Demiurgo' (o Adão Protoplastos), que conjugando as energias           contrárias e duais implícitas já nessas divindades,           gera o fluir perene e harmonioso dos ciclos e dos ritmos cósmicos.           Finalmente, essas energias celestes descem ao plano hílico ou Corpus           Mundi, ao qual insuflam vida e ordem a partir das qualidades respectivas           dos quatro elementos em suas variadas combinações. A           natureza torna-se então um recipiente onde se refletem os diversos           níveis da existência universal. E é pelos signos           reveladores que se expressam nela (como se de um oráculo se           tratasse) que o homem pode se remontar a sua origem, ascendendo pelos           degraus da Escala Filosófica, pois conserva em seu interior           a semente da alma imortal. Mas essa ascensão se faz efetiva           mediante a ciência teúrgica, que põe o homem em           comunicação com os deuses e as entidades angélicas           que, mediante o rito e a invocação, transmitem sua inteligência           e sabedoria ao coração do adepto. 
          Temos assim, muito resumido,             o conteúdo cosmogônico do Corpus Hermeticum,             que o estudante de nosso Programa já conhece pelas estreitas             vinculações que tem com a Árvore da Vida cabalística.
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     | 22 | A IDADE MÉDIA 
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 |        O qualificativo de "idade           obscura", que por parte da maioria dos historiadores modernos se atribui           ao Medievo, é uma prova a mais do espesso véu que cobre à excessivamente           materializada mentalidade atual, que em seu desconhecimento a tudo           confunde e inverte. No entanto, desde algum tempo já, e desde           diversos campos da investigação, voltou-se a pôr           este ciclo histórico no lugar ao qual corresponde, cuja característica           mais notória foi o esplendor e a presença do sobrenatural           e do sagrado em todas as expressões de sua cultura. 
          Para entender a Idade Média,             tal como qualquer época histórica, há que saber             visualizá-la dentro do conjunto do ciclo ao qual pertence.             O Medievo europeu corresponde ao ciclo particular da tradição             cristã, e representa um segmento ou parte desse mesmo ciclo,             exatamente sua metade, daí a denominação de             Idade Média. Com ela se atinge –entre os séculos VIII             e XIV– o ponto álgido, a culminação da idéia             de civilização especificamente cristã, que não             obstante se gestara durante o curso dos séculos anteriores             (que não devem de jeito nenhum se desconhecerem), e concretamente             desde o momento em que, depois da morte de Cristo, os apóstolos             e seus discípulos começaram a difundir a mensagem por             todo Ocidente, chegando até a Inglaterra. 
          Este foi o caso de José de             Arimatéia e de Nicodemo, de quem se diz eram portadores da             copa do Graal que continha o sangue e a água (o espírito             e a alma) que emanaram da ferida de Cristo na cruz. Esta viagem de             José de Arimatéia às ilhas britânicas             constitui sem dúvida uma das chaves mais importantes para             compreender o autêntico espírito que animou à cristandade             medieval, pois, com toda segurança, produziu-se uma assimilação             da antiga tradição celta –e muito especialmente do             aspecto mais interior (esotérico) e iniciático desta,             cujo conhecimento estava em posse dos sacerdotes druidas–, com o             cristianismo. A conhecida e importante lenda do Graal, que circulou             por toda a Idade Média (e na qual se relatam as gestas heróicas             e iniciáticas do Rei Artur e dos Doze Cavaleiros da Távola             Redonda) [talvez] não houvesse sido possível sem a             herança celta. 
          Também, muitos outros             elementos procedentes de outras tradições se encontraram             na Idade Média. Temos o importante aporte da civilização             romana, especialmente no que se refere à organização             social e jurídica, na arquitetura e na arte (o românico,             por exemplo), na constituição das corporações             de construtores, semelhantes aos Collegia Fabrorum,             e também na idéia do Império e do Imperador             como detentor supremo da autoridade espiritual e do poder temporal             (recordemos neste sentido a criação do Sacro Império             Romano, auspiciada pelo imperador Carlos Magno, e com o qual se dá começo             propriamente à Idade Média), ainda que desde o ponto             de vista exotérico estas funções estivessem às             vezes assumidas pelo papado e pelos reis, respectivamente. 
          No âmbito puramente             ontológico que assentou as bases da filosofia medieval, há que             se mencionar, entre os séculos IV e V, os chamados Pais da             Igreja, como Dionísio Areopagita, Clemente de Alexandria,             Santo Agostinho, Orígenes e Máximo, o Confessor, conhecedores             todos eles das doutrinas herméticas, platônicas e gnósticas,             das quais extraíram o mais essencial. 
          Mas a Idade Média             não poderia compreender-se em sua totalidade se não             tivéssemos em conta igualmente às outras duas tradições             abrahâmicas: a judaica e a árabe. Quanto à primeira, é evidente             que o cristianismo, por suas origens, procede diretamente do Antigo             Testamento, e a expressão judaico-cristã convinha perfeitamente             a certas organizações do esoterismo cristão, às             quais não eram desconhecidos os ensinos da Cábala,             cujo maior apogeu se deu também durante este período,             sobretudo na França e na Espanha. No que respeita à tradição             islâmica, é notória a influência que esta             exerceu entre as artes e as ciências, e se conhece a importância             que teve na propagação dos textos alquímicos             e da Tradição Hermética em geral. 
          Neste sentido, há que             se assinalar o papel que teve a península Ibérica,             já que fundamentalmente, através dela, a extraordinária             riqueza da cultura árabe (e com ela a recuperação             da antiga filosofia grega, especialmente Pitágoras, Platão             e Aristóteles) foi conhecida em toda Europa. Por outro lado,             temos os intercâmbios mantidos pelos iniciados muçulmanos             e os cristãos durante a época das Cruzadas, fato que             propiciaria uma comunicação de ordem doutrinal entre             Oriente e Ocidente, que perduraria além da Idade Média,             chegando até o Renascimento, depois do que se imporiam definitivamente             as filosofias e ciências racionalistas inspiradoras da era             moderna, sem dúvida a autêntica "idade obscura".
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     | 23 | O HERMETISMO MEDIEVAL  I 
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 |        Coincidindo com a queda do           Império Romano do Ocidente, durante os séculos VI e VII           se produz um período de ocultamento do pensamento tradicional           que contrasta com o apogeu conhecido nos séculos anteriores,           que, como assinalamos, teve em Alexandria seu foco de irradiação           mais importante. Este ocultamento também afetou a Tradição           Hermética, que depois do desaparecimento da escola de Alexandria           e de Atenas se concentrará em determinadas cidades do Próximo           Oriente, e especialmente em Bizâncio (Constantinopla), naquela época           capital do Império Romano do Oriente, já completamente           cristianizado. Efetivamente, Bizâncio aparece como a herdeira           mais importante do legado hermético e neoplatônico, e           em definitivo da cultura clássica, que ali viverão um           novo florescimento, perdurando até bem depois do início           da Idade Média. Essa herança está presente, por           exemplo, na obra do bizantino Miguel Psellos (século XI), grande           comentador do Corpus Hermeticum, de Platão, Proclo,           Dionísio Areopagita, etc., e que posteriormente exercerá uma           notável influência na tradição renascentista. 
          Mas o Hermetismo medieval             ressurge com força sob o impulso da nascente civilização             islâmica, que em menos de cem anos se estende da China e da Índia             até a Península Ibérica. Efetivamente, existem             numerosos adeptos árabes que traduzem para sua língua             os livros herméticos (sobre Alquimia, Astrologia, Magia, Matemáticas,             Medicina, e as ciências da natureza em geral), o que faz possível             que estes se conservem e passem a ser traduzidos posteriormente ao             latim, permitindo assim sua difusão por toda Europa. Isto             se acompanha com as traduções do "divino" Platão             e de toda a tradição filosófica emanada de seus             ensinos. Tudo isto, como dissemos, passará ao Ocidente, que             na época de expansão do islã (séculos             VIII-IX) vivia sumido na difícil transição da             Idade Antiga à Idade Média. 
          Por outro lado, não é mera             casualidade, senão algo que depende dos desígnios divinos             que entretecem a estrutura invisível da história, que             simultaneamente à penetração árabe na             Península Ibérica (século VIII), estivesse sendo             gestada a unidade política, cultural e religiosa da cristandade             sob a autoridade temporal e espiritual do Sacro Império Romano,             instituído por Carlos Magno, e com o qual começa definitivamente             a Idade Média, como vimos no capítulo anterior. Esta             unidade vai facilitar que, através da Espanha muçulmana             (país que recebe a denominação de "Porta Real             da Alquimia" e "Porta Solar"), a arte e a ciência sagrada de             Hermes cheguem efetivamente a Europa. Por cima das diferenças             que possam afetar às relações que entre si mantêm             os exoterismos das civilizações tradicionais, sempre             prevalecerá o ponto de vista esotérico e metafísico,             que as identifica no essencial. O Califado de Córdoba e, mais             tarde, Toledo são as cidades nas quais se produz o verdadeiro             renascimento medieval, e onde frutiferamente vão conviver             as três tradições do livro: judaísmo,             cristianismo e islã. Mas é especialmente com a escola             de tradutores de Toledo que começa a se verter ao latim o             hermetismo acumulado e desenvolvido pelos árabes. Sábios             vindos de todos os países da cristandade (por exemplo Miguel             Escoto e Gerardo de Cremona) coincidem na cidade imperial, "crisol             de alquimistas". 
          Junto a Toledo temos de             ressaltar a enorme importância das Escolas de Chartres e de             Oxford (Séculos XII e XIII) na difusão das idéias             herméticas e platônicas. À primeira pertenceram             Bernardo de Chartres, Guilherme de Conches e Bernardo Silvestre,             todo eles continuadores da obra de João Escoto Erígena             (século IX), monge irlandês que recebe por sua vez a             herança do hermetismo alexandrino e do platonismo cristão             de Dionísio Areopagita. Na segunda encontramos ao já mencionado             Miguel Escoto, alquimista e astrólogo, a Robert Grosseteste             e Roger Bacon, conhecido como o "Doutor Mirabilis" pela grande             síntese que realizou de todos os ramos da Ciência Sagrada. 
          Pela importância             que tiveram no desenvolvimento do Hermetismo medieval merece destacar-se             a tradução do Livro de Morieno, no qual se relata             a lenda segundo a qual Hermes Mercúrio, o "Pai dos Filósofos" recuperou             as ciências e artes sagradas depois do dilúvio. Traduz-se             também a Tábua de Esmeralda, texto fundamental             da Alquimia greco-egípcia posto sob a autoria do próprio             Hermes Trismegisto, e cujos doze pontos constituem um resumo sintético             de todo o ensino da Grande Obra. Não menos importante é a             tradução da Multidão dos Filósofos,             onde se descreve, em forma de diálogos alquímicos,             o acontecido num congresso imaginário de filósofos             gregos como Pitágoras, Sócrates, Demócrito,             Parmênides, etc. Também o livro alquímico e astrológico Picatrix,             tradução que se faz durante o reinado do rei sábio             Alfonso X, ao qual se deve a redação do Lapidário,             onde se fala das propriedades mágicas do mundo mineral posto             em relação com as energias astrais e planetárias.             O mesmo ocorre com o Livro da Misericórdia, do célebre             alquimista árabe Geber. Séculos mais tarde, em pleno             Renascimento, Cornélio Agrippa, influenciado pelos ensinos             deste autor, escreve em Da Filosofia Oculta: "Ninguém             pode sobressair na arte alquímica sem conhecer os princípios             em si mesmo, e quanto maior o conhecimento de si mesmo, maior será o             poder de atração adquirido, e se realizarão             mais coisas grandes e maravilhosas". Este é o fundamento da             Alquimia natural e espiritual, que o grande metafísico sufi             Ibn Arabi desenvolverá em sua obra A Alquimia da Felicidade             Perfeita, mostrando as etapas que o iniciado deve atravessar             em sua “viagem", descendo primeiro aos planos elementares até retornar,             numa ascensão vertical, a "A Força do Elixir" da Sabedoria             Divina. Em dita ascensão, a alma do peregrino percorre os             céus planetários revestindo-se da luz cognoscitiva             que mora em cada um deles, chegando finalmente ante a presença             do "Trono Divino", "motor imóvel" ou Arquétipo Supremo             no qual será absorvido numa plena identificação. 
          No hermetismo cristão             esta descrição do universo espiritual se representará iconograficamente             com uma série de círculos concêntricos, com a             terra em seu centro, girando em torno dela os três elementos             restantes mais o éter, os sete planetas, o zodíaco,             o céu das estrelas fixas ou Empíreo, morada do fogo             puro e eterno, em cima do qual aparece a figura da Divindade. Esta             imagem do mundo, enraizada na astrologia de Ptolomeu e no Timeu de             Platão, influirá notavelmente em Dante, que escreveu             a Divina Comédia baseando-se em parte nos ensinos do sufismo             islâmico, e especialmente em quem foi um de seus máximos             representantes, o já nomeado Ibn Arabi. Este era considerado "Filho             de Platão" e o "Mestre por Excelência", que tinha atingido             o grau de "enxofre vermelho", que não é outro que o             estado espiritual, que em linguagem alquímica cifrada serve             para designar àquele que chegou de maneira definitiva ao Conhecimento             mediante a obtenção da "Pedra Filosofal".
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       | 24 | DIONÍSIO AREOPAGITA 
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 |            Durante toda a Idade               Média e Renascimento, foi extraordinária a influência               deste autor, representante do pensamento neoplatônico e da               autêntica espiritualidade cristã. Supostamente se               apresenta nosso personagem como discípulo direto de São               Paulo, que serve para difundir seus escritos e evitar censuras               por parte da igreja “oficial”. Sua “teologia               negativa” na corrente de Proclo e Plotino, influiu diretamente               em toda a Idade Média anterior a São Tomás               (o que inclui vários séculos), em particular (para               citar um só exemplo) na escola do Chartres, e igualmente               em mestre Eckhart (e em Tauler e Suso), em Nicolás de Cusa               e São João da Cruz, entre outros tantos sábios,               teólogos e teósofos ocidentais. Escreveu um tratado               sobre Os Nomes Divinos e outro texto sobre Teologia Mística,               além de um livro sobre Astronomia. Conservam-se, também,               algumas de suas epístolas. Reproduzimos aqui duas de suas             cartas dirigidas a adeptos. 
            “A Doroteu, Ministro: 
            A treva divina é aquela                 luz inacessível na qual, diz-se, Deus habita1.                 E como aquela seja inapreensível por causa da difusão                 exuberante de sua luz sobrenatural, entretanto, nela descansa                 qualquer que mereça conhecer e ver Deus, e pela mesma                 razão pela qual não vê nem conhece, este                 mesmo existe naquele que transcende qualquer visão e conhecimento,                 sabendo só do que está além das coisas sensíveis                 e inteligíveis, dizendo de uma vez que o profeta: ‘para                 mim é admirável sua ciência, tão elevada               que jamais poderei alcançá-la’2. 
            Deste modo é como                 se diz do divino Paulo, que conheceu Deus quando soube que ele                 existia transcendendo toda ciência e inteligência;                 deste modo diz (ele) que seus caminhos são indecifráveis                 e inescrutáveis seus juízos3,                 inenarráveis seus dons e sua paz ultrapassa a todo entendimento4,                 já que descobriu Aquele que é totalmente transcendente                 e soube, de um modo que ultrapassa qualquer inteligência,                 que Aquele que é autor de todas as coisas, é também               superior a todas elas.” 
            1 I               Tim., VI 16.  2 Salmo               139 (Vulgata, 138), 6.   3 Romanos,               XI, 33.   4 Filipenses,               IV, 7            “A Sosipatro,               Sacerdote: 
            Não te julgue                 vitorioso, venerado Sosipatro, por atacar aquele culto ou opinião                 que não te parece legítima pois, se arguíres                 retamente contra eles, não por isso demonstrarás                 o valor positivo de tuas afirmações; pode ser que,                 tanto para ti como para outros, escape-te a verdade, que é,               por sua vez, oculta e verdadeira, a favor das aparências. 
            Pois não é bastante                 que um objeto não seja vermelho ou brilhante, para que                 seja branco; nem, se alguém não for cavalo, não                 por isso necessariamente é um homem. E assim, se me quer                 escutar, isto é o que fará; desiste de falar contra                 seus adversários, e que tudo o que diga seja para estabelecer                 a verdade de tal maneira que não sejam válidas               as coisas que se digam contra ti.”
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     | 25 | O SIMBOLISMO HERÁLDICO 
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 |        A heráldica representa           uma expressão mais da simbólica tradicional do Ocidente.           Propriamente dita, ela aparece com a constituição das           ordens de cavalaria medievais, pelo que tudo o que a ela se refere           está diretamente relacionado com a casta dos guerreiros e da           nobreza em geral. Muito apropriadamente era chamada a "ciência           heróica" ou a "nobre ciência", ainda que também é verdadeiro           que existia uma arte heráldica eclesiástica e das corporações           de artesãos, esta última muito estendida durante o Renascimento.           O rico e complexo simbolismo heráldico seria mais uma antiqualha           se realmente não encerrasse um sentido esotérico e fundamentalmente           sagrado, que precisamente é o que lhe dá todo seu relevo           e importância, e sobretudo o que o converte em plenamente atual           e vivo. Sem dúvida a peça central e mais importante da           heráldica é o brasão ou escudo. Etimologicamente,           o termo brasão deriva do verbo alemão blasen que           significa "sopro", revelando com isso a presença de uma inspiração           espiritual e divina na elaboração do mesmo. Neste sentido,           antes do advento de uma arte escrita e figurada, o brasão era           clamado pelo heraldo de armas no campo de batalha e nos torneios, utilizando           para isso também a música, ou seja, que era transmitido           por meio da palavra e do som. E tudo o que já dissemos no Programa           Agartha sobre a semelhança e a complementaridade entre o simbolismo           sonoro e oral e o simbolismo geométrico e visual, cabe neste           caso particular. Em primeiro lugar, no escudo heráldico se plasma           a arte da divisa e do emblema. A divisa é uma sentença,           uma frase criptogramática que constitui a alma do que aparece           no mesmo, enquanto o emblema é a figura ou o corpo. 
          Em geral todo o mundo da             natureza, os animais (incluídos os fabulosos como o dragão             e o grifo), as flores e plantas, as pedras, os metais, os planetas             e as estrelas participam da plástica e da simbólica             do brasão. Uma figura freqüente neste é o castelo             ou qualquer outra fortaleza; iniciaticamente, são símbolos             da alma regenerada, da cidade, recinto ou palácio interior             fechado às influências profanas. Na realidade, a arte             do brasão, sua técnica espiritual, consistia em estabelecer             um sistema de correspondências e analogias entre o plano visível             e o invisível, o natural e o sobrenatural, tratando-se pois             de uma ciência e de uma arte verdadeiramente hermética,             e vinculada portanto à idéia de "o que está acima é como             o que está abaixo". Não se deve esquecer que para a             mentalidade do homem tradicional e arcaico a natureza inteira é uma             hierofania, ou seja, uma manifestação do sagrado. Neste             sentido as diferentes espécies naturais representadas no brasão             estão expressando seus correspondentes arquétipos espirituais,             e num grau menor as diferentes tendências psicológicas             a elas adscritas. E em tudo isto, o homem como intermediário,             já que é ao próprio universo interior deste             que se refere todo o código heráldico. Por exemplo,             se a águia é um animal eminentemente celeste, a atitude             com a qual geralmente se lhe representa (as asas abertas, que em             ocasiões abarcam todo o escudo como se o contivesse) não             faz senão simbolizar o vôo do espírito para as             regiões superiores. Também, a atitude de galhardia             e fereza do leão, animal terrestre, evoca e infunde o valor             interior imprescindível para combater contra as potências             obscuras e caóticas do inconsciente. E o grifo (metade águia             e metade leão) supõe um estado intermediário             no processo que conduz do terrestre ao celeste. Também se             deve considerar o brasão como um instrumento não só para             se defender dos inimigos físicos, senão, o que era             mais importante, como um marco protetor contra as sutis influências             inferiores. 
          Em todo caso a aquisição             de um brasão estava em relação direta com a             evolução espiritual daquele que o pretendia, o que             sem dúvida eximia de qualquer privilégio fictício             e oportunista. Igualmente o significado esotérico dos símbolos,             figuras e cores revelava o grau espiritual que tinha atingido seu             possuidor; e isto mesmo se fazia extensivo ao escudo heráldico             de uma corporação, cidade, reino ou nação.             Neste sentido, para conhecer a verdadeira essência e personalidade             espiritual de uma cidade ou região nada melhor do que pesquisar             nos símbolos presentes em seus brasões. Compreende-se             então a importância destes porquanto eram receptores             e transmissores de idéias-força e autênticas             imagens-mandalas, contendo alguns deles conhecimentos de ordem metafísica             muito elevados. 
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| 26 | ARQUEOLOGIA 
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 |        É freqüente ver           em quase todas as grandes e médias cidades do mundo museus arqueológicos           que recolhem os monumentos e as artes da Antigüidade. Embora as           origens da Arqueologia se remontem à Itália do Renascimento,           podem encontrar-se vestígios dela em certos autores clássicos,           como, por exemplo, o historiador Dionísio de Halicarnaso, que           pôs o título de Arqueológica a uma de suas           obras; entretanto, somente no século XIX que a Arqueologia se           converte em ciência oficialmente aceita. Por outro lado é durante           esse século que surgem quase todas as ciências que se           dedicam ao estudo do passado do homem e da terra; assiste-se ao nascimento           da antropologia ou etnologia, da paleontologia, da história           das religiões, da geologia, etc. Poderia quiçá perguntar-se           o porquê deste repentino interesse pelo passado, pelo pretérito,           pelo antigo, e responderemos que isso só foi possível           pelo fato de que no século XIX, e sobretudo no Ocidente, ter-se           virtualmente perdido todo vestígio da Tradição,           ao menos de uma maneira visível e externa, pelo que era perfeitamente           lógico que o homem começasse a esquadrinhar nos fragmentos           de seu passado histórico para assim reconstruir o que foi a           vida de seus antepassados, pois a sua própria sumia em uma cada           vez mais estéril mediocridade. Acontece também que no           século XIX é quando se acabam de consolidar definitivamente           o positivismo materialista e o racionalismo, que vinham sendo incubados           desde já fazia tempo, que deviam influir decisivamente na mentalidade           da época. Deste modo, pode ser dito que tais ciências           foram o resultado dessa visão excessivamente voltada para o           exterior, que por certo é a que ainda impera na maioria dos           arqueólogos oficialistas, que a projetam nos próprios           objetos de seu estudo. Estes se empenham em não ver em seus           achados outra coisa que restos mais ou menos interessantes e curiosos,           aos quais terá que classificar (e enquadrar) segundo uns parâmetros           que eles mesmos estabeleceram para sua comodidade investigadora.
 
           
Outra conseqüência               igualmente equivocada, produto dessa mentalidade positivista, é a               de não se atentar para as diferenças qualitativas que               se dão entre os homens e civilizações das diferentes épocas               e períodos históricos, como se o tempo transcorresse               uniformemente e fora homogêneo. Assim, segundo esse critério,               a mentalidade do homem moderno, alheio por completo a qualquer intuição               e sentimento sagrado e transcendente, seria idêntica à do               homem das sociedades tradicionais, que pelo contrário considerava               que todos os atos de sua existência cotidiana estavam impregnados               de sacralidade. Se a Arqueologia, através das análises               e trabalhos de escavação, trata da reconstrução               da vida das sociedades antigas, essas mesmas investigações               não deveriam estar desvinculadas de um rigoroso conhecimento               da história e da geografia sagradas, quer dizer, do tempo               e do espaço qualitativos, como tampouco serem alheias às               relações que existem entre os diversos modos e comportamentos               culturais e espirituais dos homens que integraram essas mesmas               sociedades. 
          Visitar um museu de Arqueologia é em             certo modo recuperar o sentido da atemporalidade. Todas as peças,             numeradas e catalogadas, estão ali como resistindo ao tempo,             negando-se a deixar de existir definitivamente. Alheios a qualquer             prejulgamento, daremos conta de tudo o que o homem, inspirado nos             princípios metafísicos que formaram sua civilização, é capaz             de criar, de fazer, de edificar, em definitivo de plasmar na pedra             ou qualquer outra matéria ou substância, refletindo             a beleza de seu mundo interior. Pois essas colunas e arcos, essas             esculturas, pinturas, cerâmicas, baixos-relevos, mosaicos são             símbolos e gestos que o rito do trabalho artesanal pacientemente             elaborou e fixou: de repente toda a cultura humana está aí representada.             Um museu arqueológico é na verdade um discurso onde             se expressa o antigo (este é precisamente o significado etimológico             de arqueologia), termo que não deve ser confundido com o velho             e o caduco; melhor se relaciona com tudo aquilo que é perene             e que reflete as idéias ou arquétipos universais. Neste             sentido, o antigo é perfeitamente atual. E um museu arqueológico             pode ser um lugar excelente de meditação (assinalemos             que a palavra Museu procede de Musa) se o abordarmos não com             olhos de "especialista", mas sim como se tratasse de uma evocação             poética onde com toda probabilidade encontraremos uma parte             ou aspecto esquecido de nós mesmos.
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     | 27 | ALFONSO X, O SÁBIO -           I 
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 |        Por razões históricas           e geográficas, Toledo é o centro da Península           Ibérica. Também o é por razões simbólicas           e metafísicas, e a Tradição assinala, por um lado,           a antigüidade desta cidade, que se remonta à origem dos           tempos, ou seja, do tempo mítico, e por outro, a sua           relação com a Atlântida, também presente           nas raízes TL de seu nome. Queremos nos referir neste trabalho           a Alfonso X, o Sábio, verdadeiro ponto central da história           da Espanha (à qual, por outra parte, recompilou), como o monarca           mais importante de Castela, que deu à Espanha sua unidade, sua           língua, e inclusive sua época de hegemonia mundial, incluindo           a conquista da América. 
          Na história da Espanha             medieval se sobressai a figura eminente do rei castelhano (1221-1284),             filho por sua vez de outro grande rei, Fernando III, o Santo. Alfonso             X era chamado o Sábio sem dúvida devido aos vastos             conhecimentos que possuía sobre as diversas disciplinas e             ramos do saber. Ele deixou escrito que um rei, para ser considerado             como tal, deve ser o primeiro dos homens em conhecimento e sabedoria,             pois só assim advém o reflexo na terra da Inteligência             Suprema. Além disso, Alfonso X, por sua dupla condição             de rei e sábio, reunia em sua pessoa a síntese entre             o poder temporal e o espiritual, que como já sabemos constituem             as qualidades principais de todo verdadeiro Imperador. Possivelmente             esta foi a razão (além de questões dinásticas             e de herança nas quais não entraremos) pela qual, durante             grande parte de seu reinado, pretendeu a coroa do Sacro Império             Romano-Germânico. Acreditava ser descendente da linhagem imperial             que vem desde Alexandre Magno, passando pelos imperadores romanos,             até seu tio Frederico II. E, além disso, para Alfonso             X esta linhagem tinha origens celestes, já que tinha sido             instituída pelo próprio Júpiter, a quem via             como uma prefiguração greco-romana de Cristo. Se não             o conseguiu foi devido às disputas e interesses da política             que em ocasiões empanaram os vínculos entre a realeza             e o papado. 
          Com toda segurança,             o que aconteceu posteriormente na história européia             teria tomado outros rumos se Alfonso X tivesse sido entronizado como Rex             Romanorum. Não obstante, isto não foi óbice             para que o frutífero trabalho do rei sábio exercesse             uma notável influência no terreno da filosofia, das             artes e das ciências de seu tempo e, o que é mais importante,             que esse trabalho estendesse uma ponte entre as culturas tradicionais             do Oriente e do Ocidente. 
          Graças à Escola             de Tradutores de Toledo (auspiciada por seu pai Fernando, quem tomou             como modelo as criadas séculos antes pelos califas omíadas             de Córdoba), a riqueza da civilização e cultura             islâmicas (e através destas, da filosofia grega) puderam             ser conhecidas na Europa cristã. Nesta escola, a mais importante             da época, participavam por igual doutores e sábios árabes,             judeus e cristãos, o que refletia o espírito de convivência             que caracterizou, durante grandes períodos da idade média             hispânica, às três tradições do             tronco abraâmico. 
          Os livros e tratados sobre             astronomia, alquimia, música, medicina, geometria, agricultura             e outras artes e ciências herméticas, hebraicas e árabes,             foram traduzidos ao latim e às diversas línguas românicas             e vernáculas faladas na Europa. Igualmente o idioma castelhano,             ao qual também foram traduzidas muitas dessas obras, experimentou             um enorme enriquecimento graças, sobretudo, à influência árabe,             convertendo-se também no veículo de uma cultura.  | 
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     | 28 | A CIZÂNIA 
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 |        A parábola evangélica           da cizânia (Mateus XIII, 24-30 e 36-43), entre outras significações           de ordem espiritual, também nos ilustra a respeito da dualidade           implícita no processo iniciático, ao menos até certa           etapa deste.
          Na iconografia alquímica,             representa-se com freqüência a imagem de um agricultor             que pulveriza sementes em seu campo, já preparado para o arado,             que é acompanhado por um anjo (princípio supra-humano             ou Eu do homem) que parece lhe sussurrar palavras celestes ao ouvido.             O campo é nossa alma, e o grão de trigo é a             semente do Ensino e do Conhecimento, sendo necessário, para             nossa saúde interior, que frutifique e se faça poderosa. 
          Mas em nós também             existe o mau semeador, que de maneira furtiva, e amparado nas sombras             da noite e da ignorância, tenta destruir, semeando cizânia,             a obra começada, desviando-nos do caminho que a razão             e intuição superior nos diz que é o que devemos             seguir. Este mau semeador é o "ego", a alma inferior, cujo             alimento e sustento são os frutos "deste mundo". 
          Entretanto, a mesma parábola             nos explica que não devemos nos precipitar e cortar a cizânia             recém brotada, pois se corre perigo de cortar deste modo o             broto de trigo. No princípio, e enquanto se desenvolvem, terá que             os deixar crescer juntos. 
          Para a economia divina,             que se expressa como ordem cósmica, o bem e o mal, ou melhor,             clemência e rigor, supõem uma dualidade fundamental             e imprescindível, deixando entrever por isso mesmo a idéia             da unidade ou equilíbrio conciliador dos opostos no Amor e             na Beleza inteligíveis. De entrada, não devemos desprezar             quão negativo há em cada um de nós, pois sua             presença nos oferece o contraste da sombra e do reflexo invertido. 
          Levado ao plano psicológico, "não             dever cortar a cizânia até que tenha crescido" quer             dizer que é necessária a manifestação             de todas as tendências inferiores que levamos dentro, já que             as ocultar poderia supor, por um lado, o desconhecimento de uma parte             de nosso ser, e por outro –haja vista que, de uma maneira ou             outra, essas tendências existem–, é provável             que ao final, se não forem expressadas ao exterior, acabem             escavando o melhor de nós mesmos. 
          Mas é importante             o não esquecer que isso deve ser feito amparado na Doutrina             e na Tradição, que atuam como moldura protetora (sagrada).             Só assim o inferior poderá ser canalizado, purificado             e transmutado (pelo fogo sutil) num elemento superior, que na parábola             fica exemplificado pela dourada espiga de trigo, fruto que simboliza             o estado de regeneração iniciática e espiritual.  | 
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     | 29 | GEOMETRIA 
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 |        O universo inteiro é uma           dança cujo sentido só se pode achar nos traçados           invisíveis que ela forma. A Geometria se ocupa do estudo destes           padrões e ordens harmônicos que, longe de serem estáticos,           são reflexos de idéias geradoras. O Oriente desenvolveu           estes padrões que irradiam de um centro e que em sânscrito           se chamam mandalas, como suportes para a meditação. 
          A Divina Comédia,             escrita nos inícios do século XIV, apresenta uma viagem             através dos padrões do destino de acordo com as concepções             cristãs medievais. O inferno, o purgatório e o céu             são concebidos como imensos mandalas. 
          Recordemos que o estudo             da Geometria foi recomendado por Platão como um verdadeiro             caminho de iniciação, já que não é mais             que a manifestação visível de harmonias invisíveis             que podem ser percebidas como sensações num espaço             fisiológico, como emoções num espaço             psicológico, ou como formas geométricas num espaço             abstrato. O tipo de relação determina o ser que se             concebe e é por isso que ser e conhecer são equiparáveis. 
          Só a consciência é capaz             de perceber a transparência entre as formas geométricas             insubstanciais e as formas mutáveis e transitórias             deste mundo. A arquitetura da existência está determinada             por um mundo invisível e imaterial, composto de forma e por             isso de geometria. 
          Efetivamente, como o testemunha             toda a Sabedoria Tradicional, existe uma unidade profundamente arraigada,             que subjaz às múltiplas diversidades aparentemente             caóticas deste mundo. 
          Esta ordem preexiste, manifesta-se             em simples relações proporcionais, criando padrões             que em sua harmonia refletem à totalidade e dão forma             tangível a uma ordem intangível. No mundo manifestado,             a unidade se reflete como polaridade, já que só pode             conceber-se em termos de "mais algo" e "menos algo". Entretanto a             polaridade se refere aos opostos, mas sem indícios ainda de             que algo nasce deles. A proporção é o que nasce             desses limites compartilhados: é uma relação             e por sua vez um limite que nos abre a porta ao ilimitado. 
          Por harmonia entendemos             uma ordenada e agradável união de diversidades; já a             origem da palavra harmonia o diz: do grego armos = juntar. 
          Os mil e um seres nascem             da união entre opostos que se complementam, e a aparência             material não é mais que o entrelaçamento de             energias e polaridades em diferentes proporções e harmonias,             que produzem a variedade de qualidades desta. 
          O Livro das Mutações  ou I-Ching  está baseado             no reconhecimento de que as diversidades sempre mutáveis da             existência têm uma unidade subjacente de ordem, no qual             tudo está relacionado com tudo. O fundamento desta ordem é a             unidade dos princípios escuro (Yin ) e luminoso (Yang )             que, combinados de todas as maneiras possíveis, simbolizam             as diferentes situações básicas da vida.
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     | 30 | ALFONSO X, O SÁBIO -           II 
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 |        Foi precisamente sob o reinado           do Alfonso X quando a Cabala conheceu sua época de maior esplendor,           escrevendo o Zohar e outros textos sagrados da tradição           judaica. Digamos que, sem a visão universal do acontecer histórico           que possuía Alfonso X, o Ocidente tivesse entrado em um processo           de decadência muito mais acentuado e rápido que o que           se conheceu entre os séculos XIV e XVII, decadência que           encontra sua expressão mais clara em nossos dias. Tampouco tivesse           sido possível, com a intensidade com que se produziu, o ressurgimento           das doutrinas herméticas durante o Renascimento. Por exemplo           os sistemas astronômicos e astrológicos elaborados naquela época           tinham suas fontes nas traduções alfonsinas. 
          Uma das obras nas quais             Alfonso X interveio mais diretamente, além da História             Geral  foi o Setenario , onde se recolhem diversas matérias             cosmológicas, teológicas, históricas, jurídicas,             além de alguns dogmas e sacramentos próprios da tradição             cristã. Mas Alfonso, o Sábio, destacou-se também             como um poeta que cantava a alma do Mundo, sua beleza e harmonia,             que viu encarnada na figura da Virgem Mãe. Alfonso X se considerava             um humilde trovador da Virgem, e em suas Cantigas da Santa Maria  são             narrados alguns dos milagres intercedidos por nossa Senhora, inclusive             vários deles acontecidos na própria pessoa do rei.             Entretanto terá que assinalar que o culto à Virgem             não tinha na Idade Média o caráter de beatice             simplória que teve posteriormente, e embora exotericamente             sua influência espiritual mantivesse um laço de união             entre a devoção popular e o sagrado, esotericamente             era considerada como a "Rainha do Mundo", e portanto mãe espiritual             dos iniciados. As Cantigas  de Alfonso o Sábio não             estavam tingidas de um vago misticismo; mais ainda, ao serem musicadas             advieram com freqüência verdadeiros hinos oferecidos a             Vênus Urânia, a deusa da Sabedoria, do Amor e da Beleza,             três virtudes celestes que sem dúvida este grande rei             quis que fossem as pedras angulares de sua extensa e importante,             também para nós, obra cultural. 
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     | 31 | A           TRADIÇÃO E A MENSAGEM |  |       | 
 | A             tradição se transmite de maneira horizontal e fecundou             diferentes civilizações e individualidades. Mas isto             foi possível mercê à permanente reatualização             vertical da Tradição Universal, que se revela com novas             formas (de acordo a um concerto de forças que se entrelaçam             harmonicamente e que incluem em sua orquestração as             circunstâncias pessoais daquele, ou daqueles que a encarnam             e a transmitem), regenerando assim a Tradição Originária,             o que permite a continuidade da cadeia de união ao longo da             História e a possibilidade sempre presente da iniciação,             da realização espiritual, da metanóia. Por outra             parte esta urgência de transmitir a seus semelhantes esta Mensagem,             que sentem aqueles em quem a doutrina e o símbolo se vivificaram,             encontra-se particularmente aguçada nos tempos atuais, onde             um fim de ciclo obriga a redobrar energias na realização             vertical, como igualmente na difusão horizontal.  | 
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     | 32 | O HERMETISMO MEDIEVAL  II 
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 |        No Ocidente, o século           XII representa a expansão das ordens monásticas e da           cavalaria, entre as quais se destaca a do Templo, que são as           que detêm praticamente a totalidade da doutrina e do saber tradicional.           Não é de se estranhar, pois, que fossem em sua grande           maioria clérigos, abades e homens de igreja os que, em suas           peregrinações, serviram de enlace na propagação           do Hermetismo no continente, sem esquecer as relações           que entre si mantiveram a cavalaria cristã e islâmica.           Mas a tradição de Hermes, com seus mistérios mágicos           e teúrgicos, infunde no espírito do homem medieval um           amor para a natureza que no Ocidente não se conhecia desde a           Antigüidade greco-latina; amor que é motivado também           pela influência que nesse tempo exerceu o "Cantar dos Cantares" de           Salomão. "Redescobre-se", por assim dizer, a dimensão           sagrada da Natureza, sua beleza transcendente, que se concebe como           uma hierofania onde o divino e sobrenatural se faz presente no próprio           seio da “matéria”. Natureza, enfim, visualizada           como uma Mulher ao mesmo tempo Virgem –Natura Naturans– e           também Mãe –Natura Naturata–, que           ao receber em sua substância as sementes do Espírito,           procria e dá vida (e por isso mesmo devora e mata) às           inumeráveis formas que manifestam a unidade do cosmos, pleno           assim de significado simbólico. Por tudo isso, o corpo humano,           o microcosmos, é dignificado e devolvido a sua função           analógica de refletir em cada uma de suas partes à totalidade           do macrocosmo, seguindo nisto a máxima hermética de que "o           de baixo é igual ao de cima...". 
          Tendo sempre presente esta             imanência do divino na Natureza, as obras do Alain de Lille,             Hildegarde de Bingen, Bernardo Silvestre, Honorius Augustodunensis,             e tantos outros, abundam em correspondências simbólicas             entre o homem e o Cosmo. Os ossos, as unhas, os cabelos e os sentidos             se relacionam com as pedras, as árvores, as plantas e ervas,             os animais... Na cabeça, redonda como o firmamento estrelado,             reside a inteligência e a mens luminosa, comparando-se             com o céu das estrelas fixas que rodeiam o zodíaco,             e cujo giro perene é impulsionado pelo sopro divino. O peito,             e mais concretamente o coração, alberga as emoções             e sentimentos superiores vinculados com os deuses e as entidades             angélicas. A parte inferior e instintiva corresponde propriamente             ao homem físico e à terra. Todas estas correspondências             são reveladoras de uma cosmosofia que servirá de base             para o posterior desenvolvimento da Filosofia Oculta do Renascimento. 
          Mas antes deve chegar o             século XIII e a definitiva consolidação do Hermetismo,             que de forma sutil e vivificante penetra, como já dissemos,             em virtualmente todos os círculos intelectuais, artesanais             e esotéricos. Por outro lado, não terá que esquecer             as diversas correntes da Cabala hebraica, cujo centro de irradiação             está na Espanha e na Provença francesa. Neste século,             a concepção filosófica, cosmológica e             teosófica da Idade Média encontra sua mais plena expressão             na catedral gótica, que, como o templo românico, constitui             um compêndio do universo material e espiritual. Esculpidos             na pedra (sentida como matéria viva e não inerte) descrevem-se             os diversos reinos da Natureza elemental, o mundo intermediário             com seus monstros guardiães e seres fabulosos, o gênero             humano representando cenas exemplares e da história sagrada,             as hierarquias angélicas e celestes, e finalmente, presidindo             todo este conjunto matizado que se eleva em vertical para o céu,             a figura da divindade em atitude de presença imutável.             Esta visão escalonada de baixo para cima e de cima para baixo,             sugere a idéia de uma transmutação alquímica             ligada deste modo à descrição de uma geometria             sutil do cosmos que a própria catedral expressa, com a planta             quadrada (ou retangular), as colunas, e a cúpula circular             arrematada com a "chave de abóbada". O círculo (céu)             que engloba o quadrado (terra) ou o quadrado que emoldura o círculo,             simbolizam a interpenetração do tempo e da eternidade             no devir da existência manifestada. Esta geometria filosofal             formava parte dos ensinos pitagóricos e platônicos transmitidos             em grande medida pelo Hermetismo aos arquitetos construtores, que             não eram outros que os maçons e companheiros operativos.             Efetivamente, junto aos grêmios de construtores, trabalhavam             em perfeita harmonia os astrólogos, magos e mestres alquimistas;             e essa convivência, selada na catedral, era uma amostra da             definitiva síntese que durante séculos se forjou entre             a filosofia hermética e a espiritualidade cristã, de             onde surgiu o chamado hermetismo cristão e do qual deveria             sair também o código do TARÔ, tal e como chegou             até nossos dias. Igualmente, dessa confluência doutrinal             entre ambas as tradições, nasceram várias organizações             heterodoxas e iniciáticas que, como os “Irmãos             do Livre Espírito” e os “Fiéis de Amor” (estes últimos             estreitamente vinculados com a Ordem do Templo) propugnavam uma iniciação             baseada nos mistérios do amor (cantados também por             jograis e trovadores) como uma forma de aceder ao Conhecimento: a             mulher como personificação da Sophia (sabedoria)             divina, que tão somente se descobre ao homem quando a alma             ou psique foi alquimicamente reduzida à “matéria             prima”. 
          Assim que à abundante             e bela criação literária da época, o             rastro hermético se deixará sentir poderosamente, como             no célebre "Romance da Rosa", de conteúdo épico             e cavalheiresco, onde se descreve a gesta iniciática da busca             do Templo interior (a Jerusalém Celeste), prefigurada já na             arquitetura do Templo do Salomão. Mas o hermetismo cristão             também estaria presente em homens de Igreja da talha de Mestre             Eckhart, São Alberto Magno, São Boaventura, Roger Bacon,             Michel Scot, Robert Grosseteste, e inclusive em papas como João             XXI e Silvestre II (este no século XI). De novo na Península             Ibérica encontramos o médico e alquimista catalão             Arnau de Vilanova, em cuja obra "O Rosário dos Filósofos" destaca             as correspondências existentes entre a paixão, morte             e ressurreição de Cristo e os processos da Grande Obra.             Pela mesma época, na Espanha também, o judeu Moisés             de León escreve o Sefer Ha Zohar ou "Livro do Esplendor",             obra fundamental, junto com o Sefer Ha Yetsirah, da Cabala             hebraica. A Cabala teve uma notável influencia no filósofo             e teurgo marroquino Ramón Llull, criador de um sistema astrológico-alquímico,             o “ars combinatoria”, baseado nas combinações             e permutações entre as diversas letras, nomes e atributos             divinos relacionados com as figuras geométricas primitivas             do triângulo, do círculo e do quadrado, figuras que             simbolizam cada um dos três mundos. Este é um sistema             doutrinário completo e coerente que recolhe o essencial da             teosofia cristã (especialmente dos neoplatônicos Dionísio             Areopagita e Scoto Erígena), da Cabala (Moisés de León             e Abraham Abulafia) e também do Islã. Graças             ao “ars combinatoria” o adepto pode comunicar-se             com todos os planos do universo, ascendendo e descendendo pela escada             da Arte do nível mais inferior até a Deidade inefável.             De algum jeito Ramón Llull foi o primeiro em combinar os nomes             divinos hebreus e cristãos, e com toda segurança em             sua obra se inspiraram os magos e humanistas do Renascimento que             iluminaram o importante movimento hermético da Cabala Cristã.
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     | 33 | METATRON 
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 |        No Módulo I, título N.º 69 , falávamos           do Metatron  e o associávamos com o arcanjo Miguel; queremos           ampliar aqui um pouco o tema desta figura enigmática da doutrina           cabalística. Começaremos dizendo que seu nome é equivalente           numericamente no nome Shaddai  (314), que significa "o Todo-poderoso",           e em certas ocasiões o vê como o par da Shekhinah ,           a imanência divina. Tal é sua importância que às           vezes o confundiu com o princípio chamado Moisés e até com           o próprio Demiurgo. 
         Indefinido e sutil, é o             grande intermediário, guardião, enviado e mediador; é Sar             Ha Gadol, "Grande Príncipe", e Kohen Ha Gadol, "Grande             Sacerdote", segundo René Guénon, que regula as relações             do céu com a terra. Percorre a Árvore da Vida desde Kether a Malkhuth,             morando alternativamente em Tifereth (e aqui se o assemelha             com Cristo) e Yesod. Suas ascensão e descida são             axiais. 
          Mas também a Cabala             reconhece um lado escuro em Metatron e portanto na Shekhinah.             Ao separar o mal do bem, as escórias (Keliphoth) formaram             um Adão invertido: Adam Belial, e portanto há um Metatron invertido,             a face escura do anjo Mikael: Samael, anjo que tem             submetidos a inumeráveis demônios, entidades ctônicas             e não urânicas, terrestres e não celestes, que             são invocadas às vezes nos ritos mágicos. 
          A Shekhinah é a             imagem de Deus –emanada d'Ele mesmo– que o faz inteligível,             e está implícita em toda a Criação. Seu             par masculino, Metatron, é a potência divina             em ação. 
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| 34 | HISTÓRIA SAGRADA 
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 |        O parêntese entre o           final da Idade Média (que a tradição data em 1.314           com o desaparecimento da Ordem Templária) e os inícios           do Renascimento, caracteriza-se por um período em que as estruturas           da sociedade tradicional se debilitam e degeneram rapidamente. É uma época           relativamente obscura, que assiste ao nascimento da Inquisição           e ao início das censuras eclesiásticas contra qualquer           expressão do verdadeiro esoterismo. De certo modo, a Tradição           Hermética –junto com outras organizações           iniciáticas– volta a se retrair sobre si mesma, seguindo           o ritmo marcado pela inexorável lei cíclica de expansão-concentração           a que estão sujeitos todos os movimentos da história           e da vida. Além disso, à sombra desta tradição           surgiram numerosos falsos alquimistas (os “sopradores de carvão”,           como depreciativamente se lhes chamavam) que só pretendiam a           fabricação do ouro físico, ignorando ou desprezando           a vertente cosmogônica e metafísica do Ars Magna.           Estes personagens (que hoje passariam pelos [chamados] "tradicionalistas",           de diferente qualidade) fizeram bastante dano, pois com sua avareza           e sua visão limitada ao puramente material desprestigiaram o           trabalho dos verdadeiros adeptos, que por sua culpa tiveram que suportar           diversas bulas papais condenatórias e inclusive perseguições           e encarceramentos. Mas isto é tão somente o lado negativo           que apresentam todas as épocas de transição, e           em contrapartida o espírito do hermetismo continuaria iluminando           as diferentes facetas da cultura do Ocidente. Assim, e apesar da cobertura           protetora que sempre brinda uma civilização tradicional           ter quase desaparecido, isso não impediu que numerosas individualidades           (laicas ou pertencentes a ordens religiosas) continuassem mantendo           e difundindo a ciência e o conhecimento herméticos, que           terão uma grande difusão nas cortes européias,           onde reis, príncipes e senhores se convertem em mecenas de alquimistas,           magos, teúrgos e astrólogos. Deste modo prosseguem os           contatos, nunca interrompidos, entre o hermetismo e as diversas ordens           de cavalaria que subsistiram ou se criaram depois da dissolução           da Templária. As gestas e aventuras iniciáticas contidas           na literatura cavalheiresca dessa época manifestam uma clara           influência da Alquimia, pelo que se deduz que o esoterismo hermético-cristão           continuou existindo embora de forma mais secreta e velada. Outro tanto           se pode dizer no referente à arte que, com exceção           da arquitetura, conheceu uma particular difusão através           da ourivesaria e das artes plásticas, ofícios que se           inspiraram na mensagem cosmogônica e espiritual da Grande Obra.           Aparecem também as primeiras gravuras coloridas, com as quais           se introduz o elemento da luz e da cor na rica iconografia alquímica,           que adquire assim uma indubitável beleza estética e simbólica.           Mestres herméticos como João de Rupescissa, Nicolas Flamel,           Hortulano, Basilio Valentim e Bernardo Trevisano, testemunharam com           suas vidas e obras o vigor da Arte Real. 
          Deve se destacar que nestes             tempos se estava produzindo a paulatina expulsão dos judeus             não conversos da Espanha, efetivada em 1492. Este novo êxodo             de um povo que já habitava a Península Ibérica             (à qual chamaram de Sefarad, daí “sefardim”)             desde vários séculos antes de Cristo (segundo algumas             crônicas desde a primeira destruição do Templo             de Jerusalém), fez possível que a Cabala penetrasse             no resto da Europa, especialmente na Itália, França,             Inglaterra e Alemanha. Nestes países, criaram-se importantes             comunidades cabalísticas que intensificaram ainda mais, se é possível,             os vínculos com o hermetismo. Por outro lado, foram judeus             espanhóis que traduziram quase todas as obras herméticas             do árabe ao latim e línguas vernáculas, graças             a que adquiriram profundos conhecimentos sobre estas ciências.             Muitos destes sábios foram também alquimistas e astrólogos.             Assim, pelo conduto dos judeus a Tradição Hermética             recebeu toda uma série de elementos doutrinais procedentes             da Cabala, ficando definitivamente assimilados por ela, e se constituindo             em parte integrante dela a partir de então. 
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     | 35 | O NOME  I 
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 |        Tudo o que escapa à atualidade           de nosso conhecimento permanece como inexistente ao não poder           nomeá-lo. Nomear é, pois, dar existência inteligível às           coisas, resgatando delas sua identidade, sua qualidade e seu sentido           universal. A esta faculdade exclusiva do homem sempre se considerou           como um legado divino vinculado à intuição espiritual;           não é sem motivo que seja o próprio Jehovah (YHVH)           no relato da Gênese, quem outorga a Adão o poder de nomear           todas as coisas, ou seja, o de atribuir função e destino           a todos os seres e elementos deste mundo em relação a           sua natureza essencial. 
          E embora o próprio             mundo e a realidade nos antecedam, é enquanto possibilidade             indefinida de descobri-los, de recriar a multidão de suas             diferentes, mas articuladas, significações, que a vida             adquire sentido. Todo verdadeiro conhecimento começa, efetivamente,             pela evocação ou reminiscência de um significado             cuja plenitude se pretende enlaçar; e os significados por             sua vez cristalizam em um nome –equivalente a um signo, símbolo,             código ou marca que sempre sintetiza um aspecto da realidade             cósmica e universal, realidade cuja plenitude (unidade) é Deus             ou o Ser em Si mesmo. 
          A linguagem, em especial             a sagrada, não é mais que a articulação             ritmada de todas as possibilidades inteligíveis dos nomes.             Dada a universalidade das dez sefiroth, a doutrina cabalística             lhes atribui a função e o papel de nomes –além             da de numerações–, vinculados à identidade             e o poder próprio de cada aspecto ou atributo determinado             da divindade que eles expressam; outro tanto ocorre com o importante             papel dado aos 99 epítetos sublimes de Allah na tradição             islâmica. 
          Na Cabala, os nomes arquetípicos             adotam cosmologicamente um papel polifacético, ao serem tanto             relações ou energias vinculantes, quanto veículos             da criatividade divina. Eis o motivo de que sejam considerados indistintamente             como: inteligências, poderes angélicos (construtores             e transformadores), idéias-força, proporções             imutáveis, etc.; não é por isso casual que a             ciência dos nomes e a arte de sua invocação formem             parte essencial da metodologia e dos rituais iniciáticos de             todas as tradições. O que no budismo é a recitação             salmodiada dos mantras, é o japa no hinduísmo,             o dhikr no islã, a própria oração             em todas; em resumo, formas particulares de invocação             ritual do nome divino. 
          Em um sentido menos universal,             o nome segue também revelando, inclusive literalmente, a essência             de seu portador. Pelo nome o indivíduo se diferencia dos outros             indivíduos, sendo o que é e não outro. Pela             forma se identifica, pelo contrário, com a espécie,             da que é um representante particular. Paralelamente, os termos Nama-Rupa (nome             e forma) designam, no hinduísmo, a essência e a substância             de todo ser individual: as medidas cosmológicas de sua natureza             específica, ou seja aquilo mediante o qual este ser participa             simultaneamente –a seu nível– do universal (celeste)             e do particular (terrestre); o nome, neste caso, simboliza a personalidade             essencial, por assim dizer, o Si-mesmo deste ser que, sendo único             e idêntico ao de todo ser, tem uma conotação             propriamente universal, enquanto que a forma, sendo "específica",             vincula-se a sua individualidade psicossomática particular,             condicionada sempre pelos limites e leis do estado de existência             que ocupa dentro da realidade cósmica. 
          Ultrapassar, neste sentido,             as condições do nome e da forma, equivale a escapar             das limitações próprias da individualidade e             da espécie, acedendo ao informal e supra-individual, ou seja,             aos estados superiores do ser.
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     | 36 | ASTROLOGIA 
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 |        Tal como vimos o zodíaco           em seu ciclo anual, dividido em doze signos mensais, também           podemos vê-lo em um ciclo diário no qual a roda zodiacal           faz um percurso aparente completo ao girar a Terra ao redor de seu           próprio eixo. Alguns astrólogos consideram que, durante           as vinte e quatro horas que seguem ao nascimento de uma pessoa, refletir-se-á toda           sua vida. Para fazerem as observações, dividem a roda           do zodíaco em doze Casas e fazem corresponder duas horas a cada           uma delas. Isto determinará o signo ascendente e descendente           do indivíduo e diversos aspectos de sua personalidade. Deve           tomar-se em conta, ao realizar o cálculo das Casas, a latitude           do lugar de nascimento, o dia do ano e a hora do dia. As Casas não           são, como os signos, de 30° exatos, mas sim oscilam entre           os 17° e os 60°. 
          Lembraremos o             simbolismo das Casas e mostraremos como realizar os cálculos             para confeccionar o Horóscopo. Mas repitamos que o fundamental é o             conhecimento dos princípios, dos quais derivam as manifestações             particulares. 
                     I. Vita: É a                         casa do nascimento que indica as particularidades, tendências,                         talentos e potencialidades do indivíduo. 
            II. Lucrum:                       Refere-se ao plano material, os bens, riquezas e aquisições,                         assim como à alimentação e ao mundo físico. 
            III. Frates:                       Casa dos irmãos, e também da educação, a instrução                         e da adaptação ao médio. Relaciona-se                         com viagens menores. 
            IV. Genitor: É a                         casa dos pais e das características herdadas do meio familiar                         e social. Refere-se também ao patriotismo e às sucessões. 
            V. Filii:                       Esta casa está relacionada com os filhos, e em geral com o que                         o indivíduo produz, cria e engendra. 
            VI. Valetudo:                       Casa dos súditos, os escravos e os animais domésticos, é também                         do trabalho, os deveres e as obrigações. 
            VII. Uxor:                       Refere-se ao matrimônio, os afetos e as uniões, e também às                         alianças e as associações. 
            VIII. Mors: É a                         casa da morte e das grandes transformações. É também                         da decomposição e da putrefação. 
            IX. Peregrinationes:                       Casa das peregrinações e grandes viagens, está relacionada                         com a espiritualidade, a filosofia, a religião e o mistério. 
            X. Regnum, Honores:                       relaciona-se com os objetivos, as dignidades e a glória, assim como com                         a profissão, as ambições e as recompensas. 
            XI. Amici benefacta:                       Casa dos amigos, benfeitores e admiradores. 
            XII. Inimici:                       Nesta casa se vêem os inimigos ocultos, a prisão, o exílio,                         assim como as enfermidades, debilidades e doenças.
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     | 37 | HISTÓRIA SAGRADA: O RENASCIMENTO -           I 
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 |        Em parágrafos anteriores,           vimos como todas as épocas históricas de que temos notícia           desempenharam uma função específica no conjunto           global do ciclo humano. O que se denominou “Renascimento”,           e apesar de sua duração de apenas dois séculos,           marcou definitivamente o que deveria ser a historia posterior da Europa           e por extensão do mundo. 
          Com o desaparecimento do             modelo de sociedade tradicional que na verdade representou a Idade             Média, produziu-se uma crise de valores que penetrou em todos             os âmbitos da vida e da cultura, manifestando-se, uma vez mais,             um desses períodos críticos que de forma repetitiva             e cíclica se dão na história da humanidade.             O Renascimento surge como uma resposta a essa crise, mas por alguma             razão que só é possível compreender quando             se tem uma visão global e sintética das leis cíclicas,             também preparou o caminho que inelutavelmente devia conduzir             até a era de subversão anti-tradicional que representa             o mundo moderno. 
          Na realidade, durante o             Renascimento se produziu um fato que iria modificar radicalmente             as estruturas sociais, políticas e religiosas que até então             tinham imperado no Ocidente. Ao se fragmentar a unidade política             de caráter supra-nacional que se conheceu na Idade Média –unidade             fundamentada na convivência harmoniosa entre o poder temporal             e a autoridade espiritual– surgem os estados e as nações,             com a conseguinte afloração dos interesses egoístas             e particulares dos governantes, unida ao poder cada vez mais amplo             de um novo corpo social: a burocracia administrativa e a burguesia;             o exoterismo religioso aguça seu dogmatismo, o que traz consigo             uma ruptura com o esoterismo, que desde a desaparição             da Ordem do Templo tinha visto diminuir enormemente sua influência             espiritual. 
          Tudo isto traz aparelhado             indevidamente um desconhecimento das relações simbólicas             e sagradas que o homem mantinha com o universo. Nasce um conceito             novo até então impensável: o humanismo, que             reduz todas as coisas ao ponto de vista simplesmente humano, excluindo             de seus esquemas qualquer intervenção direta do sobrenatural             e divino. 
          Quando já não             se compreende em toda sua extensão o símbolo, e seu             poder evocador de outras leituras verticais desaparece, é perfeitamente             lógico que o desejo de conhecimento, inato no homem, oriente-se             e procure as respostas no plano exclusivamente horizontal e material.             Esta é uma das razões pelas quais o Renascimento se             caracterizou como a época dos grandes descobrimentos geográficos,             e que se começasse a investigar o aspecto puramente mecanicista             das coisas, deixando de lado ou ignorando o espírito que as             anima. 
          Já ao final do Renascimento,             homens como Descartes, com suas teorias empíricas e racionalistas,             encarnaram essa visão dessacralizada do universo e do homem.             Entretanto, tudo o que se disse até aqui não deixa             de ser o ponto de vista mais exterior e periférico desta época             de grandes contrastes que foi o Renascimento. Este também             supôs uma continuação do pensamento tradicional             do Ocidente, que não se perdeu de uma maneira definitiva,             mas sim adotou outras formas de se expressar de acordo às             novas condições de existência que se estavam             gerando. | 
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     | 38 | HISTÓRIA SAGRADA: O RENASCIMENTO -           II 
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 |        Não é sem razão           que a palavra Renascimento quer dizer um "voltar a nascer" de algo           que já era, e não outra coisa distinta. Assiste-se nesta época           a um poderoso ressurgimento da Tradição Hermética           e das ciências a ela vinculadas como são a Alquimia e           a Astrologia. Vemos igualmente como esta tradição se           converte no receptáculo para onde confluem diversas correntes           esotéricas e tradicionais. Assim, além da herança           deixada pelo hermetismo cristão medieval (sobretudo através           das ordens de cavalaria ainda vivas e de certas organizações           iniciáticas como os "Fiéis de Amor", à qual pertenceu           Dante) encontramos a importante contribuição da Cabala           hebraica, que como conseqüência da paulatina expulsão           dos judeus da Espanha, expandiu-se por quase todos os países           da Europa, e em primeiro lugar na Itália, como dissemos. Ao           mesmo tempo se conciliou a sabedoria cabalística com o cristianismo,           que deu origem à chamada Cabala Cristã, cujo principal           inspirador foi Pico de la Mirandola, discípulo de Gemisto Pleto           e de Marsilio Ficino. 
          Um fato também significativo             foi a queda do Império Bizantino em mãos dos turcos             em 1.453, data que é habitualmente considerada como o início             do Renascimento. Isto produziu que numerosos antigos textos gregos             e alexandrinos (platônicos, pitagóricos e gnósticos)             chegassem a Itália e se difundissem rapidamente, graças             especialmente ao invento da imprensa, uma das grandes conquistas             do Renascimento. 
          Em todo este conjunto de             influências devemos destacar o "redescobrimento" da cultura             greco-latina, que se evidenciou notoriamente na arquitetura, na pintura,             na escultura e no pensamento filosófico. As novas técnicas             da gravura que nascem com a imprensa são aproveitadas para             plasmar o Conhecimento tradicional, dando-lhe ainda adornos de uma             grande beleza plástica e simbólica, como foram o caso             das gravuras de Dürer, Michael Maier, Basilio Valentino e tantos             outros. O Liber Mundi (chamado do mesmo modo "Livro Mudo" por             conter só imagens) dos Rosacruzes é uma clara amostra             da utilização da gravura como meio de transmissão             da doutrina. Criam-se em qualquer parte numerosas oficinas e escolas             onde se acostumam as disciplinas cosmológicas e herméticas             tomando para isso como suporte as artes e os ofícios. 
          Paralelamente a todas estas             atividades criadoras, numerosos mestres herméticos do Renascimento             foram homens de espírito e de disposição liberal,             que tomaram parte ativa nos acontecimentos políticos e religiosos             de sua época, que se caracterizou pela mais refinada sutileza             em todas as formas culturais do que são ilustração             e exemplo eloqüentes nas artes plásticas: Boticelli,             Michelangelo, Leonardo, Benvenuto Cellini, etc., etc., arte toda             ela carregada de sentido esotérico e onde as "figuras" e as "imagens" do             discurso pictórico estão ligadas a idéias perfeitamente             claras e de intenção didática e cosmogônica,             tudo isto sem mencionar as maravilhosas técnicas formais destes             artistas, e a magia de que faziam ornamento em sua realização,             que através do tempo segue manifestando-se na atualidade. | 
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     | 39 | NOTA:           MAGIA |  |       | 
 | Entende-se             aqui por magia (sem desconhecer formas menores, ineficazes e perversas             desta ciência) toda atividade ritual intermediária,             dedicada a atrair as energias celestes à realidade terrestre,             de acordo à doutrina das emanações cabalísticas             que subordina o mundo elemental e corporal ao mundo anímico             e astral, e ambos ao plano estritamente espiritual, ou em outra terminologia:             intelectual. Por este motivo tanto as práticas cultuais, como             os encantamentos, exercícios, concentrações,             meditações, estudos, e especialmente a oração,             devem efetuar-se tendo o ânimo e a inteligência postos             nas verdades mais elevadas, no Deus supremo e incognoscível,             além de sua própria criação. Isto fará com             que estas práticas mágicas, ou melhor teúrgicas             e celestes, que pressupõem um conhecimento cosmogônico             e metafísico, sejam eficientes e adequadas proporcionalmente às             necessidades invocadas. Por outro lado, este movimento descendente             de energias e forças que se provoca tem que ser completamente             subjetivo e interno, ou seja de exclusivo interesse do sujeito que             as pratica em íntima relação com o benefício             do Conhecimento. Sua característica tem que ser a da realização             de um rito simpático e rítmico com o universo, e estas             correspondências e analogias que se pretendem estabelecer devem             ser efetuadas com um total desinteresse sobre coisas particulares;             ou seja com um alto grau de "esvaziamento" e "impessoalidade", para             que os eflúvios do mais alto se derramem sobre o "operário" ou             aprendiz de mago, que desse modo possa aceder às verdades             mais sutis e recônditas e às esferas mais altas do intelecto             divino, a um ponto tal que seu próprio ser se encontre identificado             em todo tempo e lugar com as mais transparentes emanações             do cosmo e advirta sua unidade e majestade em todas as coisas, de             uma maneira natural, pois estas verdades são já consubstanciais             com seu próprio ser. Neste tipo de identificação             com o universo e com o que está além dele, tem um papel             extraordinariamente eficiente a Árvore da Vida Sefirótica,             como modelo do universo e instrumento veicular e revelador (como             o TARÔ) das energias intermediárias entre a Deidade             mais alta e os seres e as coisas manifestados de forma material,             ou elementar.  |  
 
| 40 | MAGIA E ARTE 
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 |        Uma representação           pictórica é uma cerimônia congelada, um gesto prototípico           capaz de engendrar um sem-número de outros gestos igualmente           harmoniosos. Assim concebiam a Arte os mestres do Renascimento, e esse é o           caso da maior parte de suas criações, por exemplo, "A           Primavera" de Boticelli, cujo conteúdo mágico e esotérico é evidente,           transmitindo as emanações do doce mistério da           vida, percebido plenamente pelo autor. Por certo que Leonardo participava           deste mesmo tipo de concepção, e se encarregou de demonstrá-lo           não só por meio de sua obra plástica, mas também           com sua ciência e com o matrimônio desta com sua arte em           representações mecânico-teatrais, onde manifestou           o modelo cosmogônico mediante um grandioso espetáculo           que ofereceu na corte de seus protetores. Shakespeare utilizou também           da poesia e do teatro para expressar o esotérico, como deste           modo o fizeram os artistas renascentistas, não só italianos,           mas também alemães, franceses, flamengos e ingleses (com           expressões tão aparentemente afastadas como a construção           de jardins simbólicos herméticos, ou engenhos animados,           etc. etc.), até o começo do século XVIII. A arte           era, pois, um rito, uma cerimônia mágica encaminhada a           estabelecer uma comunicação entre céu e terra,           em altares de uma harmonia energética universal designada com           o radiante nome de Beleza. 
          Igualmente Magia e Arte             têm que ser conectadas de forma direta com o Amor, como sinônimo             de União, que na prática cotidiana não só tem             que se identificar com ideais românticos mas também             com a faustuosa genitalidade da fêmea prototípica (vez             por outra individualizada). 
          Não há nada             mais valioso que a aventura do Conhecimento e sua seqüela, a             energia do Pensamento, ou seja, os instrumentos motores da Arte que             resolvem no prazer inefável da Contemplação.             Eles não têm preço, na verdade, e se houver algo             que pode ser chamado luxo é esta magia, que paradoxalmente             se encontra ao alcance imediato de todo aquele que é capaz             de interessar-se verdadeiramente nela; a qual, de mudança             em mudança, vai produzindo uma autêntica transmutação           interior.
          Na realidade o Agartha,             além de ser um método de Autoconhecimento é um             tratado de arte teúrgica que se reconhece nas imagens ordenadas             de uma cosmogonia e que se revela na organização da             imaginação, mediante um rito preciso e, ai!, extremamente             purificador, ao ponto de tocar os limites individuais e transpassá-los,             prorrompendo no luminoso âmbito do Conhecimento e da metafísica,             origem e fim de todo poder. Isto é válido tanto para             as figuras do TARÔ, associadas a imagens mentais, como para             tudo o que o aprendiz trabalhou com o modelo cabalístico da Árvore             da Vida. O leitor possui agora um arquivo dinâmico de imagens             e figuras às quais pode recorrer em qualquer momento. Inclusive             esses símbolos repercutirão de maneira inconsciente             nele e serão causa de novos efeitos que ao se transformarem             outra vez em causas, assegurarão um trabalho mágico             ininterrupto de participação no cosmo mediante arquétipos             tradicionais que possibilitam a constante regeneração             do plano do artista divino. Estas práticas rituais de recriação             de imagens mediante a memória, levam à recordação             do si mesmo, à "reminiscência" platônica; sobretudo             quando a meditação sobre o objeto mágico que             se deseja recordar se faz não só mediante a atenção             concentrada, mas também quando esta, uma vez exercida, pode             ser liberada e voar atrás de uma imaginação             que nada tem de arbitrária, pois foi provocada e modelada             por idéias-forças universais, energias sutis e vivas             que finalmente terminam se manifestando em gestos existenciais, ao             extremo não só de assinalar ideários definidos,             mas também igualmente de determinar maneiras de ser e viver,             critérios morais e normas de conduta. A palavra “re-conhecer”,             que empregamos neste texto, quer dizer “conhecer duas vezes”.             Em particular a utilizamos no sentido de voltar a conhecer o que             já sabíamos, o que é o mesmo que descobrir a             verdadeira identidade, intrínseca união com o Si Mesmo             e seus indefinidos reflexos, que perenemente modificam e reconstroem             o cosmo. Esse re-conhecer ritual, reiterado, é a razão             de ser deste manual, sua autêntica essência, sua novidade             permanente, e o propósito daqueles que o desenharam. Assinalaremos,             embora não seja mais que uma coincidência, que o termo "reconhecer",             em castelhano [N.T.: “reconocer”], é uma             palavra rebis [N.T.: palíndromo], ou seja, que se pode             ler tanto da esquerda para a direita, como da direita para a esquerda,             o que constitui um exemplo cabal do que se entende por inversão.
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     | 41 | CABALA: O NOME - II 
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 |        Para a Cabala o nome indica           a essência do renomado e, portanto, a identidade. Isto é assim           porque ela configura uma metafísica da linguagem, e como tal,           as letras do alfabeto são produtos do Verbo e da Grafia divinos,           de sua Palavra e de sua Escritura. 
          O nome divino, o Schem,             está dotado de um misterioso poder total, e todo aquele que             conhece ou participa de algum modo do conhecimento desse nome se             encontra compartilhando automaticamente desse poder. 
          Não é, portanto,             nada estranho que o nome de Yahvé não pudesse             pronunciar-se (e inclusive escrever-se corretamente), posto que violar             esta proibição equivaleria a brincar com um poder incontrolável,             além de todo limite ou proporção. Por tal razão,             tratava-se de nomear indiretamente, ou só por alguns atributos, à deidade –e             em determinadas circunstâncias–, posto que todo nome             sagrado leva um poder intransferível, um segredo que compartilha             com todos os nomes; com qualquer coisa nomeada e até com a             possibilidade de se nomear. 
          Isto outorga uma importância             extraordinária à palavra e a sua expressão:             a escritura, o que comporta transferir esta suprema valoração             aos textos sagrados, em particular aos cinco primeiros livros de             Moisés, e à Bíblia em geral, que será herdada             pelas religiões "do livro": tanto pelo cristianismo (com o             agregado do Novo Testamento) quanto pelo islã (Corão),             o que se projeta em toda a cultura ocidental. Fazendo a condição             de que estes textos não são letra-morta, mas sim palavra             viva, permanente e atual, e o livro um organismo, com uma energia íntima,             do qual constantemente surge uma nova luz, a verdade, para iluminar             os segredos cosmogônicos e metafísicos, revelados e             velados ao mesmo tempo. Certamente que isto modifica de forma substancial             a relação entre o homem e a escritura e, portanto,             a do homem com a leitura (reflexo por sua vez da que mantém             com o nome e com a palavra), derivadas do pensamento e da consciência,             que distinguem e singularizam o fenômeno humano. Por tal motivo,             a concepção cabalística sobre o homem se encontra             estreitamente ligada com a possibilidade de nomear, o que equivale             dizer à de criar, ou re-criar, à de formar e re-formar             o cosmo, que definitivamente não é mais que um conjunto             de nomes proferidos pela Palavra divina. 
          Na letra está, pois,             o sentido da criação, que foi realizada precisamente             pelas combinações e permutações dos signos             do Santo Alfabeto Cósmico, grafados pela pluma de Deus, cujo             nome se tece de maneira oculta em cada uma dessas letras e em todas             as palavras e nomes, inclusive nos espaços vazios que deixam             livres os signos entre si. 
          Diz Orígenes que,             tal como a magia, o nome e seu poder não são vãos             e sem importância, mas, pelo contrário, uma ciência             temível; desta forma, terá que utilizar com prudência             e circunspeção estes nomes mágicos, cuja eficácia             deriva de sua pronúncia em sua língua original, porque é precisamente             o som o que atua. 
          Os doutores hebreus desenvolveram             extensamente estes estudos, fundamentalmente orais, embora haja numerosos             escritos destinados a despertar os gênios adormecidos mediante             o chamado e a escritura de seus nomes, ou atributos, como o efetuaram             todas as culturas tradicionais ou primitivas, embora não tenham             produzido necessariamente uma linguagem alfabética, por se             terem expressado por glifos ou emblemas ideogramáticos, ou             de outra maneira análoga, mediante símbolos que fixavam             o nome e, portanto, o que este representava, em perfeito acordo com             a ordem cósmica. | 
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     | 42 | O           LABOR COTIDIANO |  |       | 
 |        Insiste-se novamente sobre             a necessidade –quase urgência– do trabalho diário             interno a aqueles que vão em busca do Conhecimento. Desgraçadamente             a natureza do homem é tal que tende a esquecer o que verdadeiramente             lhe interessa e procurou sempre, e é traído pelos sentidos,             ao que se soma a determinação do meio social contemporâneo,             absolutamente profano e afastado da autêntica realidade do             que o mundo e o ser humano são e representam. Este condicionamento             a uma imagem fixa, literal e falsa do que somos e o que nos rodeia,             faz com que sejamos absorvidos pela inegável força             da mediocridade do meio, que de indefinidas maneiras, inclusive com             a violência e a "chantagem", trata de nos fazer participar             do achatamento de seus valores. 
          O leitor de Agartha               sabe que deve empregar todas suas energias nessa luta surda com               o social (que está acostumado a se manifestar, às               vezes, através da família) ao se enfrentar com essas               concepções que ele, queira-o ou não, tem internalizadas               mediante uma aprendizagem tão falsa quanto equivocada, estando               a se enfrentar consigo mesmo e seus próprios enganos e misérias. 
          Várias armas               tem o aprendiz de alquimista para vencer nesta guerra. A primeira é a               paciência, uma forma de compassar o tempo; deste modo, possui               distintos veículos para obter seus propósitos, que               se foram indicando ao longo de nosso Programa. O objetivo destes               trabalhos, deste treinamento que nos provê este manual, é obter               a atenção concentrada, a reminiscência e lembrança               de nós mesmos, e o conhecimento dos segredos cosmogônicos,               com relação a abordar a metafísica e a contemplação,               efetuando determinadas práticas e exercícios, como               o estudo e a meditação e, igualmente, o cultivo de               certas potências anímicas referentes às imagens               visuais e mentais que se produzem em nós e que atuam como               despertadores de consciência. 
          Mas o aprendiz do teúrgo               sabe a esta altura do caminho percorrido que é obrigado à perseverança               cotidiana, que se podem obter conquistas duradouras em sua realização.               Por isso, vez por outra, insiste em seus trabalhos e fadigas, impulsionado               pela fé na promessa que lhe foi dada (aquela de que obterá cem               vezes mais do que tinha,) apesar de suas amarguras e graças               a seu sacrifício. Razão pela qual é capaz               de dizer “Redobro!”, em especial em circunstâncias               difíceis, ou seja, naquelas em que se faz imprescindível               um sobre-esforço e onde se vê não só como               conveniente, mas sim como imprescindível, a realização               do rito cotidiano, a única salvação em um               mundo como o que nos tocou viver.
 
          Por tudo isto é que               nos permitimos recomendar novamente aos nossos leitores a releitura               do Programa Agartha. Não só porque terá uma               visão diferente do que aqui se diz, mas também porque               em muitas coisas ela será como nova, a tal ponto você foi               capaz de modificar seu critério, seu ângulo de visão.               Este exercício lhe permitirá estabelecer comparações               entre suas antigas concepções e as novas e estabelecer               assim seu grau de "adiantamento", ou melhor: a porção               do caminho espiral ascendido. Sua elevação do plano               da visão literal, às sutis percepções               de outras formas da consciência, que se constituem numa atmosfera               diferente para o desenvolvimento do ser, a tal ponto que pode então               se falar de um antes e um agora, de um homem velho e, portanto,               de um homem novo, de uma metamorfose ou, muito melhor, de autêntica               metanóia .
 
          Deve-se, pois, seguir               confiando na memória, que devidamente treinada pelo exercício               e pelo estudo, pela escritura interna que imprimimos nela, constituir-se-á em               uma energia constante, que atuará por si mesma, como se               manifestasse uma ordem mágica e divina.
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     | 43 | QUIROLOGIA 
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 |        À mão, que           cumpre uma função de modelo simbólico, a Cabala           lhe outorga um profundo sentido sagrado. Da mesma forma, outras tradições,           como a Hermética ou o Islã (ver nesta última,           por exemplo, a importância talismânica que possui a mão           da Fátima, a filha do Profeta). As duas mãos unidas com           seus respectivos cinco mais cinco dedos são uma imagem do modelo           do denário arquetípico e, portanto, da realidade que           expressa a Árvore da Vida Sefirótica . Mas o que           hoje se entende por quiromancia ou quirologia (do grego kheir ,           mão) é um vestígio, muito desfigurado –como é também           a Astrologia moderna–, pelo que outrora fora uma ciência           de alcance espiritual e oracular. Haveremos, pois, de insistir em que           todas as artes mânticas e adivinhatórias em geral assumem           o verdadeiro sentido e função que lhes compete só enquanto           emolduradas dentro de uma perspectiva espiritual e iniciática,           do homem e do mundo, alheia a toda superstição e literalidade.           Embora que isto seja assim, é obvio que nas mãos está impresso           o mapa de nosso próprio destino e natureza, como também           no rosto ou na própria configuração física.           Em qualquer caso, já se sabe que todo o âmbito terrestre           e corporal é um reflexo ou rastro de um modelo celeste, pelo           que cada parcela de sua geografia é portadora de uma mensagem           simbólica que está apenas manifestando esse modelo num           nível (assim é, por exemplo, quando recém-nascido           o Buda Sakyamuni , os sacerdotes decifraram seu importante destino           espiritual partindo dos 32 signos impressos em sua pele).
 
  
A cada dedo, linha e região               da mão se lhes atribui, efetivamente, uma correspondência               com uma deidade determinada, vinculada, sobretudo, ao simbolismo               astrológico e alquímico: o polegar a Vênus, o índice               a Júpiter, o médio a Saturno, o anular ao Sol e o mínimo               a Mercúrio. Entretanto, à hora de decifrar os diferentes               sentidos e analogias simbólicas dos signos terá que               se considerar a mutabilidade –e portanto relatividade– do               mundo sensível e corporal, próprio do fenômeno               e da mudança. Os signos da topografia física trocam               de configuração em seus pormenores ao trocar constantemente               também o próprio organismo e ainda mais até seu               aspecto externo. Estabelecer, pois, sistemas muito rígidos               de interpretação é se arriscar indevidamente               a cair no engano de tomar algo relativo por algo absoluto. De fato,               e tal e qual no caso da fisiognomia, cada tradição               ou povo possui variantes próprias de interpretação,               válidas na maioria das vezes para sua própria raça               e ligadas a seus próprios parâmetros simbólicos,               o que não quer dizer que, no fundo, não exista entre               eles uma unanimidade essencial de sentido. Digamos, por último,               que a mão esquerda está relacionada com o ancestral               e a herança psíquica do indivíduo, com suas               possibilidades latentes, enquanto que a direita o está com               sua personalidade e sua atualidade, ou seja com a concreção               efetiva de tudo o que, na esquerda, é potencial e instintivo;               relação análoga à de toda a simetria           microcósmica.
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     | 44 | CABALA 
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 | No             começo de nosso Programa (Módulo I, título N.º 26), mostramos as correspondências             entre o modelo do Árvore da Vida e o corpo humano. Ali propúnhamos             umas correspondências e sugeríamos as visualizações             adequadas a elas. Também dizíamos ali que em futuras             práticas tentaríamos a inversão de polaridade             de energias. Isso é o que faremos agora de acordo ao seguinte             quadro:
 
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 |               | Kether: | o alto da cabeça |               | Hokhmah: | olho e                 hemisfério cerebral direito |               | Binah: | olho e                 hemisfério cerebral esquerdo |               | Hesed: | braço                 direito |               | Gueburah: | braço                 esquerdo |               | Tifereth: | coração,                 plexo solar |               | Netsah: | perna                 e quadril direitos |               | Hod: | perna                 e quadril esquerdos |               | Yesod: | as genitálias |               | Malkhuth: | base,                 planta dos pés |               | 
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 |             No futuro, regularemos               e ordenaremos nossas visualizações e exercícios               respiratórios assim como nossas “especulações” (o               espelho reflete sempre as imagens invertidas, tais como estão               nossas mãos uma com relação à outra,               e deste modo as duas metades dos hemisférios cerebrais)               de acordo à presente versão, que não só é cabalista               mas também se acha em correspondência com outras tradições. 
          Portanto a mão               direita já não representará o rigor e a justiça,               mas a misericórdia e a graça (Hesed) e será a               mão de benzer. Igualmente Hokhmah será o olho direito               e o hemisfério cerebral que representará a reta (ou               direita) intenção (ver Módulo II, título N.º 43) e a coluna da               esquerda se relacionará com               o passivo, com o limitante e constritor. Esta é uma maneira               radical de conjugar os contrários, por meio de um exercício               prático que deve necessariamente unificar os opostos no               eixo central. 
          A orientação               que damos agora é especialmente válida para os povos               do hemisfério norte e tem como referência a estrela               polar, situada nesse ponto cardeal, o norte, para o qual se olha.               A orientação que seguimos até o momento enfrenta               o sul, e tem como guia o Cruzeiro do Sul, visível nesse               hemisfério. O oriente e o ocidente se correspondem em ambas               as situações com distintos braços no homem               embora obviamente não trocam seu conteúdo essencial               identificado com a saída e ocaso do sol.
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     | 45 | A           ESTRELA E A ESPIGA 
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 |        A viagem reiterada pelas           dimensões do mundo do homem, à luz da estrela entrevista           no segundo de um outro tempo, mais atemporal, próximo às           origens, viagem de reconhecimento das direções qualitativas           da caixa-cubo do cosmo, é também o reconhecimento da           obra de arte sagrada, que possui a qualidade do holograma, obra também           da luz, em que a parte contém imanentemente o Todo. O mundo           do homem é um todo unitário, um jogo de relações           e tensões que se equilibram em seu centro sempre virginal. Essas           viagens não são distintas da compreensão que a           alma realiza reconhecendo suas qualidades, seu desenho, sua forma prototípica,           assinalada pela divina proporção que nasce da relação           da Estrela com a circunferência de seu limite. Essa regra de           ouro, ou proporção áurea, é o verdadeiro           nome das coisas, sua realidade no Homem primordial, que as resgata           devolvendo o mundo a seu Princípio, na síntese de sua           morada originária. 
          Mas o encontrar a Estrela,             selo da verdadeira vida do mundo do homem, é também             encontrar a morte, não como a entende o mundo profano, mas             sim no nome de outra luz, mais que inteligível, não             cósmica, com relação à qual a anterior             não é mais que um pálido reflexo. Efetivamente,             o mesmo que dá a vida, sinalizada por isso mesmo com a morte.             A afirmação do ser oculta tudo aquilo que só pode             ser expresso em termos negativos, por ser inefável. No coração             do templo, o altar, centro onde se equilibram as influências             do celeste e do terrestre, do vertical e do horizontal, pode ser             produzido um sacrifício secreto, caracterizado pelo abandono             de todo reflexo, no qual o oficiante e a vítima sejam um só.             Tudo foi dado e tem que ser devolvido, com a gratuidade própria             de uma Realidade que nunca se viu a si mesma como proprietária,             pois é Não-Dual. 
          A espiga, que o Sol fez             crescer, mostrando-se sobre o meridiano, não poderia seguir             crescendo indefinidamente. Seu próprio peso, que deve à Terra,             inclina-a sobre si mesmo, traçando o anagrama de um Nome arquetípico             pelo que são feitas novas todas as coisas.
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     | 46 | ALQUIMIA 
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 |        Geralmente quando se fala           da Ciência Alquímica se pensa naquela referente ao reino           mineral, cujo objetivo é a realização do ouro           metálico através da pedra filosofal. Esta forma da Arte           Régia é a transmutação que se produz no           atanor ou forno por meio de diferentes procedimentos e etapas que o           adepto relaciona com seu próprio processo iniciático           interno, análogo a qualquer gestação, começando           pela do Universo. Entretanto, já mencionamos a alquimia vegetal           como uma possibilidade idêntica, que utiliza o próprio           corpo humano como um atanor e persegue exatamente os mesmos fins, ou           seja, os da plena realização das possibilidades humanas           por meio da constante conjunção das energias opostas,           que jazem no fundo de sua alma. Também devemos mencionar uma           alquimia desenvolvida através da respiração, que           pretende fixar o hálito vital (o prana dos hindus) como           alimento constante fluídico e permanente da criação íntegra. 
          É necessário             esclarecer que todas essas formas da alquimia são igualmente             válidas e são referentes a idênticos princípios             cosmogônicos que se manifestam de igual modo essencialmente,             embora as formas de se expressarem sejam diferentes, razão             pela qual são válidos os mesmos símbolos e a             sucessão das operações descritas na alquimia             metálica (começando pelo mercúrio), embora a             matéria prima a se empregar seja diferente. Caberia também             aqui assinalar a alquimia sexual como outra modalidade operativa,             intimamente ligada ao que no hinduísmo e o budismo se denomina tantra.             Todos estes aspectos têm em comum a idéia de uma regeneração             e por isso estão ligados a conceitos referentes à “longa             vida”, “medicina universal” e inclusive à “imortalidade”,             o que é claro no Taoísmo. 
          Também queremos             sublinhar que a alquimia foi chamada a ciência dos espelhos,             e que estas especulações constituem em todos os casos             uma ordem consecutiva de dissoluções e sublimações,             dissociações e associações, de mortes             e ressurreições que não são indefinidas             nem se perdem no vazio de um gesto tão reiterado como banal,             mas sim aspiram a uma conquista final, na qual elas, e portanto a             alquimia, adquirem seu verdadeiro sentido.
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     | 47 | VIRGILIO-DANTE  I 
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 |        É bastante freqüente,           na história das civilizações tradicionais, o fato           de que quando estas, por imperativos cíclicos, estavam a ponto           de desaparecer, a doutrina metafísica e cosmológica que           ordenou sua cultura e sua vida tenha se refugiado nas obras de determinados           personagens chave, e isso com o propósito de que dita doutrina           não se perdesse definitivamente. O destino dos homens de Conhecimento           que vivem durante esses períodos críticos está,           em parte, sujeito a essa missão de salvaguarda. Tal é o           caso de Dante em relação à Idade Média.           Foi em "A Divina Comédia" onde Dante recolheu e plasmou o essencial           do esoterismo cristão que estava representado por certos grupos           artesanais, herméticos e cavalheirescos, como a Ordem Templária.           Como já dissemos em um parágrafo anterior, a própria           organização a que pertencia Dante, os "Fiéis de           Amor", passava por ser um ramo da própria Ordem do Templo, pelo           que é de se supor que, quando esta desapareceu em 1314, os "Fiéis           de Amor" tenham continuado a manter –embora em forma mais oculta           e velada– grande parte do ensino iniciático e tradicional           que detinham os cavaleiros templários. É esta herança           espiritual que na verdade constitui o eixo medular que sustenta toda "A           Divina Comédia", e qualquer leitura que desta obra se faça           deve ter em conta este dado, quando se deseja conhecer o profundo sentido           que encerra. 
          Entretanto, existe a presença             de outras fontes tradicionais no poema de Dante, coisa que não é de             se estranhar tendo em conta a encruzilhada de culturas que confluíram             na época medieval. Concretamente nos referimos à presença             da tradição greco-latina, representada na Comédia             por Virgílio, a quem Dante chama mestre, senhor e guia. Virgílio             foi, com respeito à tradição greco-latina, o             mesmo que Dante com relação ao esoterismo cristão:             um iniciado que conservou em suas obras, especialmente no Geórgicas e             na Eneida, o essencial de sua cultura. Na Eneida, por             exemplo, encontramos uma série de dados relacionados com a             doutrina dos ciclos, e sem dúvida Dante se serve deles na Divina             Comédia. Tudo isto nos indica que a tradição             representada por Virgílio continuava viva nos tempos de Dante,             e continuaria estando para além destes, como fundamento que é da             própria cultura e da história sagrada do Ocidente,             e cuja herança recebemos todos os nascidos nele, sejamos ou             não conscientes disso. 
          Centrando-nos no ponto             de vista do processo iniciático, e considerando que com respeito             a ele a história e a geografia sagradas –assim que expressam             as leis universais– também constituem um dado importante             a ter presente, pode se dizer que a tradição greco-latina             representa para Dante o legado de seus ancestrais ou antepassados;             um legado impresso por “consangüinidade espiritual” na             alma do poeta florentino. Quando em sua “viagem” Dante             acede à região intermediária do mundo sutil,             simbolizada pelo “limbo”, e contempla as almas dos justos             que ali moram (a de Homero, Enéias, Heitor, César,             Ovídio, Horácio, Orfeu, Pitágoras, Sócrates,             Platão, Aristóteles, Sêneca, Heráclito,             Zenão, Diógenes, Anaxágoras, Tales, Empédocles,             Euclides, Ptolomeu, etc.), “re-conhece” em si mesmo essa             herança tradicional, sendo graças a ela, e junto a             seu mestre Virgílio, que pode acometer seguidamente o duro             e perigoso descenso pelos círculos infernais, que supõem             uma imersão no aspecto mais tenebroso da psique: os prolongamentos             mais inferiores do estado humano, que devem ser esgotados definitivamente             antes da ascensão ou subida aos céus e aos estados             superiores.  
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| 48 | O MÉTODO FUNDAMENTAL 
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 |        O estudo e a meditação           sobre os textos herméticos, o Ensino da Cabala sefirótica,           as imagens e a estrutura móvel propostas pelo Tarô, tanto           quanto as da Alquimia e suas operações, assim como a           da ciência Astrológica e Pitagórica, e o discurso           platônico, produzem na alma que contempla um reencontro com a           Gnose Perene, conhecimento e sabedoria obtidos a partir da ascensão           paulatina pelas esferas e experimentados de modo vital a partir de           uma teurgia fundamentalmente individual. Ou seja, um método "objetivo" que           se encarna de modo "subjetivo", em forma "mágica".
          Isto desde já se             deve à correspondência entre todos os planos da realidade,             tanto do macro quanto do microcosmos, e do amor entre suas partes             que, partindo da Unidade Original, primeira determinação             do Não Ser, articulam-se desde a Idéia e do Arquétipo             até a materialidade mais concreta de nosso mundo sensível             através do plano intermédio, povoado por entidades             espirituais informais e sutis, que atuam como mensageiras concretas             das emanações mais altas das quais são recipiendárias,             e que transmutam em vibrações que, por sua vez, geram             as inumeráveis energias do mais baixo. Para o Hermetismo,             só é preciso reverter este processo descendente (que             no homem se denominou Espírito-Alma-Corpo), isto é,             fazê-lo ascendente para remontar assim até o primeiro             Princípio, amparados e protegidos pelo orvalho celeste, cristalização             do supra-celeste.
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     | 49 | DANÇA:           EXERCÍCIO PRÁTICO |  |       | 
 | Conselho:             Deixar se levar pelo movimento e pelos giros constantes da dança,             que nos tiram de nossa percepção ordinária e             nos proporcionam um exercício tão descondicionador             quanto ligado a outras leituras das dimensões do movimento             em sua expressão atemporal e espacial, que logo são             observadas nos deslocamentos de maneira direta, não dialética             e racional; os movimentos harmônicos inspirados pelos deuses             do ar nos transpõem, mediante a ruptura de nosso falso controle,             a espaços e ciclos mais amplos daqueles que laboriosa e equivocadamente             forjamos em nossos cotidianidade por problemas de autocensura interna.  | 
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     | 50 | VIRGILIO-DANTE  II 
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 |        Na simbólica iniciática,           a “porta dos infernos”, ou Ianua Inferni, que é precisamente           a “porta dos homens” ou dos “ancestrais”, é a           que o ser em procura de sua realização espiritual deve           franquear antes de sair pela “porta dos deuses”, ou Ianua           Coeli, aquela que dá acesso aos estados supra-individuais           ou supra-humanos. Mas com o descenso ao infra-mundo ou “reino           dos mortos”, não termina a função de guia           assumida por Virgilio, senão que esta ainda permanece, em decorrência           da não menos penosa ascensão pela montanha do Purgatório,           durante a qual Dante se purifica e se re-genera dos “sete pecados           capitais”, reverso negativo das “sete virtudes”,           setenário este que manifesta as energias ambivalentes dos planetas.           Por outro lado, o percurso pelo qual ascende equivale às provas           iniciais. Desta forma, a estrutura literária da Divina Comédia           (e especialmente do Inferno e do Purgatório) está também           inspirada na Eneida virgiliana (concretamente no Canto VI), onde se           relata o descenso do herói troiano Enéias no antro da           Sibila de Cumas. Ademais, este mesmo esquema, que por outro lado é universal,           repete-se nos mistérios órficos e de Elêusis, bem           como no descenso de Ulisses ao antro das ninfas. Igualmente há que           se considerar a influência do islã, e concretamente no           que se refere ao relato do mais importante mestre espiritual do sufismo,           Mohyddin ibn Arabi, que em sua obra Revelações de           Meca descreve a "viagem noturna" de Mohamed através dos           três mundos. Esta influência não é de se           estranhar, pois, como já se disse em títulos anteriores,           os intercâmbios doutrinais entre o esoterismo cristão           e o islâmico foram bastante freqüentes na Idade Média. 
          É importante assinalar             que Virgílio também simboliza a razão humana             que deve prevalecer firmemente no iniciado, a fim de que não             sucumba ante os três tipos de perigos com os quais deve se             enfrentar em sua descida aos infernos: a queda no lamaçal,             a volta para trás e a petrificação. Neste caso,             a razão deve ser entendida como a síntese de todas             as faculdades e virtudes correspondentes ao estado humano e que por             isso mesmo refletem e manifestam a Razão ou Inteligência             divina. Curiosamente a palavra latina ratio designa por igual             a razão e o raio que conecta a periferia de uma circunferência             com seu centro. Desta forma, e nos servindo uma vez mais da analogia             geométrica, no contexto iniciático a razão (no             sentido que lhe damos e não no qual lhe outorga o “racionalismo”)             representa a via reta, ou “reta intenção”,             que não terá que perder nessa viagem labiríntica             da periferia de nós mesmos, até o centro ou ponto mais             interno onde reside nossa autêntica identidade. É quando             Dante alcança o Paraíso terrestre –situado no             topo da montanha do Purgatório– que Virgílio,             quer dizer a tradição de seus antepassados, cumpriu             sua missão com respeito à horizontalidade humana. No             Paraíso terrestre (o centro de nosso estado de existência)             Dante encontra Beatriz, encarnação da Sabedoria e da             Beleza transcendentes, e junto a ela empreende a viagem, desta vez             vertical, através dos diversos céus planetários             que simbolizam os estados superiores do ser, até alcançar             a plenitude do Conhecimento e do acesso ao Paraíso celeste,             onde reside "... o Amor que move o Sol e as demais estrelas."
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     | 51 | EXERCÍCIOS           PRÁTICOS |  |       | 
 |        Queremos lhe sugerir,             se é que já não o efetuou, que realize o estudo             do Agartha de noite. No começo de nosso Programa é mais             indicado (embora de maneira nenhuma necessário ou imprescindível)             realizar os exercícios e meditações nas horas             diurnas, em especial de manhã, antes de enfrentar o mundo             profano e cotidiano. Se isto foi assim, comece agora a praticar nas             horas noturnas. Ao contrário, se até agora se exercitou             de noite, deve começar a praticar os exercícios de             dia, pelo menos durante um certo período. Na realidade, há adeptos             que dizem que o trabalho alquímico deve ser efetuado do meio-dia             em diante e outros que por anos trabalham só a partir da meia-noite,             uma vez entenderam com os olhos bem abertos –na vigília             de manhãs e tardes– a natureza de suas operações. 
          Deve-se esclarecer que               não é unicamente que se recomenda este horário               noturno pela maior tranqüilidade que oferece a noite na vida               moderna e nas cidades contemporâneas, mas sim pela energia-força               que contém, intimamente ligada à descida à interioridade               da terra, ou aprofundamento de todos os aspectos e planos de nossa               existência, tal qual o efetua o sol em seu percurso, para               renascer em cada amanhecer, coalhado de beleza. 
          Também representa               uma interessante forma de assimilação e aprendizagem               o sonhar com o modelo do universo cabalístico, nossa Árvore               da Vida Sefirótica. Se isto ainda não lhe aconteceu,               faça os exercícios de visualização               antes de se deitar, com a firme intenção de que esta               aflore em seus sonhos. 
          Igualmente queremos               indicar outra prática: comece a meditar todas as noites               de lua cheia que possa, ou as que seja capaz. Faça os exercícios               de respiração dados neste manual. Faça-os               só ou com outro ou outros amigos/as que estejam realizando               ou tenham seguido o Programa. Tenha a segurança de que muitas               outras pessoas em diferentes partes do mundo estão fazendo               o mesmo que você. Una-se a eles e sinta a força da               energia da Boa Vontade, e a plenitude do Agartha em ação.               Dedique de 1/2 a 1 hora a isto. 
          Acompanhe-nos nestas               práticas cuja única intenção é a               entrega completa a um Poder Superior e a Oração por               nossos irmãos perdidos na confusão de um mundo profano.               Carregue suas baterias e desfrute da Paz do Senhor e de uma vida               cada vez menos opressiva.
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     | 52 | SOBRE           O TRABALHO INTERNO |  |       | 
 | A             luta por nos livrar dos condicionamentos que nos marcam e dos que             inconscientemente obedecemos (fazendo-nos seus escravos, quando não             seus cúmplices, por temor a destruir o que pretendidamente             somos e a mudar nossa maneira de ser e existir) deve realizar-se             com a assepsia do guerreiro e invocando a graça das deidades             para que os espíritos nos guiem no intrincado labirinto do             destino. O fruto de nosso desejo é a virgindade capaz de levantar             todo nosso pequeno cosmo novamente, depois de morto às concepções             caducas, mas agora edificando sobre uma ordem que escolhemos. Seria             possível pensar que a construção a partir de             um modelo análogo ao próprio universo fosse precisamente             nosso condicionamento. Nesse caso estaríamos governados pelos             númens, que sinalizam nosso caminho e a obediência às             vozes interiores seria acessar o seu amor e misericórdia.             Algo que sem dúvida tem que ver com o sagrado em detrimento             do profano, marcado pela leitura egótica e literal, ou pela             interpretação psicológica ou social, ou qualquer             outra programação cultural, que nos faz ser o que o             poder e o meio determinam em sua ignorância. Não houve             tirania igual, nem que se assemelhasse sequer no totalitário             ao que se produz na sociedade moderna, embora esta suponha nos deslumbrar             com sua técnica, suas pretendidas democracias e suas modalidades             repressivas tão refinadas que atuam em forma subliminar. Um             mundo envelhecido e sem futuro, sem dúvida.  | 
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     | 53 | ALQUIMIA 
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 |        Os Quatro Elementos (2). Os           quatro elementos, ou melhor, os quatro princípios que eles simbolizam           (que constituem qualquer possibilidade de manifestação           e, portanto, a de toda matéria, posto que esta é a combinação           desses princípios ou elementos em rotação, alternando-os           uns com os outros; os que são apenas a emanação           de um mesmo princípio criador universal que toma diferentes           modos ou formas designadas por distintos nomes) chamam-se, como já bem           sabe o estudante do Agartha, fogo, ar, água e terra. O fogo           simboliza o princípio radiante que é o mais alto de todos.           Na Árvore da Vida corresponderia a Atsiluth, ao ontológico,           ou seja, ao Ser e ao Espírito. É a primeira possibilidade           da matéria, o hálito espermático do enxofre capaz           de fecundar a potência mercurial, a penetração           pela palavra, ou seja, a luz pura simbolizada por este princípio           radiante, materializado no que significa o ígneo, do qual o           fogo é o emblema. O seguinte elemento, ou estado da matéria, é o           ar, ou energia refrigerante e sutil, correspondente à leveza           e instabilidade do emocional, ao plano de Beriyah, à primeira           construção do cosmogônico, à sublimação           do fluídico, à transmissão de toda possibilidade,           ao sopro do ar como causador da generosidade das chuvas e da geração           vegetal, e também à alma superior, a que está por           cima da superfície das águas. O terceiro elemento é a água,           gás condensado, ou energia fluídica, capaz, como já se           disse, de gerar, mas também de corroer. Toda matéria é abrandada           pela água, que igualmente sempre encontra um leito e que é capaz           de adaptar-se à forma que lhe toque. Corresponde ao plano de Yetsirah e           ao perigoso e atrativo psiquismo inferior; às belas e às           artes. Também a uma condensação do aéreo           e, portanto, a uma progressiva solidificação, a uma transformação           daquele princípio radiante, daquela primeira emanação           que se expressou por um sopro que agora, ao se coagular, apresenta-se           em estado líquido. O último elemento é a terra,           que é o receptáculo e ao mesmo tempo contém em           seu seio outros princípios, elementos, ou estados da matéria,           e é a energia solidificada dessa matéria, o summum de           sua densidade e de suas possibilidades de concreção.           Corresponde ao plano do Asiyah, a grande mãe, à potência           do ato permanente, ao passivo em contínuo movimento, à última           manifestação da perfeição universal, espelho           da perfeição de seu criador. 
          Há um quinto elemento             que é o éter, ao qual se está acostumado a simbolizar             no centro de uma roda da qual irradiam os outros quatro princípios,             e ao redor do qual giram. É pois sua origem para o qual constantemente             retornam e a oculta raiz de tudo, um “motor imóvel” mais             relacionado com o Não Ser que com o Ser, aparentado com o Ain e En             Soph: com o autenticamente metafísico, o invisível,             o inexprimível, o verdadeiramente desconhecido, o que está por             cima da coroa, que ainda apóia sobre a cabeça, emblema             do corpo mineral. 
                     Estes quatro elementos             estão constituídos pelos três princípios             alquímicos: o enxofre, o mercúrio e o sal, que se interagem             constantemente, como por sua vez o fazem estes elementos entre eles.             Houve a intenção de se lhes comparar com uma roda dentro             de outra roda, ou como uma roda que fixa doze possibilidades (3 x             4), o zodíaco (ver Módulo II, título N.º 98 ). Estes três princípios,             como sabemos, estão presentes em toda “matéria” ou             energia, apresente-se essa energia em estado radiante, gasoso, fluídico,             ou de maneira sólida. Estes três princípios podem             ser associados com o Osíris (+), Ísis (-), e Hórus             (N), filho de ambos que, portanto, contém parte dos dois,             aos quais deve sua existência. Mas sobretudo temos que vinculá-los             com a Árvore da Vida e suas três colunas, que se vão             solidificando em quatro etapas sucessivas coexistindo, entretanto,             em qualquer matéria, como os quatro planos ou mundos do Árvore             da Vida coexistem entre si. 
                    Devemos esclarecer que             tanto no trabalho hermético, quanto na Alquimia instrumental,             o trabalho interno é invertido com relação às             emanações criativas. Está contra a corrente,             e terá que remontar o rio até suas fontes. Por isso é que             se fala precisamente de um trabalho. A matéria física             tem que se descartar e sutilizar, do opaco ao transparente.
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     | 54 | NOTA:           RECORDAÇÃO, CENTRO E PERIFERIA |  |       | 
 |        O “antropomorfo”,             como qualquer expressão do mundo acessível aos sentidos,             não tem nenhuma vantagem especial que justifique a prepotência             com a qual o homem moderno visualiza seu status no mundo, que não é outro             senão o que recria com sua atitude. Mas pelo ao contrário,             a insuficiência crônica que lhe faz sobrevalorizar o             visível e sensacional (sensação) sobre o invisível             e significante –se é que por algum momento considera             este último– é o próprio expediente que             fecha a porta à possibilidade regeneradora implícita             na lembrança do sagrado. 
          Esse mesmo gesto interno               que o encerra nos limites do individual - particular - literal,               sustentado pelo esquecimento cotidiano que o faz mecânico,               oculta seu direito de filiação e não permite               que o mundo, do qual ele pode ser centro, manifeste-se-lhe como               uma mandala apta para lhe revelar sua identidade primordial e intemporal. 
          Simultaneamente, a multiplicidade               dos aspectos egóticos progride indefinidamente, como é próprio               do mundo da quantidade. 
          Entretanto, o homem               primordial, inapreensível pela história, segue sendo               ele em cada uma das imagens simbólicas (que nunca foram               vãs) dos filhos póstumos, nascidos à individualidade               nessa dimensão obscura do ciclo na qual o homem, desligado               de suas origens míticas que o aparentam com seus verdadeiros               ancestrais, é lançado, pela própria natureza               das coisas, à periferia da roda, ao mais denso e relativo,               sendo vítima, como ser humano caído, de tudo aquilo               que poderia e deveria estar nomeando, conhecendo em sua fonte primeira. 
          Agora, quando o indivíduo,               talvez graças a uma curiosidade profunda, ou a uma melancolia               ainda lúcida, permite-se a lembrança de um passado               prototípico, quer dizer, de uma origem capaz de ser origem               de todas as coisas, pode verificar que não está sozinho,               ainda que exista algo que apenas ele mesmo poderá realizar,               escutando as vozes que só se ouvem no silêncio, também               há uma verdadeira família do espírito, conhecida               não só do passado mas também do futuro, posto               que suas vozes trazem a memória do que sempre excedeu os               tempos históricos. 
          Esses reais ancestrais               no domínio do conhecimento, ou seja, do verdadeiro ser,               são, pelo ensino que formulam, a manifestação,               variada em aspectos, única em essência, do motor primitivo               que, como professor arquetípico e secreto, fecunda todos               os tempos, dos quais é sempre centro. 
          A aspiração               amorosa do transcendente devolve ao mundo, em forma imanente, a               presença do não-dual, pela qual é regenerado               o Livro da Vida, obra que o espírito realiza ao reconhecer-se               no que sempre o esteve revelando. 
          Em outros termos, a               reunião do disperso não ocorre só no mundo               histórico e geográfico do homem, por sua remissão               ao arquetípico; o Coração do Mundo, ou o que               aparece como zênite para um estado do ser como o humano,               não tem mais aspectos separadores que os projetados desde               determinado estado de existência. Em si não é a               presença real do divino. É evidente que o poder vivê-lo               assim tem muito que ver com o anonimato verdadeiro, interno sobretudo,               no qual o Si-mesmo não precisa adornar-se com pronomes pessoais. 
          O mundo aparentemente               já solidificado e terminado, apto para o consumo entrevisto               pelo cárcere da mente, resultado de uma árvore sem               raízes, destruído em um gesto de apropriação               típico do ego, poderá se endireitar de novo na lembrança               efetiva daqueles que, graças ao sacrifício reiterado               no Nome do que nunca será acessível aos sentidos,               terão recuperado o “sentido da eternidade”,               o qual redime qualquer ciclo, que só do ponto de vista “profano” aparece               como abandonado a si mesmo.
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     | 55 | OS ASPECTOS DA ALMA 
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 |        Os graus da alma humana,           ou dos planos de consciência nos quais se manifestam, são           três, em correspondência com os mundos da Árvore           Sefirótica, e têm portanto três designações: nefesh,           para o hálito vital; ruah, para a alma interior; e neshamah,           para o espírito. 
          É muito importante             recalcar que para a Cabala os três planos estão compreendidos             um dentro do outro, mas por sua vez têm seus próprios             nomes ou domicílios. 
          No trabalho hermético,             a energia motora desperta, ou melhor, é despertada, e se for             bem conduzida (com humildade, paciência e verdade) será capaz             de estimular a nefesh, que por sua vez nos poderá transferir             a ruah, ao mundo do psiquismo superior, ao ponto de inflamá-lo,             em cujo caso é muito possível que nos abra a porta             de neshamah, o espírito puro. 
          Daremos a seguir estas             correspondências, representadas na Árvore da Vida. 
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     | 56 | AS CASTAS 
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 |        Um dos temas menos compreendidos           entre as concepções tradicionais é o das castas           devido à confusão que o mundo moderno (nascido no Renascimento,           confirmado nos séculos XVII e XVIII e efetivado no XIX e XX)           projetou sobre este assunto, confundindo-o com suas próprias           problemáticas, suas revoluções políticas           e econômicas, suas divisões referentes às classes           sociais (verdadeiros tabus) e posteriormente o enfrentamento destas           e portanto a ruptura do organismo nacional e internacional. 
          Trataremos de esclarecer             algo do tema à luz do que o leitor já sabe sobre o             pensamento tradicional. Embora antes de abordar este equívoco,             devem ser resolvidas certas dúvidas e sentar-se algumas bases             necessárias à clarificação:
 
Seguidamente ilustraremos           esta concepção com o símbolo do círculo,           ou da circularidade, muito conhecido por nossos leitores que já trabalharam           bastante com ele.           | a) | Nada               tem que ver o tema das castas com a divisão contemporânea               referente às classes sociais, motivo pelo qual o aspirante               ao Conhecimento, ainda filho de seu condicionamento histórico,               não tem em sua bagagem de imagens nada parecido que possa               tomar como ponto de referência; aconselha-se, portanto, não               extrapolar informações e menos ainda pretender julgar               com elementos exclusivamente contemporâneos, aos que se supõem             universais, a sociedades pretéritas das quais tudo se ignora. |             |  | Para               pôr um só exemplo, diremos que os homens e mulheres               mais poderosos e de mais status da atualidade, presidentes, primeiros               ministros, líderes, e até reis e nobres, podem ser               considerados de uma perspectiva tradicional, ou seja espiritual,               como os integrantes da casta mais baixa de seres jamais conhecida             neste ciclo humano de existência. |             | b) | A               divisão em quatro castas não é um fato arbitrário               ou casual, mas sim está em correspondência com a ordem               natural das coisas e com a divisão quaternária de               qualquer manifestação. É, pois, uma realidade               de ordem cosmológica verificável em qualquer sociedade             e/ou cultura. |             | c) | Aos               efeitos deste título utilizaremos a terminologia hindu para               nos referir ao assunto por ser a mais clara e conhecida, a que               agrupa os homens em quatro conjuntos denominados Brâhmanes,               Kshatriyas, Vaishyas e Shûdras. O primeiro corresponde               ao estado sacerdotal ou sapiencial. O segundo ao guerreiro e a               nobreza; o terceiro aos artesãos, comerciantes e administradores,               e o último aos servos. Os nascidos nos três primeiros               podem renascer na Suprema Identidade, podem ser iniciados nos mistérios;               os que pertencem por nascimento ao outro estamento, ou casta, estão               destinados à reencarnação na roda das existências,               ainda que sejam milionários, chefes políticos, artistas               de êxito, ou talvez precisamente por isso, tomando devida               conta da degradação do mundo em que vivemos. Quer               se chamar a atenção de que esta separação               em castas, ou em estados, não só se apresenta na               tradição hindu, mas também é clara               na China (e em todo o extremo oriente e também no oriente               médio), na América pré-colombiana, e inclusive               em culturas tribais consideradas tão “primitivas” como               a África negra. Na organização social da Idade               Média ocidental é evidente, herdada não só das               concepções cristãs (o Cristo Rei por exemplo),               mas também das antigas culturas nórdicas e celtas,               e deste modo de egípcios, caldeus, gregos e romanos. Nos               hebreus é nítida entre os reis-sacerdotes (ou melhor             sacerdotes-reis) e o séqüito escalonado de suas cortes. |  
              Desde já devemos dizer               que nesta representação também cabem todas as               relações ou especulações que já fizemos               dela, tal qual se sobrepõem os distintos significados ou leituras               do símbolo.          Agora a desenvolveremos na Árvore           da Vida: 
 
  
          Também neste caso,             a divisão em castas (expressas aqui com a terminologia hindu)             deve ficar em relação com tudo o que temos visto do             modelo sefirótico. 
          O predomínio de             tal ou qual casta deve ficar em relação com o ciclo             e o tempo histórico por um lado; pelo outro com a hierarquização             ou leitura de níveis, ou graus de consciência, presente             em qualquer realidade. 
          Para finalizar, queremos             fazer referência a uma quinta casta: Hamsa. Esta é na             verdade uma não casta e deve ser colocada acima da Árvore             da Vida. Corresponde aos seres não condicionados ou, os que             tendo sido condicionados pelo nascimento, foram liberados de sua             determinação. Estes iniciados são chamados ativarna,             utilizando sempre a terminologia hindu.
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     | 57 | CIÊNCIA 
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 |        O que se entende hoje por           ciência –a ciência profana– tem também           uma origem sagrada (como todas as Artes Liberais) que se foi degradando,           desde seus começos, onde a observação dos fenômenos           naturais revelava o funcionamento da grande máquina do mundo,           manifestada pelas grandes estruturas da cosmogonia, que simbolizava,           em última instância, o que estava além dela. Ou           seja, às leis naturais como signos e arquétipos do sobrenatural           e como seu selo nas coisas e nos seres, incluído o humano, como           o fazia a alquimia em virtude da correspondência entre macro           e microcosmo. 
          E é digno de nota             que autores como Tycho Brahe, Kepler, Newton (sobretudo este último),             e um longo “etc.”, vivem seus trabalhos individuais como             diretamente ligados ao Universal, em busca do Conhecimento, aventurando-se             ao limite de suas possibilidades intelectuais inseridas em um contexto             metafísico, como autênticos hermetistas. 
          Em termos gerais, do Renascimento,             o mundo atual materializou completamente suas suposições             e se foi solidificando cada vez mais em razão de acontecimentos             cíclicos, e isto coincide com a aparição da             ciência moderna, ou ciência profana. Porém, os             fundadores desta ciência jamais negaram seus interesses sagrados.             Bem pelo contrário, que poderia chamar-se seu mais longínquo             antecedente medieval, Roger Bacon, considerava os fatos experimentais             como formas visíveis de forças invisíveis –o             que fundamenta à analogia e portanto à teurgia– e             haveria que se lançar um olhar sobre sua obra para notar seus             interesses. Ou fixar-se no já chamado Newton, que investia             mais tempo e punha maior interesse em suas investigações             bíblicas que em suas buscas propriamente "científicas".             Sua lei da gravidade nos ilustra sobre as correspondências             e portanto a respeito da magia simpática, como ele sabia,             embora preferiu emitir sua teoria em termos mecânicos.
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     | 58 | CIÊNCIA  I 
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 |        Um conceito linear do universo,           do tempo e do espaço faz com que estes sejam vividos de uma           maneira rígida e fixa, em acordo com a literalidade de um pensamento           só capaz de vislumbrar o mais imediato do que percebem os sentidos.           Na época atual, a ciência tomou formas quase exclusivas           de medição quantitativa, reduzindo os problemas científicos           a meras estatísticas, o que equivale a abandonar a busca da           essência e as causas dos fenômenos –de qualquer natureza           que sejam– pela comodidade de sua mera descrição           e seus efeitos. Desgraçadamente, esta forma de pensar invalida           a ciência oficial que, empiricamente, enquadra as coisas por           suas características mais superficiais sem contar, tampouco,           os fatores de mudança permanente aos quais está sujeita           qualquer manifestação, e considera o homem contemporâneo,           completamente condicionado por seu meio e ideologia, como um modelo           universal válido para ser aplicado em toda circunstância.           O mesmo, na realidade, faz com qualquer fenômeno, seja este subatômico           ou estelar, e termina mecanizando sua visão da vida a tal ponto           que é incapaz de distinguir entre a teoria e o fenômeno           em si. Já dissemos que esta pretendida ciência oficial           não está de acordo com as últimas investigações           científicas, nascidas muitas delas a partir das teorias do Einstein,           mas estas ainda não puderam transformar o esquema oficial (ver           Módulo I, título N.º 77 ). 
         O universo se encontra             em permanente movimento e constantemente se contraem e expandem sistemas             inteiros de estrelas que configuram galáxias e planetas que,             tal qual as partículas subatômicas, formam diferentes             sistemas alternativos a velocidades supersônicas. Isto em perfeita             coordenação cíclica e rítmica com todos             os elementos que compõem este universo vivo e em perpétua             expansão. 
          Assim, em nossa ignorância,             os homens vão como aqueles burros aos quais se lhes sustenta,             por cima e diante de suas cabeças, uma vara na qual se pendura             uma cenoura, o que faz com que a besta caminhe e corra com o afã de             procurar seu alimento sem que possa consegui-lo. 
          A via Láctea é um             imenso aro de gases e estrelas que gira perpetuamente sobre nossas             cabeças como uma roda. A matéria física tampouco é inerte             e passiva, mas constantemente vibra em uma ondulante dança,             cujos padrões de movimento estão dados pelas estruturas             moleculares, atômicas e nucleares. 
          Tudo isto entranha um segredo             cuja revelação é a origem do conjunto. Qualquer             obra fala de seu criador se não houver diferença entre             o autor e a obra. A manifestação é a assinatura             de Deus e eis a suma importância da Ciência, cujo ponto             de partida é a experiência, que igualmente constitui             o fim último do Conhecimento. Do visível ao invisível,             por mediação da autêntica ciência.
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| 59 | ALFABETO E ESCRITURA 
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 |        Os distintos esoterismos           coexistem e são idênticos em essência, enquanto           o exotérico nas diferentes tradições toma formas           que as contrapõem entre elas. Isto é válido para           a soma das diversas formas tradicionais e seus símbolos, ritos           e mitos. Enquanto o esotérico é interior e se refere           aos princípios imutáveis, o exotérico faz insistência           no superficial e no múltiplo. O esotérico une, o exotérico           divide (ver Módulo I, título N.º 2 ). 
         O anterior é notório             nas tradições hebraica e árabe, hoje tão             contrapostas no material, o que se traduz em ódios e diferenças             religiosas, sociais, econômicas e políticas. Entretanto,             as raízes, e até o tronco, são comuns para ambas             as tradições face às diferenças das flores             e frutos, e os iniciados e esoteristas das duas (sufis e cabalistas)             referem-se não só a um mesmo Ser e a uma idêntica             e Suprema realidade, mas também seus métodos de aproximação             dela são nitidamente similares. Adicionemos que os esoteristas             de ambas as tradições foram e são perseguidos             pelo exoterismo oficial e religioso. 
          Nos alfabetos, é patente             esta identidade, assinalando desde já a profunda analogia             que existe entre eles, e fazendo a condição de que,             pese a ter o islâmico 28 letras, corresponde-se perfeitamente             com o hebraico (algumas destas letras são virtualmente iguais).             Por outra parte, a cada letra corresponde um número e se fazem             cálculos análogos em ambas as línguas com relação             ao valor dos signos. O Nome Supremo tem quatro letras tanto entre             os judeus como entre os árabes, que são postas em relação             com os quatro elementos, os quatro pontos cardeais, as qualidades             do poder divino, etc. 
          O magno testemunho do islã (a shahadá)             compõe-se de quatro palavras, sete sílabas e doze letras,             tal qual expressa também o Sepher Yetsirah. A criação é considerada             como um livro, do qual as criaturas são as letras. O universo é uma             escritura, um discurso provocado pela expansão do Verbo, o             que configura o livro do mundo. Pelo que, tanto o Corão, quanto             a Bíblia são textos sagrados reveladores que expressam             a totalidade do cósmico, sendo suscetíveis de serem             lidos de diferentes maneiras hierarquizadas e ocultas, que manifestam           de modo real o Espírito Supremo.
          Os especialistas islâmicos,             dedicados à ciência das letras (os hurufis),             dão enorme importância ao Alif, primeira letra             do alfabeto, valor um, pois dela derivam os principais nomes. As             letras, como a linguagem, são os atributos da essência             divina e são imanentes a todas as coisas, pois são             as materializações da Palavra, Kalimat Allah e             seu discurso criador. O nome, composto de letras, significa verdadeiramente             a coisa nomeada e, portanto, revela-a (kashf). É no             homem onde se manifesta conscientemente esta escritura divina, da             qual, por outra parte, ele é um signo. A escritura é um             exemplo evidente do mistério do ser e uma grafia permanente             da mais alta atividade da pluma do Criador, que se expressa também             pela palavra, pela linguagem, pelo nome e, sobretudo, pelo som, que             os antecede. 
          Desde este ponto de vista,             o estudo e a leitura de qualquer texto sagrado, ou verdadeiramente             esotérico, não são absolutamente vãos,             senão que tal texto, ao manifestar em si e por si a potência             geradora, não pode deixar de ser –para quem se abre             a ele– autenticamente transmutador e constituir de fato uma             gnose. Isto é patente na Tradição Hermética             onde o livro é o veículo por excelência.
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     | 60 | CIÊNCIA  II 
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 |        A matéria, tal como           se refere a física oficial, na verdade não existe. A           máquina do mundo permanece em constante atividade e ora se esfria,           ora se esquenta conjugando-se permanentemente na ronda dos quatro elementos           que a compõem, que alternativamente preponderam um sobre o outro.           O motor é ígneo: efetivamente é a intensidade           do fogo que derrete o sólido, liquidificando-o, e posteriormente           transforma estes líquidos em gases, que mediante esfriamento           começam novamente a se condensarem e se estabilizarem em sólidos. 
          Da Antigüidade greco-romana,             esta roda de fogo, ar, água e terra preocupou filósofos             e sábios, que jamais consideraram à matéria             como algo fixo e imóvel, mas sim como um conjunto de elementos             em permanente mudança e reestruturação. A unificação             matéria-energia, vale dizer, a unicidade da matéria,             foi um axioma alquímico tradicional. O mesmo aconteceu com             a unidade indissolúvel espaço-tempo, presente nas concepções             dos povos arcaicos. 
          É só recentemente             que a ciência tornou a reconsiderar sua concepção             dualista e dicotômica, demasiado mecânica, com a qual             se pretendia julgar os seres e os fenômenos de uma maneira             esquizofrênica, própria dos pontos de vista das grandes             cidades modernas. Assim, a física subatômica observa             que as partículas existem e não existem simultaneamente,             e que na verdade a diferença entre dentro e fora não é mais             que uma maneira de encarar as coisas, em perfeita coincidência             com as sociedades tradicionais que vêem o universo como um             homem, animal ou organismo gigantesco, que não se encontra             nem cheio nem vazio. Coisas que parecem opostas e incompatíveis             são consideradas hoje como distintos aspectos de uma mesma             realidade. 
          O espaço chamado             vazio contém todas as possibilidades virtuais de qualquer             desenvolvimento e possui um número ilimitado de partículas             que nascem e desaparecem espontaneamente. Até o movimento             e o repouso, a existência e a não existência,             a força e a energia são considerados como antagonismos             fenomênicos que unicamente podem ser compreendidos sob a noção             de complementaridade. Tampouco há diferença entre o             ser e o ato. Todas as manifestações do mundo procedem             da expressão de uma mesma realidade, que chega a ser e, logo,             desintegra-se, transformando-se em outra coisa que, por sua vez,             modifica-se em outra e assim indefinidamente. A transitoriedade dos             objetos, a incessante mutação das coisas e o fluir             do rio da existência são uma realidade viva e tangível             além de qualquer metáfora que, além disso, explica-nos             a ilusão permanente do homem histórico e seu cuidadoso             engano. 
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     | 61 | NOTA:           SOBRE A MELANCOLIA |  |       | 
 |        A paixão, ou loucura             heróica, o furor, como Platão o compreendia e como             motor do Conhecimento, fonte de inspiração e meio do             processo iniciático, produz excelentes resultados, regidos             por Marte, quando se sabe combinar com o temperamento melancólico             e sua biliosa e negra expressão, atribuída ao planeta             Saturno. 
          Deve recordar o sentido               real e simbolicamente elevado deste último planeta e as               sutis energias que como tal contém, além de seus               aspectos negativos e das pesadas cargas que se lhe impinge a interpretação               supersticiosa ordinária, incapaz de considerar os distintos               aspectos das coisas e portanto de conciliar opostos. Saturno é também               a lentidão e a sabedoria da velhice, e a entrada em um estado               purificador parecido à morte. O Renascimento valorizou de               modo extraordinário a melancolia, e a tristeza com a qual               se manifesta, e considerou que era um estado onde florescia a inspiração,               o berço da compreensão e a sala de espera do êxtase.               Grandes pintores como Dürer e a escola de pintura flamenga               a retrataram e destacaram sua vinculação com o metafísico,               o simbólico, o numérico e o esotérico. 
          Atribuía a este               humor ser próprio de heróis, poetas e grandes homens;               e em que pese ser de difícil tolerância pelos interessados               nos momentos em que esta forma de caráter se apresenta,               considera-se –e assim o testemunha Agripa– que gera               um frenesi que leva à sabedoria e à revelação. 
          Os "mistos", segundo               a Alquimia, são aqueles iniciados que ainda não terminaram               seu processo e se encontram escarranchados entre o cru e o cozido,               o frio e o calor, o profano e o sagrado. Pode-se assegurar que               estes aspirantes ao Conhecimento experimentaram esse humor na própria               carne, e tiveram que agüentar os embates da tristeza; de Saturno               e da melancolia. Embora devam reconhecer-se, também, os               aspectos benéficos destes estados, por momentos intoleráveis,               que acompanham os "mistos" ao longo do processo de Conhecimento,               onde se encontram muito assinalados, e põem marcos e balizas               no caminho da vida. 
          Tome o estudante do               AGARTHA devida conta de tudo isto.  
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     | 62 | AS QUATRO LEITURAS DA REALIDADE 
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 |        Falamos de En Soph como           do supracósmico, ou verdadeiramente metafísico, no sentido           etimológico mais elevado e radical do termo. Queremos aqui indicar           a vinculação das três primeiras numerações           ou sefiroth com os princípios universais do ser tratados           pela ontologia. Também com as seis sefiroth de construção           cósmica, referentes à cosmogonia (plano ou mundo de Beriyah e Yetsirah)           e a concreção material ou física (plano ou mundo           de Asiyah). 
          Diz-se em Teologia que             há quatro maneiras de ler a Bíblia, ou melhor, quatro             leituras de seu texto (literal, alegórica, tropológica,             anagógica). Dante também o explica no Prólogo             de A Divina Comédia (reparastes neste título?)             referindo-se a sua própria obra que, como sabemos, inclui             uma descida aos infernos, um purgatório e uma posterior ascensão             aos céus. Esta concepção das quatro leituras             da realidade (ou três equiparáveis a elas segundo outras             tradições) corresponde aos distintos planos dessa realidade             e igualmente aos graus hierárquicos de seu conhecimento. 
          No judaísmo, são             igualmente quatro os planos ou níveis de leitura dos textos             sagrados, em perfeita coincidência com o modelo da Árvore             da Vida, e a Teoria das Emanações. Inscrevem-se de             baixo para cima, de Asiyah a Atsiluth, e são             correlativamente Peshat, Remez, Derash e Sod. Peshat é o             sentido da leitura literal, Remez o alegórico. Derash o             sentido reto e Sod o sentido secreto. Poderá reconhecer-se             que as letras iniciais destes quatro termos PRDS, configuram a palavra PaRDeS,            que quer dizer Paraíso ou Jardim, e se refere a um lugar,             ou melhor, a um estado original que só se pode adquirir quando             se completa com a última letra (a “S” final) toda             a palavra. Deve se recordar que esta letra “S” corresponde             ao Sod, cuja tradução é “segredo”.
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     | 63 | ALQUIMIA 
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 |        Às vezes a Alquimia           se expressa numa linguagem e num simbolismo complexo e “obscuro”,           e isto é assim face aos cuidados de nosso PROGRAMA que trata           de sintetizar, esclarecer e expressar em uma linguagem clara e atual           verdades que, entretanto, necessitam para ser compreendidas de uma           reforma da compreensão profana, o que justifica em algumas circunstâncias           o uso dessa aparente obscuridade ou contradição, para           fazer funcionar os esforços pessoais através de uma série           de exercícios mentais (e físicos) regidos pela coerência           interna dos mesmos símbolos e sua estrutura lógica e,           ao mesmo tempo, supra-racional. Por este motivo, a importância           do estudo e da meditação sobre o modelo cosmogônico           no primeiro grau iniciático, tratando de não deixar um           oco na compreensão deste, pois é um trampolim imediato           para a integração no ontológico e metafísico. 
          O tempo, sobre o qual atua             a paciência tanto como a dedicação, é um             grande auxiliar no trabalho alquímico-hermético, e             na Cabala se aponta que o trabalho do neófito começa             a maturar quando começa a encanecer, ou quando passa os quarenta             anos (ou ciclos), número este várias vezes mencionado             nos textos sagrados. Mas, sobretudo, tem que se destacar a intensidade             com que o aprendiz encare o Conhecimento, o que o levará,             quando esta é firme, decidida e prudente, às portas             de uma segunda Iniciação, muito mais real e verdadeira,             que já não é somente especulativa, teórica,             ou intelectual, mas sim operativa, prática e encarnada. 
          Na Alquimia chinesa, também             existem duas iniciações. A primeira corresponde ao “homem             verdadeiro” (Tchenn-jen), a segunda ao “homem             transcendente” (Cheun-jen). O acesso ao estado de “homem             transcendente” supõe o de “homem verdadeiro”,             que o antecede. Este último seria o ser (ontologia) obtido             por meio da iniciação, que por sua vez tem que se dissolver             na infinitude do não-ser (metafísica), ou seja, voltar             a morrer e renascer. 
          Na primeira etapa o aprendiz             tem que se abandonar e abandonar o mundo da leitura profana e nascer             para a realidade simbólica. Esse rechaço do mundo profano             implica uma morte (dissolução) e um renascimento, aonde             se vai formando o ser (coagulação), ou seja, o Conhecimento.             Posteriormente, esse ser deve, de novo, dissolver-se em uma lúcida             ignorância e assim poder gerar uma autêntica nova vida             interior, nascida dos planos mais sutis da consciência e de             um conhecimento que se basta por si mesmo. Isto é, se a graça             de Deus, acrescentando sua sede de saber, permiti-lo. Por outra parte,             este é o esquema dialético e prototípico da             Alquimia. E estas duas operações básicas de             dissolução-coagulação se repetem muitíssimas             vezes no processo iniciático (ou alquímico) como ciclos             pequenos girando dentro de ciclos grandes; e é de se notar             que quanto mais se repitam, mais redundarão em bem do aspirante,             que deve considerar que se encontra em presença de bons sinais             quando estes fenômenos ocorrem. 
          O taoísmo (extremo             oriental) é brando e dissolvente. Os chineses e seus descendentes             culturais sublinham o metafísico; ao contrário, os             mediterrâneos e sua área de influência (ocidental)             fazem insistência no ontológico e cosmológico.             Neste sentido, podem ser consideradas complementares estas duas tradições,             em um processo de realização interior, e também             serem conjugados seus ensinos e métodos com amplo benefício.             Mas ambas as tradições consideram as duas iniciações             sucessivas, referidas aqui. O estudante deve investigar não             só na Alquimia ocidental (mineral), mas também na chinesa             (vegetal). 
          Na tradição             judaica (e árabe) o “homem verdadeiro” é Adão,             fala-se de um jardim virginal primordial, que se corresponde com             um estado análogo original da consciência; estado ao             qual o neófito pode aceder em virtude da primeira iniciação.             O homem transcendente é representado por Enoch, arrebatado             ao céu em um carro de fogo, que ainda está vivo e constitui             o protótipo histórico de todos aqueles que realizaram             o Conhecimento em si mesmos, ou seja, a transmutação             alquímica em seu grau mais elevado. No cristianismo, esta             diferenciação é a que há entre o João,             o batista, e Jesus, e suas distintas funções, associadas             igualmente com o religioso e com o metafísico; o primeiro             batizava com água, o segundo com fogo. 
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     | 64 | ANGEOLOGIA  II 
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 |        Dizer anjo quer dizer imagem.           A imaginação não deve entender-se aqui como a           faculdade que produz o imaginário, o irreal, mas sim o ato pelo           qual se faz real o mundo das Formas e Figuras. O mundus imaginalis se           situa no tempo mítico da percepção visionária           e revelação profética. Como diz o poeta e pintor           do século XVIII, William Blake, "quem não pode imaginar           de uma maneira mais real o que seu olho mortal pode ver, não           imagina do todo". 
          O criador de imagens (nome             que se dá ao devoto do islã), identifica-se com a luz             interior dos seres e das coisas do mundo Natural, e com as idéias             e arquétipos do mundo Ideal. 
          Esta imaginação             ativa é uma faculdade do Intelecto ou órgão             do Conhecimento, e conduz à Inteligência do Coração,             objeto do Conhecimento interno direto. 
          Os arcanjos, como faculdades             cognitivas que são, associam-se a estas funções.             A imaginação ativa ao arcanjo Gabriel (anjo Espírito             Santo) que no cristianismo é o anunciador da encarnação             do Verbo; a inteligência do coração, ou intelecto             puro, ao arcanjo Miguel (ou Christos-angelos), cujo nome significa "igual             a Deus". 
          Na Árvore Sefirótica  da             Cabala, segundo algumas versões tradicionais, Miguel ocupa             o centro (Tifereth ); Gabriel o Fundamento (Yesod ) e Metatrón  o             pólo ou a coroa (Kether ). Este último é denominado             o “YHVH menor” e é o arcanjo que aparece a Moisés             no meio da sarça. Metatrón  é a mesma             palavra "que abre o reino supra-celestial"; é o espírito             da visão que anuncia um Deus que virá; o que em termos             gerais é válido para qualquer energia imaterial e luminosa,           quer dizer, Angélica.
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     | 65 | EXERCÍCIO           PRÁTICO |  |       | 
 | Algo que             se deseja recomendar é a leitura em voz alta como exercício             fecundo para se carregar interiormente. Comece a ler com suma claridade             e voz forte, e espaçadamente, qualquer parágrafo deste             Programa. Faça-o entendendo perfeitamente o que lê e             acompanhando com sua voz (e até com seu gesto) o texto. Se             tiver em sua casa um gravador, permita-se utilizá-lo e registrar             nele sua leitura. Não só ouvirá vibrar sua voz,             mas também sentirá a aliviada e marcial sensação             de estar novamente levantando âncora como um privilégio             concedido a sua decisão responsável. Diga-se para si             mesmo: “Voto a Hércules! Adiante com a navegação!” Além             disso, você deve ter em conta que cumpre uma função,             que esta longa efetivação de um processo interno, esta             iniciação no Conhecimento por mediação             da alquimia anímica e espiritual, que nosso Programa oferece, é parte             de nosso destino individual. Uma alternativa que começa a             se realizar em obras e se manifesta de acordo com a nossa capacidade,             tanto de compreensão, quanto de expressão, para que             possamos reconhecer em seus rastros o que é aquele Destino             para o qual fomos chamados.   | 
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     | 66 | MINUTA |  |       | 
 |        Ser pobre, na verdade, é ter             medo à pobreza, ou desejar possuir, qualquer sejam os meios             com os quais contemos. Igualmente ser rico é não ambicionar             o que não se tem; o que é o mesmo que estar de acordo –e             não resignado– com o que se é, seja o que for             ou possua o que possuir. 
          Realmente, quando mais               se sabe, mais se esquece o aprendido. Deus é permanente               novidade. A posse da psique pessoal é a expressão               mais clara do engano de nos perceber de modo individual. Na deidade               não há solidão nem medo.
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     | 67 | O HORÓSCOPO 
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 |        O horóscopo nos permite           determinar a posição dos planetas e das estrelas nos           signos e casas zodiacais, em um dia e uma hora concretos. Costuma-se           fazer o cálculo para observar os aspectos astrais no momento           do nascimento de uma pessoa, em cujo caso se denomina “carta           natal”; mas também se poderia realizar a partir de qualquer           outro acontecimento, especialmente significativo, do qual queiramos           saber suas influências celestes. 
          É necessário,             para poder elaborá-lo, terem claros e precisos o dia e a hora             que vamos analisar, e o lugar, do qual teremos que obter sua latitude             e longitude; também possuir uma tabela de posições             planetárias denominada “efemérides”; uma             tabela de casas em que se possa ver a posição destas             na latitude do lugar que se observa; e uma tabela de logaritmos.             Estas pranchas podem ser adquiridas em livrarias especializadas. 
          A maioria das pranchas –especialmente             nas que podemos conseguir hoje em dia no Ocidente– apóiam             seus cálculos na hora de Greenwich e dão seus dados             ao meio-dia; é necessário, pois, transpor os resultados à hora             e lugar em questão. 
          Feitas estas observações,             daremos uma idéia geral de como elaborar o horóscopo:
 
Vejamos como traçar,           caso a posição resultante fora, por exemplo, a seguinte:             | a) | Trace                 com seu compasso um círculo e divida-o em doze segmentos                 de 30º cada um, tal como se mostra nos gráficos das                 páginas seguintes. |               | b) | Obtenha                 a “hora sideral” do lugar e do momento que lhe interessam,                 seguindo as instruções que nas mesmas pranchas –ou                 em livros de Astrologia– poderá encontrar. Calcule                 o intervalo transcorrido entre no meio-dia anterior e a hora                 que investiga. Para a colocação dos planetas, que                 faremos em seguida, obtenha o logaritmo desse intervalo. |               | c) | Abra                 sua “tabela de casas” na latitude correspondente                 e olhe a coluna “Tempo Sideral” em que se vêem                 horas, minutos e segundos. Procure nesta coluna o “tempo                 sideral” que lhe interessa, e ali poderá observar,                 nesse tempo, e na latitude em questão, as cúspides                 das 10ª, 11ª, 12ª, 1ª, 2ª e 3ª casas.                 Trace em seu diagrama os signos e os graus que lhe indica a tabela,                 e nos pontos opostos marque as cúspides das 4ª, 5ª,                 6ª, 7ª, 8ª e 9ª casas, respectivamente. |  
 
             | Casa 10.ª | 15° Libra | Casa 4.ª | 15° Áries |               | Casa 11.ª | 20° Escorpião | Casa 5.ª | 20° Touro |               | Casa 12.ª | 26° Sagitário | Casa 6.ª | 26° Gêmeos |               | Casa 1.ª | 6° Capricórnio | Casa 7.ª | 26° Câncer |               | Casa 2.ª | 18° Aquário | Casa 8.ª | 18° Leão |               | Casa 3.ª | 14° Peixes | Casa 9.ª | 14° Virgem |  
            Ficam, desta forma, desenhados             os signos zodiacais e as casas. A cúspide da 10ª casa é chamada             meio do céu; a da 4ª casa, fundo do céu. A da             1ª é o signo ascendente e a da 7ª o descendente. 
          Vejamos agora como se inserem             os planetas. Utilizaremos a tabela das “Efemérides” que             nos dará a posição de cada planeta em Greenwich             e ao meio-dia, e teremos que transpor ditas posições             ao lugar e a hora que estamos observando. Para isso, será necessário             obter o logaritmo dos graus e dos minutos em que se encontrava cada             planeta no meio-dia anterior à hora que procuramos, conforme             nos mostre a tabela, e adicionar em cada caso o logaritmo permanente             que obtivemos do intervalo transcorrido entre o meio-dia anterior             e a hora que se investiga. O logaritmo resultante da soma de ambos             deverá, agora, converter-se em graus e minutos. Repetindo             esta operação com cada um dos planetas, obter-se-ão             suas posições exatas. Uma vez obtidas as posições             dos planetas em graus e minutos, vejamos como se inserem no gráfico             anterior, que já nos mostra a cúspide das casas e a             posição dos signos zodiacais. Unicamente utilizaremos             os graus, “arredondando” os minutos e segundos. Suponhamos             que a posição dos planetas resulte a seguinte:
 
Isto se insere no gráfico           da seguinte maneira:             | Saturno: | 0° Sagitário |               | Júpiter: | 22° Leão |               | Marte | 18° Aquário |               | Sol: | 23° Touro |               | Vênus: | 3° Câncer |               | Mercúrio: | 9° Gêmeos |               | Lúa: | 4° Câncer |  
 
            Você já tem,             em seu gráfico, os elementos necessários para começar             a fazer os outros cálculos e interpretações.             Para isso, deverá ter em conta os significados que demos dos             signos zodiacais, das casas e dos planetas, assim como as influências             de cada um deles conforme se encontrem em um ou outro dos signos             e dos “aspectos” dos planetas entre si. 
          Pela natureza deste manual,             vemos-nos obrigados a dar uma explicação esquemática             e sintética da confecção do horóscopo,             que obrigará o estudante a investigar sobre o manejo das pranchas             que mencionamos e a exercitar-se, retificando, até obter o             cálculo e a interpretação adequados. É este             um trabalho que recomendamos, pois ao nos conectar com a harmonia             e com o ritmo das energias celestes, e ao nos permitirem observar             suas influências na terra, ajuda-nos a desempenhar o papel –que             sempre se atribuiu ao homem verdadeiro– de intermediário             entre o céu e o terrestre, e vice-versa.
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| 68 | NOTA |  |       | 
 |        No Módulo II, título N.º 65 , falamos a respeito             da alimentação. Sem excluir nada do que ali se diz,             agora nos referiremos deste modo a certos temas conexos e aos enganos             que podem derivar deles, a ponto de se constituírem em dificuldades, às             vezes insolúveis, no caminho do Conhecimento. Dois exemplos             bem nítidos são o preconceito "naturista" e o impedimento             materialista. O segundo está intimamente ligado com a versão             que o homem moderno tem de si mesmo e de todas as coisas, e corresponde,             em termos gerais, à forma de ver da sociedade contemporânea,             associada deste modo com a leitura literal e programada que este             homem histórico tem do cosmo. O primeiro, vale dizer, o preconceito "naturista", é próprio             de certas pessoas e grupos que pretendem "melhorar" sua situação             individual dentro do caos que nos tocou viver. A ele nos referiremos             agora, pois muitas das pessoas interessadas nos temas da Metafísica             e do autêntico Conhecimento, ou seja, aqueles que têm             uma inquietação interior, vêem-se freqüentemente             tentados por certos atrativos que lhes oferece uma vida mais "pura", "natural" e "saudável". 
          Haveria que se perguntar,               desde o começo, o que se entende pelo hoje chamado "natural" e               que conceito se possui na atualidade sobre a natureza. 
          É bem sabido               que, para as sociedades tradicionais e primitivas, que por certo               são as que vivem integradas no cosmo e palpitam junto com               os ritmos e com os ciclos naturais, em um plano perfeitamente universal –e               ecológico–, a natureza não é o que os               modernos supõem, ou seja: a superfície da paisagem               ou hipotéticas questões vinculadas com a "saúde",               da que também cabe perguntar-se: o que se entende por tal? 
          Por outro lado, alguns               alimentos específicos são considerados como "bons" ou "maus" de               acordo a determinadas pautas que arbitrariamente fazem do "natural" seu               lema, e de sua saúde "ideal", em uma verdadeira cruzada               do tipo moralista e fanática, sem terem os conhecimentos               elementares necessários para isso, e sem estarem informados               da história e da cultura dos distintos povos que habitam               desde sempre o mundo. É muito importante destacar que em               nenhum texto sagrado das diferentes tradições se               toma à alimentação como tema fundamental,               e em geral nem o mencionam, já não como requisito               prévio para alcançar determinados estados de consciência,               nem mesmo de autêntica saúde corporal, senão               que, em certos livros sacros, como o Evangelho cristão,               esclarece-se que o importante não é o que entra pela               boca, mas sim o que sai do coração do homem. 
          Um caso muito difundido é o               da prédica vegetariana. De fato nenhuma tradição –a               hebraica, a cristã, a islâmica, a budista, a taoísta,               etc.– salvo a hindu, pratica o vegetarianismo, ao que seus               seguidores constituíram em um culto de que são devotos               de uma maneira quase moral. Por certo que são muito bons               os vegetais, como também todas as coisas que Deus pôs               a disposição do homem; mas a exclusão de umas               em benefício de outras, como se umas fossem "boas" e outras "más",               fazem dessa forma de ver unilateral algo muito parecido às               civilizações dessacralizadas ou profanas, e não às               autênticas doutrinas tradicionais. Sobretudo, quando cai               em extremos de acreditar e tratar de impor ao extremo a idéia               de que só as verduras e frutas cruas são os alimentos               autenticamente sãos, apreciação de maneira               nenhuma verificável ao se ter que levar uma dieta prolongada               desta natureza, com as moléstias e inconvenientes que conduz.               Neste sentido, certas práticas e concepções               de origem hindu, igual que outras derivadas do Hatha Yoga,               próprias de simples faquires que pretendem fazer passar               suas práticas como autêntica espiritualidade, são               consumidas de maneira literal e vividas de modo pseudo-místico               e de forma fanática, tanto no Ocidente, como no Oriente,               assim no próprio seio da Índia atual, onde numerosas               seitas de origem confusa e pensamento sincrético, muito               influídas também pela cultura moderna, pregam determinados "ensinos" (e               isto ainda nas cidades sagradas à beira do Ganges) que têm               filiados em todos os países da Europa e da América,               que são impedimentos sérios para a obtenção               do Conhecimento quando estas prédicas e exercícios               são tomados de maneira estritamente linear. 
          Acreditamos que o "natural" tem               que ser transcendido para poder dar lugar ao sobrenatural.
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     | 69 | CABALA 
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 | A           seguir oferecemos um singelo “talismã” numérico           (recordemos que os números são também letras)           baseado na Estrela de Davi ou Selo Salomônico, emblema de Israel.     Poder-se-á observar que       a soma das seis fileiras de números dão um mesmo resultado:
 
 
             | 4 + 7 + 9 + 6 = 26 |  | 6 + 5 + 12 + 3 = 26 |               | 1 + 11 + 12 + 2 = 26 |  | 4 + 8 + 11 + 3 = 26 |               | 1 + 8 + 7 + 10 = 26 |  | 10 + 9 + 5 + 2 = 26 |  Igualmente, a soma dos números colocados nas pontas da Estrela dá 26 (13 para os dois extremos do eixo vertical e 13 para os 4 restantes). Este número, como sabemos, é particularmente importante na Cabala hebraica –e em outras tradições– e corresponde à soma das letras do Supremo Nome Sagrado YHVH, decomposto desta maneira:
 
 
 
       | Y = 10, H = 5, V = 6, H = 5. Total = 26 |  Por outra parte, a soma do   hexágono interior dá 52 (26 x 2), os quais adicionados aos 26   exteriores dão 78 (26 x 3), como o total de todos os números   da figura. Queremos recordar que este é o número de cartas que   possui um jogo completo do Tarô.
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     | 70 | GEOMANCIA 
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 |        Respeitamos o nome Geomancia,           com que se acostumou a conhecer esta ciência, embora, rigorosamente,           corresponder-lhe-ia o de Geologia, com o qual o homem contemporâneo           designa uma disciplina nascida no século passado [N.T.: Século           XIX]. Em chinês é chamada Feng-Shui e estuda as           energias da natureza, em sua íntima relação com           a terra, e por certo que esta ciência está estreitamente           vinculada com a Geografia Sagrada. Na realidade, todos os povos e sociedades           tradicionais utilizaram a geomancia com o fim de situar em determinados           lugares e pontos chave tanto suas cidades, como seus templos ou casas           de culto, e da mesma forma suas moradias. 
          Para uma mentalidade tradicional,             tanto a terra como o céu estão perfeitamente vivos             e se expressam constantemente por mediação das energias             que continuamente os formam. A terra respira, pare, resplandece,             e adquire formas distintas em diversos lugares, assinalados por diferentes             fenômenos (montanhas, vales, planícies, rios, cascatas,             etc.), que são símbolos de idéias arquetípicas,             ou melhor, de "outras coisas" existentes também no mundo do             invisível, do espiritual. Por certo que estas concepções             hão de se pôr em direta conexão com a idéia             da analogia entre o macrocosmo e o microcosmo, a que vê na             terra um ser vivo, sensível e gigantesco, expressão             natural, como o homem, de um Ser Supremo, oculto em sua própria             criação. Motivo pelo qual as energias cósmicas,             e neste caso especial as telúricas, são igualmente             os condutos pelos quais se manifesta a divindade e, portanto, assinalam             lugares específicos de comunicação terra-céu.             Esta circulação da energia, em ambos sentidos, é o             que caracteriza, igualmente, à Geomancia como arte divina-tória,             e a que busca por seu intermédio a localização             adequada do ser humano no indeterminado e amorfo, instaurando uma             ordem no caos. Uma das variantes secundárias desta ciência             (ou arte) constitui-se na figura do Zahori [N.T.: Geomante             ou rabdomante], que é o encarregado de encontrar água,             ou corrente de energias benéficas (aproveitáveis),             utilizando para isto um bastão ou um pêndulo.
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     | 71 | FILOSOFIA PERENE 
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 | Algumas           pessoas, de formação exclusivamente profana, talvez pudessem           se surpreender com a existência de uma "Filosofia Perene", ou           seja, de uma série ordenada de conhecimentos inter-relacionados,           de uma doutrina (jamais de um dogma), capaz de explicar aos homens           sua própria natureza e a do mundo em que vivem. Certamente que           esta "panacéia" universal, capaz de responder a todas           as perguntas, acalmar as angústias do mundo moderno e suprimir           o sofrimento provocado pela ignorância, não é uma           criação individual (nem muito menos "coletiva"), mas           sim a expressão de uma revelação espiritual direta,           obtida por distintas pessoas em diversos lugares, que reveste diferentes           formas próprias e que, sobretudo, acha-se presente na própria           entranha do ser humano e do cosmo em que este habita. Portanto, a revelação           destes conhecimentos arquetípicos não é só horizontal           e histórica, mas sim fundamentalmente vertical e eterna, como           são as "idéias", princípios que formam o mundo           e que se manifestam mediante leis universais, que foram conhecidas           de modo unânime pelas diferentes tradições que           formaram a História da humanidade ao longo de sua Geografia.           Esta simples observação, que qualquer leitor armado de           boa vontade pode constatar pessoalmente, supõe a idéia           de um modelo universal, de um jogo de estruturas imutáveis,           visíveis e invisíveis, sem as quais o mundo e o homem           não seriam. Eis a importância de conhecer a cosmogonia           como expressão simbólica da Inteligência Universal,           energia subjacente a qualquer manifestação, tal e qual           acontece com o pensamento, que antecede à palavra. Com efeito,           este jogo de estruturas essenciais se expressa simbolicamente, e é por           meio desses simbolismos, e de suas analogias e equivalências,           que podemos entender a realidade última do cosmo e sua instância           final: sua natureza incriada e, no entanto, sempre atuante. É este           legado herdado das grandes tradições da Antigüidade           uma autêntica cosmogonia arquetípica que, como tal, corresponde-se           com as distintas simbólicas arcaicas, mediante as quais se expressa,           reatualizando deste modo a realidade do mundo atual que, ainda órfão           de todo conhecimento verdadeiro, segue constituindo uma autêntica           teofania para todos aqueles que são capazes de compreendê-lo.           Ademais, deve-se dizer então que se dedicar ao estudo das disciplinas           tradicionais, e efetuar suas práticas com o propósito           de despertar as potências adormecidas da alma, constitui um método           apropriado do Conhecimento.  | 
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     | 72 | SIMBOLISMOS DE PASSAGEM 
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 |        Agartha propõe uma           total conversão de nosso modo ordinário de ser e uma           busca perseverante de outros estados mais sutis aos quais devemos aportar.           A aventura do Conhecimento, como vimos, é representada como           uma viagem ou uma peregrinação ao Centro do Ser, para           a Cidade Santa, ou seja, para nossa própria interioridade. Essa           viagem, cheia de peripécias e perigos nos permite "passar",           paulatinamente, a outras regiões mais internas, e cada um desses "passos" supõe           uma "recordação", cada vez mais nítida, do Si           Mesmo, da verdadeira identidade que permanece imóvel no meio           de nosso próprio coração. De fato, todo símbolo           sagrado, por sua condição veicular, supõe a possibilidade           de uma "passagem", pois tem a característica de poder transportar           o homem da realidade material que lhe mostram os sentidos para a verdade           interior que se oculta detrás da aparência formal das           coisas e dos seres. O símbolo toca os sentidos permitindo que,           a partir dessa percepção sensível, elevemos-nos           por seu intermédio para as regiões invisíveis           que ele mesmo representa, tornando possível, portanto, a "passagem" a           outros estados e graus de consciência e de vida. 
          A ascensão e o descenso             perpétuos que o Ser realiza pelas esferas da Árvore Sefirótica  supõem             uma "passagem" pelas vias que comunicam as distintas sefiroth  entre             si, sendo, de acordo à Cabala, 22 os caminhos que temos que             cruzar (ver Módulo II, título N.º 28 ),             relacionando-se cada um deles com uma letra do alfabeto sagrado e             com uma lâmina dos arcanos maiores do Tarô. 
         Há certos símbolos,             queremos agora destacar, que se referem especificamente a estas "passagens" que             têm que ser produzidas durante o processo da realização             da Grande Obra. Estes, como o do Octógono, o da Porta, o atravessar             as águas e o da Escada, poderão nos mostrar como realizar             essas travessias pelas comarcas da mente universal. Os pensamentos,             cada vez mais sutis, guiados por estes caminhos arquetípicos,             levar-nos-ão por passadiços mais e mais estreitos,             que desembocarão finalmente no En Sof, o nada ilimitado             no qual só é o eterno repouso. "Através de Mim           conhecereis o Pai".
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     | 73 | AS TRADIÇÕES ARCAICAS 
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 |        Aqui e ali, em distintos           lugares do mundo, convivendo com a civilização moderna,           podem se conhecer distintos grupos que ainda vivem virtualmente na "idade           de pedra" ou na de "bronze", segundo o vocabulário (jargão)           da "ciência" atual. Estes povos que ainda conservam fragmentos           mais ou menos completos de suas tradições originais e           vivem de acordo com elas, são denominados "primitivos" pela           ciência oficial, ao se lhe escapar o sentido de seus costumes           e de seus ritos, e ao não poder compreender a mentalidade tradicional,           que vê na natureza uma imagem do supra-natural e no mundo e no           homem uma série de energias invisíveis que constantemente           o determinam; portanto, tem-se suposto que estes seres, aos quais se           considera completamente faltos de inteligência, como estúpidos,           ou no melhor dos casos meninos que não podem sair de sua pretendida           ignorância, constituem uma espécie quase diferente, como           de humanóides, muito próxima dos macacos, existente antes           de que o homem tivesse podido ser tal graças aos adiantamentos           e ao progresso instaurados pela ciência. 
          Tal acontece porque um             investigador das tradições arcaicas, que é um             cético em matéria metafísica e considera a presença             animada da deidade como algo pouco sério, jamais poderá entender             esse mundo arcaico, e igualmente acontece com aquele que tem de Deus             uma idéia exclusivamente religiosa ou de tipo moral. Com muita             freqüência, estes dois tipos de estudiosos são             os que dirigem a informação oficial, não entendendo             eles próprios que sem a vivência íntima do sagrado é quase             impossível a compreensão do que se acredita ser uma             mentalidade tradicional. Uma pessoa, que nega o plano invisível             ou espiritual, verá nos símbolos só elementos             utilitários do tipo literal; por outra parte, um indivíduo             religioso-moral quererá ver só o que é "inferior" a             suas crenças, o que desprezará como lixo, ou se adotará o             direito de perdoar a barbárie, ou o que ele supõe é um             paganismo ignorante e supersticioso, incluídos os antigos             ritos gregos iniciáticos de Elêusis e os "oráculos" de             Delfos e o de Zeus, em Dodona do Epiro. 
          Na verdade, este tipo de             critério poderia melhor ser aplicado aos habitantes das grandes             cidades, os que, de acordo com a programação do mundo             contemporâneo, só aparecem como autômatos, positivamente             escravos de seus condicionamentos culturais infligidos pela falsa             religião da "ciência", o que equivale a institucionalizar             definitivamente a ignorância. 
          As grandes civilizações             são na realidade uma degradação do pensamento             tradicional, onde este, paradoxalmente, alcança seu maior             brilho, antes de sepultar-se com seu próprio ciclo. E pelo             contrário, certos povos arcaicos ainda conservam a "ingenuidade" e             o frescor das origens. Deveríamos, nesse caso, perguntar-nos             quais são os "ignorantes", ou os "primitivos", e que autoridade             pode adjudicar, no mundo moderno, respeito a qualquer classificação             em cada ramo de sua "ciência". Nada sabem os representantes "oficiais" do             pensamento moderno, e às vezes se chega ao caso de alguns             que tomam sua própria ignorância –que deveria             lhes envergonhar– como um avanço com relação             a um novo mundo do qual, através de sua incapacidade –institucionalizada             como uma objetiva postura científica–, eles seriam a             vanguarda construtora. 
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     | 74 | ASTRONOMIA-ASTROLOGIA 
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 |        A astronomia é a mais           antiga de todas as ciências e é a que determina uma civilização           em sua origem, como o tem feito com todas as da Antigüidade. Efetivamente,           o estudo dos ciclos e dos ritmos dos astros gera as pautas em que se           fundamentará o pensamento religioso, político e econômico,           toda a cultura, afinal, de uma sociedade. A partir daí é possível           tirar conclusões particulares, baseadas em cálculos,           relações e analogias, que se correspondem com um conceito           reiterativo e circular do tempo, que dá lugar às predições           sobre acontecimentos cíclicos e, portanto, reincidentes, que           são estudadas pela astrologia, ou astronomia judiciária           (como se lhe chamava na antigüidade). O ciclo mais curto e mais           fácil de observar é o lunar que, em 29 dias e fração           (28 dias para o pensamento antigo, dividido em 4 semanas de 7 dias),           realiza um percurso e retorna ao mesmo ponto. Isto, sem considerar           o percurso do sol no dia, ou seja, a diferença que existe entre           o dia e a noite. Também a lua admitiu o estudo de ciclos maiores,           o de seus eclipses que, conforme observaram os caldeus, produziam-se           na mesma ordem depois de 223 meses lunares. O mais importante destes           ciclos maiores dos astros é o da precessão dos equinócios,           que se reitera a cada 25.920 anos (26.000 em números "redondos")           estabelecido para a cultura ocidental por Hiparco, de Nicéia,           e outros sábios tradicionais. Chama-se abóbada celeste,           ou firmamento, uma semi-esfera cuja linha de contato com a terra é o           horizonte, e cujo centro se encontra no olho do observador. Se este           se mover, o horizonte se desloca. Igualmente, se o espectador contempla           um astro, a reta ou raio visual que vai ao centro do astro, determina           um ponto na abóbada celeste, que é a projeção           do astro sobre ela, e como a distância que vai da terra aos distintos           astros é imensa (recordemos que a que separa a nosso planeta           do sol é de 150 milhões de km), em relação           com o diâmetro da terra (6.378 km), supõe-se que os astros           se movem em uma esfera ideal, de raio indefinido, denominada “esfera           celeste” e cujo centro, do mesmo modo, encontra-se no olho do           contemplador. Na realidade, o que o observador vê são           as projeções dos astros sobre o firmamento e não           os deslocamentos verdadeiros dos astros. Além disso, considera-se           a terra como um ponto coincidente com o centro desta esfera celeste.           Pelo que se pode verificar, que até a astronomia atual sustenta,           e parte do ponto de vista geocêntrico, ou melhor, antropocêntrico,           para construir todas suas especulações –e não           poderia ser de outra maneira– em que pese que a ignorância           e a vulgarização geral ponham uma ênfase pomposa           e vaidosa sobre o heliocentrismo (perfeitamente conhecido pela           antigüidade, conforme pode ver-se no papel primitivo atribuído           unanimemente ao sol) como conquista científica, antes da qual           nada se sabia de astronomia. Quer dizer que os que rechaçaram           Nicolau Copérnico (autor de De Revolutionibus, publicada           em 1543, em que sustentava o heliocentrismo, baseado precisamente na           astrologia antiga) são os mesmos ignorantes que afirmam enfaticamente           hoje seu sistema como oficial, sem compreendê-lo, e sem saber           inclusive que a astronomia atual se fundamenta na terra e no homem,           e em nenhum momento toma um ponto de vista alheio a eles, o que por           certo seria totalmente absurdo e impossível. Vale o mesmo uma           descrição geocêntrica ou antropocêntrica           da terra (comparada com a heliocêntrica) e na prática           a astronomia atual a segue utilizando; o mesmo aconteceu com relação           a Einstein e ao fenômeno da luz. Entretanto, é tal a confusão           do mundo moderno e nossos contemporâneos "cientistas" que são           previsíveis suas aberrações e anomalias hoje computadorizadas,           fomentadas pela má fé e pelo mesmo ódio que levou           a proibir a obra de Copérnico (e, pouco mais tarde, levaram           Giordano Bruno à fogueira e obrigaram Galileu a abjurar) um           dos sábios herméticos e esotéricos do precisamente           chamado Re-nascimento em relação com as culturas da Antigüidade. 
          Nota: Embora as claves             ou chaves das antigas ciências astrológicas parecem             ter sido perdidas, os fragmentos que nos legaram permitem a especulação,             e em muitos casos nos assombram com a justeza de suas interpretações             na aplicação aos fatos cotidianos da existência. 
          De todos os modos, quer             se deixar claro que a Astrologia (derivada da Astronomia) é um             simbolismo perfeitamente válido, como qualquer outro, para             tratar de descrever e "apreender" a "realidade" sempre multifacetada             e pluridimensional. Um sistema classificatório de noções             inspirado nos movimentos cíclicos e rítmicos dos céus             e suas influências determinantes no mundo e no homem. Uma ciência             tal, estudada sob a luz da Tradição Hermética, é um             instrumento a mais na busca do Conhecimento. | 
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     | 75 | AS TRADIÇÕES 
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 |        Ao longo de nosso Programa           nos referimos com freqüência a muitas das tradições           ainda vivas ou já desaparecidas. E sempre destacamos o fato           de que nessas tradições existe uma identidade quanto           a seus símbolos, ritos e mitos principais, pois todas elas emanam           de uma só e única Tradição, chamada primordial           precisamente por sua condição essencialmente vertical           e supra-histórica, o que lhe permitiu subtrair-se às           mudanças do devir cíclico, conservando integralmente           o Conhecimento (a Gnose) e a possibilidade permanente e salvífica           de poder ser encarnado pelo homem de qualquer tempo e lugar. Isto vale           também para nossa época em que, apesar de sua extrema           obscuridão, ainda seguem vivas em diferentes lugares da Terra           determinadas culturas tradicionais que não perderam seu vínculo           com a Tradição Primordial, outorgando a influência           espiritual-intelectual imprescindível para iniciar o caminho           que nos leve a realização interior e à identidade           com o Si Mesmo. 
          Entretanto, não             podemos desconhecer o fato de que todas as tradições             atuais sofrem, em maior ou menor medida, uma degradação             com respeito ao que foram seus valores originais, embora essa degradação             afeta mais à forma exterior de que necessariamente se revestem             (e que não é alheia às condições             espaço-temporais), mas não ao seu fundo, ao seu núcleo             e essência metafísica revelada através de seus             códigos simbólicos. 
                                    
             | – | Por                 um lado temos às três tradições abraâmicas:                 o judaísmo, o cristianismo e o islã, também                 chamadas as "tradições do Livro": a Bíblia                 para as duas primeiras e o Corão para a terceira. Dá-se                 a circunstância de que nestas tradições o                 aspecto religioso ou exotérico prevalece há muito                 tempo sobre seu esoterismo (a Cabala para o judaísmo e                 o sufismo para o islã), o que é virtualmente desconhecido                 para a grande maioria de seus praticantes, apegados à letra                 mas não ao espírito de sua tradição.                 Não obstante, nestas tradições subsistem                 ainda pequenos grupos ou individualidades que continuam transmitindo                 os ensinos do verdadeiro esoterismo a pessoas que o buscam com               retidão de coração. |               | – | A tradição                 hindu é de todas as existentes a que talvez conserva de                 maneira mais completa a doutrina metafísica, expressa                 fundamentalmente através dos Vedas e dos Upanishades,                 que como todos os livros e textos sagrados estão inspirados               diretamente pelos deuses, quer dizer que sua origem é não-humana. |               | – | O budismo em suas                 duas grandes versões: hinayana (ou "pequeno veículo")                 e mahayana (ou "grande veículo"). Neste último é onde                 se mantiveram com maior pureza os ensinos do Buda, sendo o que                 penetrou no Tibete procedente da Índia, onde incorporou                 elementos das tradições nativas, dando lugar ao                 lamaísmo. Atualmente o budismo lamaísta não                 só está expandido pelo Oriente, mas também               por diferentes cidades da Europa e da América. |               | – | O taoísmo                 nasce da antiga tradição chinesa ou extremo-oriental,                 da que constitui seu aspecto mais autenticamente metafísico                 e cosmogônico, anotando que também existe uma alquimia                 taoísta (tal qual uma alquimia hindu) com muitos pontos                 em comum com a alquimia ocidental. Na mesma China surgiu o zen,                 ou zen-budismo, nascido da síntese entre o taoísmo                 e o budismo mahayana. Atualmente a escola zen está arraigada                 sobretudo no Japão, país que por outro lado segue                 conservando sua antiga tradição, o shinto,               de características muito similares ao confucionismo chinês. |               | – | Deste modo temos                 que considerar a presença da grande tradição                 pré-colombiana, ainda viva, embora de forma fragmentária,                 ao longo de toda a América, assim como constatar a existência                 do jainismo hindu e dos parsis zoroastrianos, sem esquecer os                 numerosos povos "primitivos" da África e da Oceania, que                 em termos gerais constituem todas aquelas culturas mágico-religiosas                 que se incluem no que se entende, ou melhor, que mal se entende,               por "xamanismo". |               | – | Mas é particularmente                 na Tradição Hermética onde pomos nossa ênfase,                 já que esta síntese própria dos povos ocidentais –e                 a mais apropriada para eles–, não é de maneira                 nenhuma um sincretismo por ter uma origem múltipla (como                 tampouco pode ser considerada tal a tradição de                 gregos e romanos, nascida do pensamento egipcio-caldeu, ou o                 islamismo, entroncado diretamente com Israel e o cristianismo,                 ou o budismo, emanado do hinduísmo, etc.), mas sim uma                 tradição viva, que inclusive pode ser rastreada                 historicamente ao longo da formação da Europa e                 da América, que deu inumeráveis adeptos da Arte:                 alquimistas, astrólogos, artistas e filósofos,                 que de maneira ininterrupta nutriram e marcaram a vida do Ocidente,                 criando instituições, que como no caso da Franco-maçonaria,               resguardam o conteúdo da Tradição Unânime. |  | 
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     | 76 | A PORTA 
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 |        "Tinha um muro grande e alto           e doze portas, e sobre as doze portas, doze anjos e nomes escritos,           que são os nomes das doze tribos dos filhos de Israel: da parte           do oriente, três portas; da parte do norte, três portas;           da parte do meio-dia, três portas, e da parte do poente, três           portas" (Apocalipse XXI,12-13). 
          O despertar gradual da             consciência pode ser visualizado como a abertura de portas             que permite que o pensamento "passe" a outras regiões e que             o adepto vá conhecendo os graus invisíveis do ser.             A porta supõe sempre uma saída e por sua vez uma entrada,             pois quando a atravessamos saímos de um espaço mental             para ingressar em outro; e são várias as que temos             que cruzar, cada vez mais estreitas, durante o processo da transmutação.             A Iniciação nos Mistérios abre a porta que separa             o mundo ordinário e profano daquele outro, sagrado, onde o             espaço e o tempo recuperam sua verdadeira significação. 
          Já nos referimos à Porta             dentro do simbolismo construtivo, e queremos agora fazer certas observações             sobre a "passagem" que este símbolo evoca. Vimos o templo             como modelo do cosmo e como símbolo do espaço interior             do homem. Sua porta exterior serve de separação –e             por sua vez como ponto de união– entre o átrio –onde             preponderam a multiplicidade e o caos do mundo ordinário– e             o espaço interno, no qual reinam a ordem e a harmonia do sagrado             e significativo. O iniciado, graças aos rituais que o qualificam             para entrar, atravessa essa soleira, morrendo aos estados inferiores             e exteriores e renascendo a uma vida interior em que as possibilidades             superiores despertam. 
          Esta Iniciação,             ou porta de entrada aos mundos invisíveis, está representada             na Árvore Sefirótica pela esfera 9, que por             sua vez se relaciona com a lâmina número 12 dos Arcanos             Maiores do Tarô. É interessante a relação             que podemos fazer entre esta esfera –Yesod, o Fundamento– e             o símbolo cristão de Pedro (que foi crucificado com             a cabeça para baixo, como é a posição             de "O Enforcado") que é a pedra de fundamento sobre a qual             a Igreja se levanta. Neste sentido não é casual que             seja o próprio Pedro o portador das chaves –ou claves– que             abrem as portas do reino dos céus. 
          Por outra parte, esta primeira             porta está também relacionada com o símbolo             da caverna e, em ambos os casos, o iniciado, uma vez que ingressou             no espaço interior, deve atravessar pelo labirinto que finalmente             o conduzirá –se não se perde– ao centro             ou coração do templo, no qual se localiza a ara ou             altar. No simbolismo cristão, vemos como neste espaço             central (guardando o cálice ou taça, espaço             vazio ou receptáculo da Shekhinah), há também             outra pequena porta que só o sacerdote abre e que cobre o             mistério dos olhos profanos. Esta porta se localiza em Tifereth –sefirah central             que temos que transpassar, nascendo de cima, para começar             a vislumbrar a realidade oculta sobre "a superfície das águas". 
          Havendo recebido o batismo             de água que abre a primeira porta, e uma vez realizado o percurso             horizontal e labiríntico entre essa porta exterior e seu centro,             ou coração, no qual se recebe o batismo de fogo, o             adepto tem que iniciar uma "passagem" axial, vertical e ascendente             pelo eixo invisível que conecta o altar com o ponto central             da cúpula –de Tifereth a Kether–.             Os ritos "primitivos" de subir a árvore, ou de subir pelo             poste ritual, exemplificam esta ascensão ao final do qual             o adepto terá que atravessar a porta mais estreita que se             acha simbolicamente na sumidade do templo. Este é o buraco             da agulha pelo qual não pode passar nenhuma riqueza individual.             A agulha, com efeito, é um símbolo mais do eixo e do             rito de enfiar uma linha na agulha, então, deve ser uma representação             desta "passagem" pela porta estreita. 
          O homem em sua busca do             Conhecimento tem que sair primeiro do mundo ordinário para             entrar em interior do templo; logo, deve se perder nos labirintos             para se encontrar novamente ao atracar no centro; daí, terá que             empreender a ascensão vertical em busca da sumidade e, finalmente,             deverá sair pela porta zenital do templo, ou cosmo, para o             supracósmico. Esta saída final é visualizada             como o desatar ou dissolver o nó que nos mantém atados à individualidade             e a um estado particular do ser, e sua conquista constitui uma fusão             absoluta com o todo. "Batei e se vos abrirá". 
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| 77 | O SÍMBOLO DO CORAÇÃO  II 
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 |        Sede para muitas tradições           do valor, do ânimo (alma) e da Inteligência criadora, análogo           no interior do ser humano ao Sol no macrocosmo, a luz e a vida nascem           dele como de uma só fonte, a imagem da origem: "luz e vida,           isso é o Deus e Pai (Noûs) de quem nasceu o Homem.           Se aprendes, pois, a te conhecer como feito de vida e luz, e que são           esses os elementos que te constituem, voltarás a nascer outra           vez." (Poimandres, I-21). 
          Não se pode amar             o que não se conhece, e nem todas as formas de união             são um reflexo cabal do Amor. 
          Pequeno todo, já que é o             centro do microcosmo, sintetiza o quaternário horizontal no             eixo vertical e difunde na construção o Não-ser             da mesma, sua identidade supracósmica, que ele reflete diretamente             segundo o eixo vertical e a que o ser conhece através de seu             próprio sacrifício (Olho do coração). 
          É a verdadeira Cidade             divina, onde reside indubitavelmente o autêntico Sujeito incondicionado             de todo Conhecimento; nele se acha o germe cujo desenvolvimento faz             efetivos os planos que o diagrama da Árvore da Vida simboliza,             pois é o verdadeiro atanor que absorve o inferior e             manifesta o superior; já que não há manifestação             sem centro, nem coisa alguma que careça de origem. O desenvolvimento             deste embrião ou semente, através das diferentes fases             da Obra, sempre alcança no coração uma atualização,             uma realização ou nascimento, pois também há quatro             leituras dele, do órgão físico até o             santuário onde se produz a união do criado e o incriado. É a             ara sacrifical e a oblação ou oferenda. 
          O Centro do Mundo é o             banquete do Si mesmo do qual todos podem alimentar-se sem que se             esgote, por isso foi simbolizado por uma Mesa em que se sentam os             deuses e os homens, seja na celebração de um céu             regenerado (Giordano Bruno: Expulsão da Besta Triunfante),             ou na de um matrimônio hierogâmico (as Bodas de Cadmo             e Harmonia, quando para a tradição grega aqueles compartilharam             o ágape pela última vez com os humanos); ou pela Távola             Redonda, em cujo centro se acha o Graal, ou a Mesa de Salomão             na Toledo hermética do Século XII, segundo a lenda,             coalhada de pedras preciosas que simbolizam o Zodíaco. 
          Também é a             terra pura, uma vez dissolvida a ignorância que por degradação             cíclica cobre o lugar das hierofanias, que sempre se dão             no "centro do mundo", inaugurando, se for necessário, um espaço             ou um tempo ao qual outorgam essa característica. 
          Este coração,             que é o receptáculo do vertical-espiritual, cuja influência             irradia no horizontal, exercendo assim de intermediário através             de seu vazio central, que o Éter simboliza, é também             o receptáculo guardado no sacrário do templo, construção             análoga a este, cuja tampa corresponde à abóbada             ou telhado, e que contém o alimento ou licor de imortalidade,             fruto do atanor ao qual se chegou através do vazio,             realidade efetiva de um estado do ser que transcende à construção,             e que pode ser conhecido na abertura do "sentido de eternidade" e             seu desenvolvimento total, embora a individualidade do homem esteja             crucificada no quaternário. 
          Por seu simbolismo concêntrico,             correspondente deste modo à síntese perfeita da Criação,             em seu interior se acha a Presença ou Imanência divina,             que é o verdadeiro Centro de todas as coisas e que as contém,             a todas, sem ser contido por elas: este é assim o autêntico             Mestre, com o qual se identifica o iniciado conforme progride na             realização de seu verdadeiro Ser. 
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     | 78 | OS CICLOS  I 
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 |        Como dissemos no título N.º 2  deste Módulo III,           um Kalpa  representa           o ciclo de existência de um universo ou mundo, nascido do hálito           de Brahma , a Deidade criadora. Não há um ciclo           mais extenso que o Kalpa , pois ele contém todos os ciclos           de ciclos possíveis, unidos entre si por esse hálito           que os sustenta e lhes dá a vida. Acrescentaremos que, quando           um Kalpa  chega a seu fim, produz-se um Pralaya , a dissolução           ou reabsorção desse mundo no seio de Brahma , no           imanifestado. A este respeito, lemos no Bhagavad-Gita , livro           sagrado da Índia: "Ao fim de um Kalpa , de um período           de criadora atividade, os seres e as coisas voltam para Mim". O Kalpa  é um           dia de Brahma , e o Pralaya  uma noite que, ao finalizar-se,           aparece um novo Kalpa , e assim de maneira indefinida, conformando           o que se chama a "cadeia dos mundos". Cada Kalpa  contém           14 Manvântaras , e cada Manvântara  representa           o ciclo completo de uma humanidade, que por sua vez se subdivide em           quatro yugas  ou idades de desigual duração cada           uma delas. Nosso Manvântara  é o sétimo dessa           série, e ainda faltariam outros sete para que finalize o Kalpa  atual.           Dizer, enfim, que a palavra Manvântara  significa "era           de Manu", que é o Legislador universal ou Inteligência           cósmica que promulga, de acordo com a Sabedoria Eterna, a Lei           ou Dharma que rege todo o Manvântara  desde seu princípio           até seu fim. 
         Diz-se que o Dharma, simbolizado             por um touro na tradição hindu, apóia-se com             suas quatro patas durante o Satya-Yuga ou Idade de Ouro, o             que quer dizer que se manifesta em sua totalidade, significando com             isso que a humanidade em seu conjunto vivia em perfeita harmonia             e unidade com seu Princípio. Recordemos neste sentido que Satya-Yuga quer             dizer "Idade do Ser", ou "Idade da Verdade". A mesma raiz Sat a             encontramos em Saturno, o regente da Idade de Ouro na tradição             grego-latina. Por analogia entre a ordem metafísica e a corporal,             esse mesmo sentido de totalidade se expressa na duração             temporal desse Yuga, avaliada como sabemos em 25.920 anos,             que é um período inteiro da precessão dos equinócios             ou, o que é o mesmo, 12 "eras zodiacais" de 2.160 anos cada             uma (12 x 2.160 = 25.920). Pelo contrário durante o Treta-Yuga,             ou Idade de Prata, a instabilidade e o paulatino obscurecimento espiritual             penetram no mundo, pois o touro do Dharma se sustenta com             três patas (Treta = três). Isto se traduz em um             encurtamento da duração dessa Idade: 19.440 anos, quer             dizer, três quartos da precessão dos equinócios             ou, o que é igual, 9 "eras zodiacais" (9 x 2.160 = 19.440).             No Dvapara-Yuga ou Idade de Bronze, o touro se apóia             tão somente com duas patas (Dvapara = dois), dando             a entender que o Dharma é compreendido unicamente em sua metade.             Precisamente a essa Idade corresponde uma duração que é a             metade da precessão dos equinócios: 12.960 anos, ou             6 "eras zodiacais" (6 x 2.160 = 12.960). E finalmente, no Kali-Yuga ou             Idade de Ferro, o touro do Dharma se sustenta com um só pé,             simbolizando assim o grande desequilíbrio que distingue a última             idade do Manvântara, e muito especialmente às últimas             fases deste. A duração desta Idade é de um quarto             da precessão dos equinócios: 6.480 anos, ou 3 "eras             zodiacais" (3 x 2.160 = 6.480). Kali-yuga quer dizer "Idade             Sombria", que começou faz mais de seis mil anos, com o que             está a ponto de chegar a seu fim, e com ela a de todo o Manvântara.             Segundo os dados da Ciência Sagrada esta Idade começou             com a entrada na "era zodiacal" de Touro, ao redor do ano 4.450 A.             C. 
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     | 79 | O FIM DOS TEMPOS 
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 |        Qualquer observador neutro           pode comprovar na atualidade certos sintomas mundiais como terremotos,           secas, pestes, guerras, catástrofes, degeneração           social, superpopulação, violências e injustiças,           em uma proporção jamais conhecida pela humanidade. Estes           claros sintomas do fim de um ciclo anunciados pelas escrituras judaico-cristãs           até em seus detalhes, também foram expostos pelas tradições           hindu, budista, islâmica, pré-colombiana, greco-romana,           hermética, etc., em abundantíssimos documentos. 
          Parece que todos estes             acidentes se resolverão pelo fogo –por um raio misericordioso– e             que este elemento permitirá a regeneração desta             humanidade que perecerá totalmente e se reintegrará à névoa             de onde proveio, para dar lugar a outra, nascida de suas cinzas e             gérmens, que fará renascer um mundo novo e uma Idade             de Ouro, graças aos esforços –e o sangue– de             iniciados e adeptos, que possibilitarão a continuidade da             criação. Certamente que a ignorância contemporânea             despreza no público e oficial este fato, que nega e desconhece –as             escrituras dizem que os homens serão colhidos de maneira imprevista,             efetuando seus negócios e mentiras– embora no privado             alguns se sensibilizem, ainda que tendam às imagens literais             e físicas e muitos, inclusive, planejam "salvar-se" em uma             espécie de Arca do Noé material. 
          Esta última "ingenuidade",             ou melhor, ilusão, é tão grave como a outra,             e os que "acreditam" nela –quando se diz que não só haverá uma             nova terra, mas também um novo céu– serão             igualmente excluídos do mundo futuro. 
          A morte de uma civilização é análoga             a do ser individual e este nada poderá levar de material ao             outro mundo. Entretanto, o homem ressuscitará em um corpo             de glória se for capaz de aceder ao Conhecimento, ao Ser,             e reabsorver-se no Tempo para ganhar a Eternidade, o que constitui             a verdadeira espiritualidade que o iniciado pretende em vida. E sem             dúvida, este corpo glorioso, ou melhor, esta "entidade", pode             se realizar deste modo de maneira grupal. 
          Por outra parte, deve se             recordar que, na infinita harmonia de todas as coisas, aonde tudo             está contado, pesado e medido, o fim de um ciclo e seus habitantes             está em íntima relação com o começo             de outro e o nascimento de uma nova humanidade, que nada tem que             ver com esta, a qual, é óbvio, não pode subsistir             pela própria dinâmica de sua multiplicação.
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     | 80 | MARSÍLIO FICINO 
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 |        Quando em 1450 Cosme de Médici           confia ao ainda muito jovem Marsílio Ficino (1433-1499) a criação           da Academia Platônica de Florença, estava-se dando um           passo fundamental para o que ia ser um novo ressurgimento da Tradição           Hermética, depois do relativo obscurecimento acontecido do final           do Idade Média. Para encontrar as causas que fizeram possível           a realidade desta Academia (convertida no centro intelectual mais importante           da época), devemos retroceder até o ano 1439 em que,           com objetivo de celebrar um congresso de filosofia, vão a Florença           sábios procedentes de diversos países e religiões,           entre os quais se acham também os filósofos neoplatônicos           bizantinos. Estes últimos trazem consigo todo o saber hermético           e platônico conservado intacto na cidade de Bizâncio (anteriormente           Constantinopla) dos tempos alexandrinos, e que só em parte tinha           sido difundido pelo Ocidente Medieval. Entre esses filósofos é Gemisto           Pleto o que mais direta influência exercerá sobre a Academia           Platônica, pois por sua mediação Marsílio           Ficino e seu círculo esotérico traduzirão do grego           todos os livros do Corpus Hermeticum (na Idade Média           unicamente foi conhecido o Asclépios em versão           latina), os "Oráculos Caldeus", e as obras de Platão,           Proclo, Jâmblico, Plotino, Dionísio Areopagita, Porfírio,           Sinésio, para só citar uns quantos. Deve ser destacado           que, para Ficino, traduzir é sobretudo uma forma de transmitir           a tradição, tendo em conta além que estas três           palavras –traduzir, transmitir e tradição– equivalem           a uma mesma realidade, já que todas elas procedem de idêntica           raiz etimológica. Neste sentido, convém recordar que           o mesmo conhecimento simbólico transmitido pelas culturas tradicionais é uma           tradução à linguagem e entendimento humanos das           verdades e arquétipos eternos. Assim, traduzindo, comentando           e prefaciando as obras da antiga sabedoria, Ficino se converte em um           fiel intérprete dela. No prólogo que fez ao Poimandres,           Ficino estabelece a genealogia mítica e espiritual que, como           uma cadeia de ouro, a "cadeia áurea", unifica acima do tempo           e do espaço a ilustre família dos filósofos herméticos, "...cuja           origem está em Mercúrio e o apogeu em Platão".           Retenhamos um parágrafo de dito prólogo: "No tempo em           que nasceu Moisés, florescia o astrônomo Atlas, irmão           do físico Prometeu (filiação esta que sem dúvida           se refere à origem única do céu e a terra), avô materno           do antigo Mercúrio, cujo neto foi Mercúrio Trismegisto,           o maior dos sacerdotes e reis". A este rei-pontífice se lhe           deve a instrução "de Orfeu, quem revelou os mistérios           a Aglaofemo, sucedido por Pitágoras, que teve como discípulo           a Filolau, mestre de Platão". Considerando-se a si mesmo como           um elo a mais dessa cadeia, Ficino produzirá uma obra própria,           que perpetuará a memória da "raça divina e heróica", "proprietária           dos séculos", adaptando-a às circunstâncias de           seu tempo. 
          Pelo profundo rastro que             deixaram na arte e na filosofia hermética do Renascimento,             merecem destacar-se dessa obra a Teologia Platônica e Da             Religião Cristã, nas quais se manifesta a universalidade             de um pensamento, que foi capaz de combinar os mistérios da             cosmologia e da metafísica platônicas com os da revelação             cristã, síntese anunciada já pelos primeiros             Pais da Igreja e seus sucessores medievais, e deste modo por Nicolau             de Cusa (1401-1464), o doutor da douta ignorantia, que tão             grande influencia exerceria sobre o próprio Ficino e seu discípulo             Pico de la Mirândola, e através deles em todos os neoplatônicos             renascentistas. Por outro lado, o esoterismo impulsionado por Ficino             pode ser visto como uma reação contra o "escolasticismo" aristotélico,             que em sua degradação estava incubando os gérmens             do que, séculos mais tarde, daria lugar ao racionalismo cartesiano. 
          Ao dizer de seu discípulo             Policiano, Ficino foi "um novo Orfeu que resgatou dos infernos a             Eurídice platônica". Com efeito, o eixo ao redor do             qual se edificou dita obra foram os hinos órficos, nos quais             o mestre descobre, velados sob a linguagem evocadora da poesia, os             mais altos segredos, pois conforme afirmou Dionísio Areopagita, "o             raio divino não pode nos alcançar a menos que esteja             coberto de véus poéticos". Esses véus são             os próprios deuses, ou melhor, as emanações             que estes manifestam ao homem por mediação das musas             mensageiras –filhas de Zeus e da Memória– e pelas             Graças. Ficino, tal qual Pico de la Mirândola, mantinha             que os deuses do panteão órfico eram deuses "compostos" ou "híbridos",             investidos do poder da mutabilidade, adquirindo com isso todas as             formas. Mas essa mutabilidade é possível pelo auto-sacrifício             do Ser que, ao se fragmentar e se dividir, dá lugar à ordem             cosmogônica, regida pelos mesmos deuses. Por outro lado, que             um deus contenha o seu contrário, ou que necessite de seu             oposto para expressar a totalidade de seus atributos, não             resulta para nada estranho a um mago renascentista como Ficino, para             quem o universo é uma estrutura tecida pelas constantes relações,             tensões e lutas entre energias opostas que, entretanto, perpetuamente             se equilibram e harmonizam, atraídas pela força do             Amor, inseparável da Beleza, a porta por onde se acede à identidade             com o Conhecimento e a Sabedoria. 
          Em seu tratado De Amore (comentário             ao Simposio do Platão), Ficino deixou escrito: "Todos             os deuses estão ligados uns aos outros por uma espécie             de caridade mútua, de tal maneira que se pode dizer com justiça             que o amor é nó e vínculo permanente do universo".             Note-se como se corresponde esta concepção com o exposto             pela doutrina cabalística, pois é em Tifereth (o             Amor ou Beleza), como coração axial da Árvore             da Vida, onde acham seu equilíbrio todas as oposições sefiróticas.             Na mesma ordem de idéias, haveria que se ver o quê a             respeito diz o próprio cristianismo, para o qual a caridade,             ou amor, está situada na cúspide das virtudes teologais,             que por serem tais pertencem ao domínio da ontologia, acima             da qual só se encontra a metafísica. Não é casual,             pois, que entre os neoplatônicos renascentistas subsistisse             uma secreta filiação que entroncava com o ensino iniciático             dos "Fiéis de Amor medievais". Além disso, representar             cega ou com os olhos enfaixados a deidade do amor (por exemplo, o             Cupido de "A Primavera" de Botticelli, pintor integrado no círculo             do Ficino) era uma forma de exemplificar que os mais elevados mistérios,             ocultos nas "trevas mais que luminosas do Ser", não se podem             apreender apenas pelos sentidos corporais, mas sim por meio da alma             purificada, recolhida em si mesma no arrebatamento do êxtase             amoroso que antecede à união com o inefável. 
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     | 81 | A TRADIÇÃO HERMÉTICA 
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 |        No título N.º 20  deste           Módulo aludimos à origem antediluviana e atlante da Tradição           Hermética, recolhendo o que a este respeito se menciona em certas           lendas a respeito da existência de um mítico "Hermes de           Hermes" que viveu "antes do Dilúvio". Essas mesmas lendas referem           que desse Hermes Arquetípico nascem o "Hermes caldeu" e o "Hermes           egípcio", quer dizer, as duas grandes civilizações           que dentro do Kali-Yuga , e junto às pré-colombianas,           contam-se entre as herdeiras mais importantes da Tradição           Atlante, em que residia um poder espiritual diretamente emanado do           Centro Supremo ou Tradição Primordial. O Hermes egípcio           não é outro que Thot, o escriba divino e depositário           da Ciência Sagrada, aquele que é chamado "Senhor da Sabedoria", "o           Misterioso" e "o Desconhecido", mas ao mesmo tempo intermediário           entre o Céu e a Terra, pois "sem seu conhecimento, nada pode           ser feito entre os deuses e os homens". 
         Essa função             intermediária passará a formar parte do Hermes grego             e do Mercúrio romano, o Deus que encontramos nas encruzilhadas             da vida e nos guia pelo caminho do Conhecimento. Ambos, como sabemos,             são representados com asas na cabeça e nos pés,             testemunhando assim essa natureza intermediária e aérea,             que une o inferior ao superior, e levando além disso o caduceu             como insígnia de sua função axial, e com o qual             realiza o vínculo e a união entre os três mundos             ou planos da Existência universal, presentes também             no microcosmo humano. Thot-Hermes-Mercúrio conhece, pois, "tudo             o que está oculto sob a abóbada celeste e nas vísceras             da terra", ou seja, a totalidade dos mistérios do Cosmo, e             doa esse conhecimento a sua estirpe (a quem se liga com seu influxo             espiritual) mediante a revelação de um código             simbólico que se cristaliza nas distintas artes e ciências             da Cosmogonia (que deram forma à cultura e à civilização             do Ocidente), incluindo os livros sagrados e sapienciais inspirados             diretamente pelo próprio Hermes, como é o caso dos             que compõem o Corpus Hermeticum, sem nos esquecer de             todos aqueles que nos foram legados pelos adeptos e mestres desta             Tradição, que continua estando tão viva e atual             como o esteve desde suas origens. 
          Do Corpus Hermeticum queremos             extrair os seguintes fragmentos: 
          "Detei-vos e recuperai             a sobriedade! Olhai ao alto com os olhos do coração –senão             todos, ao menos aqueles que sejam capazes. O mal da ignorância             alaga toda a terra e acaba por corromper à alma aprisionada             no corpo, impedindo-lhe de atracar no porto da salvação.             Não vos deixeis arrastar por esta enorme corrente, aproveitar             a vazante, os que possais, e atraqueis no porto da salvação.             Procurai então um guia que vos colha da mão e vos conduza             até as ante-portas do Conhecimento. Ali brilha a luz, limpa             de toda obscuridão. Ali ninguém está embriagado.             Todo mundo está sóbrio e observa com o coração             aquele que deseja ser visto, que não se deixa ouvir nem descrever,             que não pode ser visto com os olhos senão com a mente             e com o coração. Mas primeiro deveis lhes arrancar             a túnica que levam posta, o vestido da ignorância, o             fundamento do mal, a cadeia da corrupção, a cela tenebrosa,             a morte vivente, o cadáver sensível, a tumba que levam             de um lado a outro, o ladrão que habita em vós, que             odeia através do que ama e sente inveja através do             que odeia". Poimandres, VII, 1-2. 
          "Tal vai ser a velhice             do mundo: falta de piedade, desordem, desprezo por todo o bom. Quando             tudo isto aconteça, Asclépio, então, o Senhor             e Pai, o deus cujo poder é soberano, governador do primeiro             deus, contemplará esta conduta e estes crimes insensatos e             por um ato de sua vontade –que é a benevolência             de deus–, enfrentar-se-á com os vícios e a perversão             de todas as coisas, endireitará os enganos, purificará a             maldade com um dilúvio ou consumindo-a em chamas, ou acabará com             ela difundindo por toda parte enfermidades pestilentas. Então             restituirá o mundo a sua beleza antiga, de tal modo que o             próprio mundo voltará a parecer que merece maravilha             e culto, e, com constantes bênções e cerimônias             de louvor, a gente destes tempos honrará ao deus capaz de             fazer e restaurar uma obra tão grande. E esta será a             gênese do mundo: uma reforma de todas as coisas boas e uma             restituição muito sagrada e piedosa da mesma natureza,             reordenada no curso do tempo...". Asclépio, XXVI. 
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     | 82 | OS SIGNOS DA RENÚNCIA 
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 |        Às vezes este universo           se torna muito pequeno, quase como um brinquedo ou um teatro de marionetes,           uma ilusão por cuja realidade, apenas, alguém apostaria           se não fosse porque de momento se encontra dentro, vivendo e           sofrendo em e com ele constantemente. Pois separado de seu sentido           simbólico e teofânico, só é um multicolorido           cenário de fenômenos, além do qual começa           o que é verdadeiramente ilimitado e real. Se algo nos "salva" precisamente           deste mundo, permitindo-nos vivê-lo-o mais harmoniosamente possível,           não é ele mesmo ou as coisas que nele existem, mas sim           a compreensão do que o excede e transcende. E só é a           fé, nascida da intuição direta, que nos permite           seguir e compreender a ignorância de nossas dúvidas. E           quando dizemos "mundo", referimo-nos também aos dez mil seres           que o povoam, sendo estes uma prolongação sua microcósmica           e transitória, assim como seus afetos, paixões, instintos,           ambições e desejos. Prisioneiro de uma limitada visão           de sua existência, dificilmente o homem concebe a idéia           de transpassar a soleira que o separa do "além", tanto como           de superar o sofrimento que implica perder tudo aquilo que ama e que           deseja reter. Para uma cultura que não concebe outra realidade           que a material, a morte e o sofrimento, tanto como a própria           vida, são um absurdo completo, uma interrogação           para a qual não há mais resposta que o encolhimento de           ombros, ou as mais desatinadas suposições. É uma           visão sem esperança nem consolo, que termina por fomentar           um ódio instintivo e destruidor contra tudo, contra o próprio           mundo, produzindo niilismo e ceticismo. 
          A impermanência das             coisas, a irrealidade do mundo, é que faz intuir desde o começo             a Sidhartha (o futuro Buddha Gautama Sakyamuni), a Liberação             ou a União (Yoga) com a única e verdadeira Realidade             Imutável. E é esta a mensagem básica do budismo,             tanto quanto do cristianismo, pregando ambos a renúncia aos             bens ou desditas passageiras deste mundo, a sua ilusória realidade.             Com efeito, nas três primeiras viagens fora do recinto de palácio,             aonde o tem resguardado seu pai, Sidhartha contempla pela primeira             vez a enfermidade, a velhice e a morte. Sua visão confirma             suas intuições: tudo é sofrimento porque toda             ação desejosa de "resultados" fixos produz uma fricção             que desgasta. Tudo é um contínuo desgaste ou esgotamento,             que se renova para seguir se desgastando. A única escapatória             desta roda inexorável (Samsara) é a não-ação,             ou a renúncia a seus frutos e à "recompensa". E como             sua marcha exterior não pode parar, pois segue pautas cíclicas             de causa-efeito invariáveis, é só pela via interna             que pode ser efetuada esta saída (pois o centro sempre reside             no interior das coisas), sendo sua realidade imutável, não             afetada pelas mudanças contínuas da periferia. 
          Podemos ver que nas circunstâncias             cíclicas em que vivemos, esta doutrina é uma autêntica             medicina, um consolo para a alma que hoje, mais que nunca, intui-se             afastada de sua verdadeira pátria, exilada neste "vale de             lágrimas". Com efeito, o desejo e a paixão são             os verdadeiros motores da ação (karma), os quais             jamais podem se ver satisfeitos pois a ação, por si             mesma, jamais conduz ao repouso, mas sim gera indefinidamente ações             e reações secundárias. Acabar com os desejos             e paixões, mediante o conhecimento da Cosmogonia como suporte             do ser e passagem à metafísica, é deixar de             atirar lenha ao fogo e, portanto, liberar-se da contínua necessidade             de fazer ou de ter.
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     | 83 | O ATRAVESSAR AS ÁGUAS 
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 |        "No princípio, criou           Deus os céus e a terra. A terra estava sem forma e vazia e as           trevas cobriam a face do abismo, mas o espírito de Deus pairava           sobre a superfície das águas. Disse Deus: ‘Haja           luz’; e houve luz. E viu Deus ser boa a luz, e a separou das           trevas; e à luz chamou dia e às trevas noite, e houve           tarde e manhã, primeiro dia. 
          "Disse em seguida Deus:             'Haja firmamento em meio das águas, que separe umas das outras'             e assim foi. E fez Deus o firmamento, separando águas de águas,             as que estavam debaixo do firmamento das que estavam sobre o firmamento.             E viu Deus ser bom. Chamou Deus ao firmamento céu, e houve             tarde e manhã, segundo dia." (Gênese I, 1-8). 
          O percurso da alma para             os estados mais internos e sutis do ser, é representado por             várias tradições como uma "passagem" através             das águas. O iniciado deve atravessar as águas inferiores             de seu psiquismo individual procurando a chegada às águas             superiores que se acham sobre o firmamento. 
          Entre os antigos egípcios             o percurso que faz a alma uma vez que se libera de sua morada terrestre é representado             ritualmente como uma viagem que se efetua em uma barca, cruzando             as águas. Entretanto, é importante recalcar que, para             que esta se realize, não é necessária a morte             física, pois a morte iniciática faz que o adepto obtenha             uma verdadeira separação de sua circunstância             individual e de seu corpo carnal e possa empreender em vida esta             viagem através das águas para sua morada eterna. 
          O modo como se simboliza             essa passagem é variada: 
                                        
             | a) | Algumas                 vezes se olha como uma viagem da fonte do rio até o mar,                 em cujo caso o oceano representa as águas superiores,                 sendo a desembocadura como uma "boca" ou uma "porta" pela qual               se passará do cósmico ao supracósmico. |               | b) | Outra forma de                 visualizar é como o cruzamento de uma margem a outra do                 rio, o que se expressa com o símbolo da ponte que une                 suas duas margens opostas. Neste caso, cada margem simboliza                 um grau diverso do ser, correspondendo uma à terra e à morte                 e outra ao céu e à imortalidade. Este símbolo –que                 também se relaciona com o arco-íris–, representa                 aquela entidade intermediária que permite que as energias                 celestes desçam ao mundo terrestre e que a terra se comunique                 com o céu. A ponte é um lugar de passagem, de provas                 e perigos, e o atravessá-la constitui no passar da terra                 ao céu. Inversamente essa "passagem" já foi realizada                 por cada um dos seres individuais que, provindo de um Princípio único,                 devieram em criaturas manifestadas; e o verdadeiro trabalho do                 homem tem que ser –segundo a Tradição– a                 de reencontrar ou "recordar" o caminho de retorno que o leve                 a sua origem, atravessando essa ponte invisível que une                 estados simultâneos do ser. A palavra pontifex (pontífice),                 significa "construtor de pontes", e de fato o próprio                 Papa ou Hierofante (ver o número 5 dos Arcanos Maiores                 do Tarô), sendo um mediador que conecta o divino e o humano, é ele                 mesmo, portanto, uma verdadeira ponte que comunica o homem com                 sua realidade espiritual. Diz-se que essa ponte é estreita                 e –como no simbolismo da porta– que permite a passagem                 só aos "eleitos", únicos capazes de obter a identidade               real com os estados mais sutis do Si Mesmo. |               | c) | Outra forma de                 representar esse passar através das águas, é mediante                 o símbolo de remontar o rio até sua fonte original,                 navegando contra a corrente. Neste caso o oceano de onde se parte                 significa as águas inferiores; a corrente, contra a qual                 tem que realizar o percurso, são as forças que                 tratam de impedir a ascensão; e a fonte é a origem                 e o destino –a identidade imutável– do ser               verdadeiro e eterno. |  Por último, é interessante               fazer notar que em todos estes simbolismos do atravessar as águas               se aponta a necessidade de um passar pela morte que as próprias águas           simbolizam. 
          "É propício             atravessar as grandes águas". "É propício ver             o Grande Homem". (I Ching).
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     | 84 | A INICIAÇÃO 
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 |        Queremos abordar novamente           o tema da Iniciação e sua possibilidade real e devem           ser feitas algumas considerações. 
          Em primeiro lugar, deve-se             esclarecer que a Iniciação verdadeira é um processo íntimo,             secreto, onde o homem troca o conteúdo de suas imagens mentais             através da reforma total de sua psique e portanto inclui uma             morte ao mundo conceitual profano, que é uma reconversão             do ser e, desta forma, vem seguida de um novo nascimento a um estado             diferente. Também se assinalou que há duas destas mortes             e portanto três nascimentos, dois iniciáticos e o profano,             e estes nascimentos são perfeitamente efetivos e reais, claramente             indicados por ciclos e sinais, para quem participa deles. 
          A via é a Simbólica,             como ciência das correspondências e das analogias, e             dos ciclos, ritmos, freqüências e cadências em que             estes símbolos se manifestam no ser e seu entorno. Ou seja             a via do Conhecimento, apoiada por práticas físicas             e comprovações psicológicas como suportes do             Ser e sua verdadeira realização Metafísica:             em suma, a busca e efetivação do terceiro nascimento,             quer dizer, o ingresso aos Mistérios maiores. Para isso, o             Programa conta com os elementos invisíveis –energias             espirituais– que exteriorizados em modo de lições             permitem represar o percurso iniciático do Adepto. Estes elementos             tomam a forma da Tradição Hermética, por um             lado, por outro a comparação da mensagem desta Tradição –e             as experiências vitais que o estudo e a imersão nela             trazem emparelhados– com outras manifestações             tradicionais –religiosas ou não–, que conformam             a Tradição Original, Universal e Unânime.
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     | 85 | A TÁBUA DE ESMERALDA 
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 | A           esta altura de nosso Programa, faz-se quase imprescindível publicar           o texto do mais importante documento Hermético. Trata-se da Tábua           de Esmeralda, legado do mítico e arquetípico Hermes           Trismegisto, diretamente vinculado com a Tradição Egípcia:   
           | 1. | "É verdade,               sem mentira, certo e o mais verdadeiro: O que está embaixo é como               o que está encima, e o que está encima é como               o que está embaixo, para que se operem os milagres de uma             só coisa." |             | 2. | "Assim               como todas as coisas procedem do Um, pela contemplação               do Um, assim todas as coisas resultam desta coisa única             por adaptação." |             | 3. | "Seu               pai é o Sol, sua mãe é a Lua, o vento o levou             em seu ventre, sua nutriz é a Terra." |             | 4. | "É o             pai de toda maravilha no mundo inteiro." |             | 5. | "Seu             poder é perfeito quando se converte em Terra." |             | 6. | "Separa               a Terra do Fogo, e o sutil do grosseiro, suavemente e com todo             cuidado." |             | 7. | "Sobe               da Terra ao Céu, desce de novo à Terra, e une os               poderes das coisas de cima e das de baixo. Deste modo possuirá a               glória do mundo inteiro e toda obscuridade se afastará de             ti." |             | 8. | "Este é o               poder de todo poder, pois vence tudo o que é sutil e penetra             tudo o que é sólido." |             | 9. | "Desta             maneira foi criado o mundo." |             | 10. | "Por               isso, operar-se-ão assim adaptações prodigiosas,             cujos meios se acham aqui estabelecidos." |             | 11. | "Por               isso sou chamado Hermes Trismegisto, pois possuo as três             partes da Filosofia do mundo inteiro." |             | 12. | "Terminado               e completo está o que disse com respeito à obra do             Sol." |  | 
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| 86 | NOTA |  |         | 
 |            A Kundalini é uma               energia que sobe da terra para o céu, extremos para os quais               o homem, localizado no centro ou eixo do mundo, é um lugar               de encontro e fusão, energia que o iniciado deve conduzir               conjugando os opostos para obter através dessa ascensão               escalonada a União (Yoga) com a Origem imanifestada               do universo, graças ao conhecimento paulatino, por graus –ou               estados do ser– do Todo universal. 
              Dita operação é o                 trabalho da união dos complementares e a solução                 dos opostos, que se realiza graças à compreensão                 dos princípios e a apreensão e contemplação                 da realidade por intermédio dos símbolos ou veículos                 revelados, capazes de despertar em nós as distintas leituras                 do Mistério que a conforma: do manifestado ao imanifestado                 segundo ensina a Tábua de Esmeralda hermética: "Separa                 a Terra do Fogo, e o sutil do grosso, suavemente e com todo cuidado.                 Sobe da Terra ao Céu, desce de novo à Terra, e                 une os poderes das coisas de cima e das de baixo." 
              Tanto a Tradição                 extremo-oriental (incluindo sua aplicação no Tai-chi)                 como a Maçonaria, são unânimes através                 de seu simbolismo construtivo: de um prumo imóvel que                 pende de um "ponto" imanifestado, desce um eixo que atravessa                 o centro de todos os movimentos, corporais, anímicos e                 intelectuais; equilíbrio e hierarquia aos quais o ser                 se adequa por meio do rito que conduz ao que a primeira denomina                 a "endogenia do Imortal", cujo pleno desenvolvimento será idêntico à coroação                 da Obra, ou obtenção da Pedra Filosofal. 
              Graças ao mesmo                 eixo, conjuga-se a força da gravidade que assinala o mais                 baixo, com a via de ascensão que se orienta ao mais alto:                 a cúspide do Céu ou Pólo celeste (daí que                 a "forma" do Tai-chi, a sucessão harmônica                 de seus movimentos segundo as distintas escolas, reproduza sinteticamente,                 entre outros, os gestos de determinados animais tomados como                 símbolo dos movimentos anímicos). 
              Trata-se nisso da forma                 cósmica: os três mundos –ou quatro se se dividir                 o plano intermédio, o da alma, em superior e inferior– unidos                 por um eixo invisível (o centro está virtualmente                 presente mas pertence, tal como é em si mesmo, a outro                 plano que suas manifestações), que, partindo de                 sua Origem, dá lugar a todas as coisas por meio da polarização                 de dois princípios imanifestados: o Céu e a Terra,                 constituindo por sua vez o caminho de retorno. "O Tao do Homem                 segue o Tao da Terra, o Tao da Terra segue o Tao do Céu,                 o Tao do Céu segue o Tao de Taos". 
              Para o Tantra, a Shakti de                 Brahma, sua potência criadora e transformadora, encontra-se                 simbolicamente, em estado passivo e potencial, no interior do                 homem, na base de sua coluna vertebral (Mêru-danda,                 o "eixo ou cetro do monte Meru" em sua correspondência                 microcósmica), ou eixo central de seu corpo, e a descreve                 como uma serpente enroscada sobre si mesma, cuja ascensão                 e desdobramento (Kundalini-Yoga) pelo interior daquela                 (com o passar do sushumnâ, o raio solar análogo                 no interior do ser humano ao sutrâtmâ ou "fio                 do Atmâ" que une o "colar" dos mundos) vai despertando,                 vivificando e expandindo os diferentes chakras, ou "rodas",                 que se encontram em distintos níveis da medula espinhal,                 até chegar, por meio do encéfalo, ao extremo superior                 da abóbada cranial e abrir-se por sobre ela no chakra Sahasrâra (o "Lótus                 das Mil pétalas"); abertura paulatina e sucessiva que                 equivale iniciaticamente à tomada de consciência                 efetiva dos estados superiores. Em torno do sushumnâ se                 acham os outros dois nâdîs ("canais") sutis                 principais, idâ (feminino, lunar, descendente) e pingalâ (masculino,                 solar, ascendente) que em forma helicoidal se entrecruzam seis                 vezes ao redor do primeiro, justo ao nível dos chakras correspondentes,                 e cuja figura global evoca assim imediatamente a do caduceu hermético;                 estes se relacionam fisiologicamente, de baixo para cima, com                 as regiões coxígea, sacra, lombar, dorsal-cordial,                 cervical, encefálica-pineal, e o último com o alto                 da cabeça e o que se acha por cima dele. A verdadeira                 localização destes "centros" é, efetivamente,                 sutil e extracorporal, o que não impede a possibilidade                 de uma correspondência e interação mútuas                 e precisas entre ambas as ordens, tal como ocorre, como vimos,                 entre os planetas e os metais que se lhes correspondem. Deste                 modo, representa-os simbolicamente para a meditação                 mediante forma geométricas (yantras) que por sua                 vez contêm mantras, tudo isso no interior de lótus                 cujas pétalas são letras do alfabeto sânscrito                 e que, além disso, são considerados morada das                 correspondentes deidades e suas shaktis ou potências;                 a natureza de Kundalinî, sonora e luminosa, difunde-se                 por meio dos nâdîs principais e secundários                 junto com o prâna (o espírito vital, análogo                 ao chi da tradição extremo-oriental) na                 totalidade do ser individual. 
              Em nosso caso, é duplamente                 importante assinalar que esta estrutura da anatomia sutil do                 ser humano se encontra igualmente presente no esquema da Árvore                 da Vida cabalística, no qual o sushumnâ será seu                 canal ou pilar central, e o idâ e o pingalâ, respectivamente,                 as colunas laterais do rigor e da graça; é natural                 que isso seja assim pois se trata de um simbolismo fundamental                 que os veículos sagrados das distintas tradições                 não podem deixar de testemunhar, ainda com diferenças                 de detalhe devidas a suas próprias perspectivas. Igualmente,                 para o esoterismo hebraico, o núcleo de imortalidade,                 descrito como uma luminosa amêndoa indestrutível                 (Luz), acha-se situado simbolicamente na base da coluna                 vertebral. 
              Se contarmos os pontos                 assinalados ao longo do Pilar central no diagrama Sefirótico  que                 inclui os caminhos (ver seguinte diagrama assim como o Módulo                 II, título N.º 28 ), veremos que é em                 sete níveis do mesmo, indicados pelas sefiroth  do                 Pilar do Equilíbrio, e os pontos médios entre os                 que conformam os Pilares da Graça e do Rigor, onde se                 encontra a analogia com os chakras  da tradição                 hindu. Tratam-se dos vértices e o ponto meio das bases                 dos triângulos constituídos pelas três tríadas                 da Árvore mais a sefirah  do último plano                 (ver Módulo I, títulos 11  e 84 ).                 Seguindo as correspondências deste modelo com o corpo humano,                 estabelecidas pela Cabala (ver Módulos I, título 26  e                 III, 44 ) vemos                 que a primeira sefirah, Kether , a coroa, corresponde-se                 com o chakra Sahasrâra , situado por sobre                 o alto da cabeça e que constitui, segundo o yoga, a porta                 ou passagem da manifestação cósmica ao supra-cósmico                 ou imanifestado. Da união ou equilíbrio entre o                 Hokhmah  e Binah , sabedoria e inteligência (o                 olho direito e o esquerdo e os respectivos hemisférios                 cerebrais) nasce, segundo a Cabala, a não-sefirah , Daath ,                 o conhecimento, situado pois entre ambos como o "terceiro olho" ou "olho                 do Conhecimento", o chakra âjnâ , cuja visão                 destrói –ou conjuga– os opostos na simultaneidade                 do "eterno presente". Do mesmo modo, e desde outro ponto de vista, Hokhmah  e Binah  são                 para a Cabala o "Sol dos sóis" e a "Lua das luas", e em                 diversas tradições, além da hindu, o olho                 direito e o olho esquerdo do Homem universal (o Adam Kadmon  da                 Cabala) são igualmente o Sol e a Lua. Hesed  e Gueburah ,                 a graça e o rigor, relacionados com ambos os ombros, unem-se                 no corpo ao nível da zona cervical, a mesma do chakra                 vishudda  situado na garganta. Tifereth , a beleza,                 e o chakra anâhata , correspondem ambos ao coração. Netsah  e Hod ,                 os quadris e pernas, ao chakra manipûra , situado                 na zona umbilical. Com respeito à Yesod  e Malkhuth ,                 as genitálias e a base ou planta dos pés, dá-se                 uma variação na posição sefirótica :                 o primeiro se corresponde, por seu significado, com o chakra mûlâdhâra  ("raiz,                 suporte, fundamento"), cuja localização é na                 base da coluna vertebral, e o segundo, o "reino", ou morada da Shekinah ,                 com o chakra swâdhishthâna  (a "residência                 própria" da Shakti ).
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     | 87 | EXERCÍCIO           PRÁTICO |  |       | 
 | No           yoga tântrico, a cada chakra corresponde um mantram e           também uma sílaba ou letra sagrada do alfabeto sânscrito,           que pronunciada ritualmente, tal como uma oração, dinamiza           e possibilita a abertura do “lótus” ou ponto virtual           de energia contida nesse centro, despertando assim a Kundalini.           Na prática deste exercício, nós faremos o mesmo           com os nomes das sefiroth correspondentes a cada centro, quer           dizer, nos remetendo à Cabala. Estes nomes deverão ser           pronunciados rítmica e reiteradamente, imaginando-os escritos           com luz branca sobre um fundo escuro, e girando ao redor de um ponto.           A ordem de começo deve ser de cima para baixo e, logo depois,           de baixo para cima.  | 
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     | 88 | O OCTÓGONO 
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 |        Sendo o quadrado representação           da terra e o círculo uma imagem do céu, o octógono é considerado           como uma figura capaz de unir ambos e, portanto, como um símbolo           do mundo intermediário, que comunica o inferior com o superior.           Por esse motivo que é relacionado com a idéia do mistério           da “quadratura do círculo” e da “circulatura           do quadrado”, que serviu para expressar o fato da espiritualização           do corpo e da “corporificação” do espírito –ou           seja, da união indissolúvel do espiritual e do material–,           e que por sua vez seria utilizado para representar a “passagem” por           esse mundo intermediário. O número oito é freqüentemente           relacionado com a morte, e em particular com a morte iniciática.           A carta treze do Tarô, com efeito, é colocada na sefirah número           oito (Hod) e, na Astrologia, a casa oitava é a casa da           morte. Isto nos indica que essa “passagem” terá que           implicar na morte aos estados profanos e na ressurreição           aos mundos superiores e, nesse sentido, o octógono simboliza           uma verdadeira regeneração espiritual que supõe           uma transmutação e um novo nascimento. 
          Com relação             com o simbolismo de atravessar as águas, é interessante             o fato de que o timão com o qual se conduz a nave tenha forma             octogonal. Por outra parte, no percurso através das águas             são necessários certos pontos de referência e             orientação, e é justamente o símbolo             da rosa dos ventos –que se relaciona também com o das “oito             portas”– que se utiliza para designar as oito direções             do espaço (os quatro pontos cardeais e os outros quatro intermediários)             que servirão de guia durante a viagem iniciática. Muitas             vezes, as representações da roda aparecem com oito             raios, e em certos casos com eles se combinam os quatro elementos             (terra, água, ar e fogo) com os quatro estados intermediários             da matéria (o seco, o úmido, o frio e o quente). 
          Na tradição             extremo oriental, sempre foi concedida ao octógono uma importância             simbólica fundamental, e é a estrutura básica             do “Livro das Mutações” ou I Ching.             Também entre os chineses são comuns os templos de base             quadrada (terra) coroados com uma cúpula semi-esférica             (céu), que aparece sustentada por oito pilares ou colunas             (mundo intermediário - homem). 
          No simbolismo construtivo             cristão, vemos como os batistérios antigos eram octogonais,             como o são também –até agora– as             pias batismais. O batismo de água gera uma passagem real a             outros estados e um novo nascimento, e nos prepara para o batismo             de fogo, que se produzirá quando passarmos pela “sumidade” do             templo, pelo ponto central do octógono, que divide sua cúpula,             graças a que transitaremos do cósmico ao supracósmico,             do humano ao supra-humano ou divino. Insistiremos nestes conceitos             quando desenvolvermos outros simbolismos de “passagem” intimamente             relacionados com este e complementares entre si. | 
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     | 89 | PICO DE LA MIRANDOLA 
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 |        Giovanni Pico de la Mirandola,           Conde de Concórdia (1463-1494) foi, igual que Marsílio           Ficino, um dos filósofos herméticos mais importantes           dos primeiros anos do Renascimento. Dele se conta que, ao nascer, uma           bola de fogo apareceu de súbito no quarto de sua mãe,           sendo que tal, mais que fato anedótico, pode ser visto como           um presságio da função e do destino espiritual           que deveria cumprir. Apesar do breve de sua vida, Pico de la Mirandola           deixou uma obra que seria decisiva para a definitiva consolidação           do Hermetismo renascentista, embora seus escritos não reflitam           hoje com exatidão a transcendência de seu trabalho. 
          Continuando com o empreendimento             de Ficino, Pico de la Mirandola amplia ainda mais a síntese             levada a cabo pelo mestre florentino ao incluir em sua obra elementos             doutrinais procedentes de diversas filosofias e tradições             do Oriente e do Ocidente, e especialmente da Cabala. Este espírito             de concórdia ficará plasmado nas “Novecentas             Teses” com as quais Pico provará a essencial coincidência             que aparece no núcleo interior (esotérico) de todas             as tradições, muito acima das diferenças formais             e das pretendidas “ortodoxias” dogmáticas e excludentes.             Com isso, quem recebeu os apelativos de “Fênix de seu             tempo” e “príncipe encantador do Renascimento”,             converteu-se para sua época num fiel expoente da Filosofia             Perene. As “Novecentas Teses” (algumas das quais lhe             conduziram a sérios enfrentamentos com a cúria do vaticano)             abrem-se, em modo de prólogo, com uma “Oração             sobre a dignidade do homem”, onde com verbo inflamado, Pico             expôs a posição central que o homem ocupa no             cosmo. Como já se disse, Pico herda o pensamento do cardeal             Nicolás de Cusa (1401-1484) que, bebendo nas fontes da metafísica             platônica e do hermetismo, desenvolveu a idéia de que             os opostos que os limites da razão não podem superar,             encontram seu equilíbrio conciliador na Unidade, em que igualmente             se fundem todas as doutrinas e religiões. 
          Trata-se de uma afirmação             que corresponde à concepção renascentista do             homem considerado como um teurgo capaz de operar nos distintos planos             do universo, graças ao conhecimento de um saber totalizador,             cuja chave estava na arte e na ciência herméticas. Pode             comprovar-se aqui até que ponto distava esta concepção             do simples “humanismo”, com que de forma unilateral se             pretendeu rotular todo o Renascimento sem considerar as diversas             correntes de pensamento tradicional que nele existiram. A “dignidade” do             homem lhe vem dada por se saber um colaborador consciente na obra             da criação, por cujo eixo pode ascender e descender,             pois sua natureza participa por igual do inferior e do superior, “e,             se não satisfeito com nenhuma classe de criaturas (terrestres             e celestes), recolhe-se no centro de sua unidade, feito um espírito             com Deus, introduzido na misteriosa solidão do Pai, que foi             colocado sobre todas as coisas, avantaja-las-á a todas. Quem             poderia não admirar a este camaleão?” 
          Mas, sem dúvida,             a mais importante empresa levada a cabo por Pico de la Mirandola             foi introduzir a Cabala na filosofia oculta do Renascimento. E foram             precisamente os judeus chegados na Itália, procedentes da             Espanha, que transmitiram a Cabala ao jovem conde. Dentre esses judeus,             alguns eram conversos e, por conseguinte, conhecedores tanto da Cabala             quanto do cristianismo. Era o caso de Leão Hebreu, Flávio             Mitrídates e Paulo de Heredia, que orientam a Pico no sentido             de dar uma interpretação cabalística do cristianismo,             readaptando, de certo modo, uma tradição à outra.             Convencido de que a Cabala confirmava as verdades do cristianismo,             Pico dá forma à Cabala cristã, que se complementa             perfeitamente com o gnosticismo hermético e neoplatônico             herdado de Ficino (ver neste Módulo o título N.º 80 ).             O estudo e conhecimento dos nomes divinos, e a invocação             de suas potências mediante a alquimia da oração,             constituíam a pedra angular do edifício cabalista cristão,             pelo que se deduzia uma teurgia que predispunha o adepto a uma comunicação             com os estados angélicos. Seguindo os rabinos cabalistas e             os doutores da Igreja como São Jerônimo, para os cabalistas             cristãos cada uma das palavras, signos, sílabas e pontos             dos livros sagrados (Bíblia, Zohar , Sefer Yetsirah , Bahir ,             etc.) manifestam a plenitude da mensagem divina na multiplicidade             ordenada e hierárquica de seus significados. Modificar ou             suprimir algo do contido nesses livros supõe cortar as “raízes             das plantas”, e portanto interromper o acesso que conduz à Árvore             de Vida, que se eleva no centro do Pardes . Outra coisa bem             distinta é fazer uso da combinação e permutação             entre as letras e palavras do alfabeto sagrado, pois isso permite             descobrir verdades de ordem doutrinal extremamente reveladoras. Todo             o sistema de combinação e permutação             cabalístico procedia das ciências das letras conhecidas             como Guematria , Notarikon  e Themurah . Pico assimila             o método de combinar as letras (acrescentando seu correspondente             valor numérico) ao ars combinandi  de Raimundo Lulio.             O próprio Pico utilizou a “arte combinatória” para             demonstrar, como explica em suas “Conclusões mágico-cabalísticas” (incluídas             nas “Novecentas Teses”) que: “Não há ciência             que mais certeza nos dê sobre a divindade do Cristo que a magia             e a cabala”. Isto, que escandalizou os espíritos fechados             do cristianismo, abria, entretanto, possibilidades insuspeitadas             para todos aqueles que procuravam uma via de realização             baseada na Teurgia e na Magia Natural. Por sua vez, na sétima             dessas “Conclusões”, Pico afirma enfaticamente: “Nenhum             cabalista hebreu pode negar que o nome de IESU (Jesus), interpretado             segundo os princípios cabalísticos, significa “Filho             de Deus””. E na décima-quarta, conclui-se dizendo             que o nome de Jesus e do Tetragrama    são             idênticos, mas com o agregado             de uma Shin   no             meio das quatro letras:   .  Um             discípulo cabalista cristão             de Pico, João Reuchlin, acrescentará anos mais tarde             em seu livro De Verbo Mirifico , que a consoante “s ” (Shin )             do nome de Jesus, faz possível a pronúncia, e por conseguinte             a audição, do inefável Tetragrama . Esta             era uma forma de demonstrar, cabalisticamente, a natureza divina             de Cristo, Verbo encarnado do Pai. Assim, o que o exoterismo judaico             negou (por ignorância), é afirmado pelo esoterismo.             Para Pico e os cabalistas cristãos, Jesus era o Messias, a             culminação histórica e supra-histórica             da revelação sinaítica dada por Moisés             ao povo de Israel. De suas Conclusões  reproduzimos             as seguintes:
           | – | A             unidade metafísica é o fundamento da unidade aritmética. |             | – | A               essência e a existência de qualquer coisa são             realmente o mesmo. |             | – | O               número se encontra precisamente tanto nas coisas abstratas             como nas materiais. |             | – | A               essência de qualquer inteligência existe substancialmente             para algo. |             | – | Nada             há no mundo que careça de vida. |             | – | A             magia é a parte prática da ciência natural. |             | – | O               que o mago faz por meio da arte, isso mesmo fez naturalmente a             natureza fazendo o homem. |             | – | Fazer             magia não é outra coisa que fecundar o mundo. |             | – | Quem               copula à meia noite com Tifereth, obterá que toda             sua geração seja próspera. |             | – | Por               meio da Cabala e concretamente por meio do mistério da parte               setentrional, sabe-se por que julgará Deus o século             pelo fogo. |  | 
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     | 90 | O HERMETISMO RENASCENTISTA  I 
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 |        Os parágrafos sobre           Marsílio Ficino e Pico de la Mirandola serviram-nos de introdução à filosofia           hermética do Renascimento, cuja história, balizada de           visões luminosas e acontecimentos mágico-teúrgicos           sempre relacionados com a busca do Conhecimento, deixou um rastro indelével           na cultura e na alma do Ocidente. Como já apontamos, as sínteses           levadas a cabo por Ficino e Pico, junto com a irrupção           do Corpus Hermeticum na Europa latina, determinaram o começo           de uma nova etapa e desenvolvimento da Arte Régia, enriquecida           notavelmente com a contribuição devida à Cabala           cristã. Do foco inicial, centrado na Itália, o Hermetismo           renascentista conheceu uma ampla difusão pela Alemanha, França           e Inglaterra, para acabar implantando-se virtualmente em todo o continente,           incluída a, naquela época, Espanha inquisitorial. Da           Alemanha, precisamente, era oriundo o já mencionado João           Reuchlin (1455-1522), que em suas viagens à Itália contata           com os círculos neoplatônicos e cabalistas cristãos,           representando o tipo de humanista hermético na linha do Ficino           e Pico. Reuchlin estuda e se aprofunda nos mistérios da Cabala           e da língua hebraica, desenvolvendo a partir desses conhecimentos           aspectos fundamentais da Cabala cristã, assinalados por Pico           nas Conclusões e no Heptaplus. A Reuchlin, grande           conhecedor da cultura grega (foi chamado “Pitágoras redivivo”), é devido           o ter trazido a numerologia pitagórica à teosofia cabalístico-cristã,           por outro lado já implícita nesse sistema graças à cosmologia           e à metafísica platônicas. Recordemos que Pico           havia assinalado que “no número pode encontrar o modo           de investigar e compreender tudo o que é possível saber”.           Vemos, assim, que em sua primeira obra, De Verbo Mirífico (“O           Verbo Maravilhoso”), Reuchlin afirma a analogia entre o Tetragrama e           a Tetraktys pitagórica, e entre esta e as dez numerações           e nomes divinos da Árvore da Vida, diagrama que, a partir de           então, passa a integrar-se definitivamente na cosmovisão           hermética, fora do âmbito estritamente judaico. Mas é com           sua segunda obra, De Arte Cabalistica, onde Reuchlin expõe           a doutrina integral da Cabala cristã, passando a ser o manual           de estudo e meditação para todos os adeptos da Ciência           Hermética. Em De Arte Cabalistica se diz que a Cabala é uma           alquimia que transmuta o mundo das aparências externas em percepções           internas, produzindo uma cada vez maior sutilização das           faculdades humanas, até sua definitiva transformação           em espírito e luz. 
          Entretanto, ao mesmo tempo             que se difundiam as idéias herméticas e cabalísticas,             apareceram núcleos de violenta reação contra             estas e seus representantes, ataque que procediam sobre tudo de alguns             teólogos e da filosofia escolástica em franca fase             de degradação e incompreensão para com os princípios             tradicionais. Este enfrentamento será constante em todo o             Renascimento, vendo-se acrescentado com a aparição             da Reforma impulsionada por Lutero e Erasmo. Neste sentido, não             será demais assinalar que a Reforma se apoiou, no início,             em certos conceitos extraídos da Cabala cristã, ao             mesmo tempo que muitos cabalistas cristãos viram com esperanças             o movimento reformista, que advogava por uma volta à pureza             primitiva dos Evangelhos. Isto foi assim até que, por sua             vez, a Reforma protestante decaiu em um estéril puritanismo             religioso a serviço dos postulados racionalistas e anti-tradicionais             que iluminaram o mundo moderno. Mas também existiram homens             de Igreja que se interessaram vivamente pelo hermetismo cabalístico,             e inclusive participaram de sua difusão. É o caso do             cardeal Egídio de Viterbo (1465-1532), que protegeu e se rodeou             de sábios versados em Cabala e hermetismo, tal como fez outro             cardeal, Bessarion, na época de Ficino e Pico. Tradutor do Zohar,             Egídio de Viterbo deixou uma obra considerável, destacando             por seu conteúdo a que leva por título Shekhinah,             em que é notório o rastro de Reuchlin. Para o Viterbo,             a Shekhinah (a presença real da divindade) é a             própria voz da Sabedoria, que se manifesta no coração             do justo, mostrando-lhe os celestes mistérios. Ele a compara             ao Espírito Santo, por cuja mediação a Lei foi             sendo revelada através dos séculos aos profetas e apóstolos.             Como se diz no Zohar: “Quando dois ou três se             reúnan ao redor da Torah, a Shekhinah estará em             meio deles”. Com palavras que evocam a “Tábua             de Esmeralda” hermética, Viterbo põe nos lábios             da Shekhinah: “Porque este é meu segredo: tanto             na terra como no céu... Para que haveria eu criado o céu,             os elementos, as pedras, os metais, as ervas, as árvores,             os quadrúpedes, os peixes, os pássaros, os homens,             senão para que ocorra o mesmo na terra como no céu,             e que o mundo sensível imite ao inteligível: e tenho             inscrito signos na matéria tal como o imitaram os egípcios”. 
          Um dos mestres herméticos             mais destacados nessa primeira metade do século XVI italiano             foi o monge Francesco Giorgi (ou Zorzi) de Veneza (1460-1540), cidade             esta que, depois de Florença, passou a ser a capital da filosofia             oculta do Renascimento. Bebendo das fontes neoplatônicas, pitagóricas,             cabalísticas e na teologia do Dionísio Areopagita,             Giorgi escreve Da Harmonia Mundi, talvez a obra que, junto à de             Reuchlin e Agrippa, maior influência terá sobre os cabalistas             herméticos de toda a Europa. Em Da Harmonia Mundi são             constantes as correspondências mágico-teúrgicas             entre as hierarquias angélicas (também sefiróticas),             zodiacais e planetárias, quer dizer, de todo o conjunto da             ordem celeste, que indevidamente se reflete no mundo sublunar ou             terrestre. 
          Para o Giorgi, a harmonia             do universo, sua beleza, põe ao homem em disposição             de compreender e perceber a perfeição da Mônada             ou Unidade Suprema. Todos os planos e níveis da criação,             do superior até o elementar, vibram ao mesmo acorde, tangido             sobre o diapasão do Arquiteto divino, embora em diferentes             tons ou graus de intensidade. O homem capta essa sutil harmonia por             meio dos módulos geométricos e numéricos, que             acham suas mais formosas e essenciais expressões na arquitetura             e na música. Precisamente, em alguns edifícios renascentistas             se aplicaram as concepções geométrico-numerológicas             recolhidas em Da Harmonia Mundi, e na construção             dos quais interveio diretamente Giorgi, como foi o caso do convento             de São Francisco da Vinha, em Veneza. Da Harmonia Mundi foi             traduzida ao francês pelo poeta hermético Guy Le Fèvre             de la Boderie (tradutor também de Pico), a quem descreveu             como um tesouro de “belas semelhanças... que se diria             que o conjunto está composto de um só bloco de pinturas             várias (as diversas fontes doutrinais em que se inspirou),             embelezado e enriquecido com arte”. Esta tradução             teve grande influência sobre Guilherme Postel e sua escola,             que representava o principal foco de expansão da Cabala cristã na             França, país este que, dito seja de passagem, desempenharia             um importante papel na conservação das idéias             tradicionais até nossos dias. Não menos notável             foi a influência de Giorgi na Inglaterra de Elisabete I, que             na segunda metade do século XVI era na verdade uma “ilha” de             tolerância para com a filosofia e a ciência herméticas,             tolerância que contrastava com o que ocorria no resto do continente,             onde aquelas estavam sendo perseguidas com crescente crueldade pela             Inquisição e pela Contra-reforma. 
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     | 91 | O HERMETISMO RENASCENTISTA  II 
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 |        Tanto quanto à Cabala           cristã, a Alquimia também participou do desenvolvimento           e difusão do Hermetismo renascentista. Como é natural,           ambas as disciplinas eram e são inseparáveis e, de fato,           a Grande Obra alquímica facilitava aos cabalistas cristãos           o conhecimento da natureza, concebida como uma entidade mágica,           mediante a qual se restabelecia a realidade dos contatos com o plano           ontológico e metafísico. Quer dizer, que a Alquimia representava,           em certo modo, o método “prático” para conseguir           a imprescindível transmutação interior que possibilitava           a ascensão pelos graus da scala philosophorum. 
          Talvez quem expôs             mais nitidamente as vinculações entre a Cabala cristã,             a Alquimia e a Magia natural foi Cornelio Agrippa (1485-1535), sobretudo             em seu famoso tratado Filosofia Oculta. Esta obra se divide             em três partes, correspondendo-se cada uma delas com os três             mundos: o Elemental, o Celeste e o Intelectual, segundo definição             dada pelo próprio Agrippa. Tendo sempre presentes as permanentes             relações e a unidade entre os três planos cosmogônicos,             na primeira parte de seu livro –intitulada “A Magia Natural”– Agrippa             detalha cuidadosamente as virtudes e propriedades dos seres e das             coisas que habitam na esfera sub-lunar, ou Corpus Mundi. É dada             toda classe de indicações e regras para interpretar             adequadamente, “como ensinam os Magos e Filósofos”,             os reinos telúricos mineral, vegetal e animal à luz             de seus protótipos celestes. Na segunda parte –“A             Magia Celeste”– descreve-se o Anima Mundi ou Anima             Vitae, governada pelas potências das estrelas, dos planetas             e do zodíaco. Esta parte está quase toda ela consagrada             ao número e à geometria, pois, para a Agrippa como             para o Giorgi, a geografia sutil da maravilhosa “máquina             celeste” está regida e animada pelas Idéias que             manifestam os números e as formas geométricas. Evidencia-se,             assim, a influência platônica e pitagórica. E,             por último, o terceiro livro, Agrippa o dedica a “A             Magia Cerimonial”, que é precisamente a magia invocatória             dos anjos e nomes divinos, que conformam o Spiritus Mundi, doador             da palavra fecundante e luminosa, que vivifica com seu influxo sobrenatural             o cosmo inteiro. Recolhe-se aqui o essencial da Cabala cristã,             pois além de oferecer uma exaustiva interpretação             das emanações sefiróticas, fazem-se constantes             referências ao nome do Jesus, “que tem toda a virtude             do nome de quatro letras, expande seu poder e virtude, pois este             pai Tetragrama lhe deu poder sobre todas as coisas”.             Da mesma forma, alude-se extensamente aos quatro “furores” divinos             que o mago invoca em suas operações teúrgicas:             o proveniente das Musas, o de Dionisios, o de Apolo e o de Vênus.             E como advertindo as dificuldades e paradoxos que apresenta a via             hermética para todo aquele que nela entra, Agrippa conclui             com estas palavras extraídas do texto bíblico: “Quando             procurar o Senhor seu Deus, encontra-lo-á se o busca de todo             coração e em toda a tribulação de sua             alma”. Infatigável viajante, Agrippa leva a mensagem             por sua a Alemanha natal, Itália, França, Inglaterra...             Em todos esses países ensina, forma discípulos, cria             escolas, entrando em contato com os mais importantes núcleos             herméticos e cabalistas. É também perseguido             e tachado de enganador e feiticeiro pelos eternos inimigos da doutrina,             contra os quais se defende argumentando que o mago “não é sinônimo             de enganador, de supersticioso ou de demoníaco, mas sim equivale             a sábio, sacerdote ou profeta”, tão elevada era             a concepção que tinha de seu ministério e função. 
          Entre os que foram influídos             por seu pensamento, merece destacar-se ao gravador e pintor Alberto             Dürer, cujas duas obras, “Melancolia I” e “São             Jerônimo em seu estudo”, constituem autênticos             tratados hermético-alquímicos. Assinalemos que Dürer             foi, além disso, mestre de um agrupamento esotérico             de tipo artesanal, tal como seu contemporâneo Leonardo Da Vinci,             o que era bastante freqüente em uma época que, como estamos             vendo, e apesar de suas contradições e complexidade,             reivindicou com força os valores perenes do espírito             tradicional do Ocidente. Por outro lado, muitos alquimistas do século             XVI deixaram perseverança da cosmovisão hermética             em pinturas e gravuras de grande riqueza simbólica e iconográfica,             continuando assim uma forma de expressão que se remontava à época             alexandrina e, sobretudo, Medieval. Digamos que a utilização             das artes plásticas e visuais como meios de transmitir a Grande             Obra ainda perduraria entre os adeptos dos séculos XVII e             XVIII, a alguns dos quais nos referiremos em posteriores títulos.
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     | 92 | ALQUIMIA 
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 | Continuando           com os mestres alquimistas do XVI, devemos mencionar também           ao grande médico Paracelso (1493-1541). Como alquimista, sua           experiência médica se centrou no estudo e observação           da natureza e mais exatamente na forma em que esta urde suas operações           ocultas e invisíveis, pois, em definitivo é o espírito,           e por meio deste a alma do mundo e do homem, o único que pode           sanar os corpos doentes. Tomando como princípio o postulado           hermético de que “a magia é natural porque a natureza é mágica”,           a medicina do Paracelso se funda nas correspondências e analogias           entre o macrocosmo e o microcosmo, que formam um só organismo “no           qual as coisas se harmonizam e simpatizam reciprocamente”. Ambos “não           são mais que uma constelação, uma influência,           um sopro, uma harmonia, um tempo, um metal, um fruto”. Este íntimo           laço entre o invisível e o visível, que contribui           a edificar a arquitetura do cosmo e da vida, Paracelso o resume da           seguinte maneira: “Os astros não influem diretamente sobre           os corpos, mas sim sobre a força vital. Por isso os órgãos           não são em si mesmos senão representações           (símbolos) corporais de energias invisíveis que atuam           em todo o organismo. Na realidade, o verdadeiro fígado é uma           força que circula em todas as partes do corpo, mas que tem sua           sede em um órgão ao qual chamamos assim”. A enfermidade           aparece no momento em que se produz uma dissociação no           seio dessa unidade macro e microcósmica, pois cada órgão           ou parte do corpo está em correspondência com um planeta           ou signo zodiacal, os quais, por sua vez, influem em determinados minerais,           metais, plantas e animais. Por este motivo, ao se resultar de uma carência           um órgão doente, haja compensação administrando –ou           anulando a influência se, pelo contrário, tratar-se de           um excesso– o conseguinte produto natural com o que dito órgão           simpatize. Entretanto, segundo Paracelso, a enfermidade não é unicamente           excesso ou carência de algo (que seriam só o efeito),           senão que se trata de um “ser” ou de uma entidade           do plano anímico intermediário, vinculada, tal como a           velhice, ao poder dissolvente e corrosivo do tempo, pelo que a medicina           alquímica e tradicional persegue “extrair a ‘quintessência’ das           coisas, descobrir seus arcanos, preparando os elixires capazes de devolver           ao homem a saúde perdida”; e, o que é mais importante,           reintegrá-lo ao estado primordial. A enfermidade seria, pois,           não um mal em si mesmo, senão um suporte como outro qualquer           para “remontar-se ao plano divino”, conciliando os opostos           que surgem de sua ação. | 
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| 93 | A ESCALA 
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 |        Quando Jacob fugia de seu           irmão Esaú, detendo-se para passar a noite, tomou uma           pedra que pôs de cabeceira: 
          “E teve um sonho;             sonhou com uma escada apoiada na terra, e cujo topo tocava os céus,             e eis aqui que os anjos de Deus subiam e desciam por ela. E viu que Yahveh estava             sobre ela...” (Gênese, XXVIII, 12). 
          Pela escala, simbolicamente,             sobem e descem as energias da criação, pois esta é como             uma ponte vertical que comunica a terra com o céu, o material             com o espiritual. Por ela as energias sutis e invisíveis descem             aos homens, que por sua vez têm a possibilidade de subir por             seus degraus para a pátria celeste. 
          No processo iniciático             este símbolo tem o duplo papel tanto no processo de “descer” como             no de “subir”. A descida aos infernos, ou visita ao interior             da terra, que se tem que produzir na primeira etapa da iniciação, é às             vezes representada como uma escala que conduz ao subsolo; por outra             parte, os deuses, enviados ou energias celestes que visitam a terra,             descem por uma escala misteriosa. Mas, em geral, seu significado é mais             ascendente, representando a elevação escalonada da             consciência no caminho do conhecimento. 
          Há uma similaridade             e complementaridade entre o simbolismo da escala e o da porta, já que             ambas indicam uma “passagem” a outros estados, e a primeira,             em muitos casos, precede à segunda. Tal é o caso do             simbolismo do templo cristão: primeiro se vêem os degraus             entre o átrio e a porta exterior; em seguida, estão             de novo antes da chegada ao altar; e finalmente, a mais importante é a             escala invisível que comunica o altar com a cúpula,             em cujo centro se acha a porta estreita à qual já nos             referimos. Por outra parte, também na arte cristã se             vê freqüentemente a relação da escala com             a árvore e de ambos com a cruz, todos símbolos axiais             cuja função consiste em enlaçar o de cima e             o de baixo. A verdadeira escala está plantada no centro do             mundo, e, como sabemos, qualquer espaço sagrado pode representar             esse centro. Entretanto, todas as idéias de centro nos devem             conduzir a nossa própria interioridade, que é de onde             tem que sair a escala que nos permitirá aceder –quando             chegarmos a seu topo– ao mundo dos deuses. 
          Também se relaciona             este símbolo com o da espiral –o que é notável             na escada em “caracol”–, pois ambos se referem às             hierarquias da existência, os níveis do Conhecimento             e os graus de leitura da realidade. Cada um de seus degraus representa             um distinto “céu”, um estado do ser; e o escalá-los             indica a ascensão gradual da alma que busca a fusão             com o espírito único. 
          No simbolismo construtivo             a escala é por um lado um instrumento de trabalho (escada)             e pelo outro forma parte integral da própria construção             (degraus). A própria estrutura da pirâmide, por exemplo,             fala-nos da escalonada subida para o centro do ser; e é interessante             também a relação desta com a montanha, que em             determinados casos se escala ritualmente e cuja ascensão tem             o mesmo significado. 
          O número de degraus             ou degraus da escala é importante e varia segundo o que esteja             simbolizando. As mais comuns são as de três e sete degraus;             embora as encontra também freqüentemente em número             de nove, dez, doze, trinta e trinta e três, etc. A de três             degraus se relaciona em geral com os três graus (de aprendiz,             companheiro e mestre) da iniciação. A de sete também             tem esse sentido, quando –como no caso do simbolismo dos sete chakras– os             graus são nesse número. Esta última é claramente             visível na escala musical, que por sua vez se encontra ligada             com a dos planetas, a dos metais, a das cores –o arco íris é às             vezes representado como uma escala– e os sete dias da semana,             símbolos todos que nos falam da ascensão progressiva             pelos sete “céus” planetários –que             as sete artes liberais e as próprias sefiroth exemplificam– que             temos que visitar em nossos percursos iniciáticos e cuja realização             sempre suporá uma expansão gradual da consciência. 
          No corpo humano, o simbolismo             natural que mais claramente se relaciona com a escala é o             das trinta e três vértebras que compõem a coluna             vertebral, eixo axial que lhe dá o ponto de equilíbrio;             embora também a divisão simples do corpo em cabeça,             tronco e extremidades, tem um sentido escalonado e hierárquico. 
          Com efeito, o símbolo             da escala nos ensina que a criação é hierarquizada,             que essas hierarquias são na verdade internas, e que temos             que as conhecer, as escalando dentro de nós mesmos, para despertar             e conhecer nossas verdadeiras possibilidades espirituais. 
          A palavra escala tem uma             relação também com a idéia de “proporção”,             e nesse sentido pode se ver o ser humano como criado “à escala” do             universo. Com efeito, o homem tem limites pois seus sentidos unicamente             lhe permitem perceber uma determinada escala da realidade (não             vêem nossos olhos as cores infravermelhas nem as ultravioletas;             nem percebemos a olho-nu os planetas mais afastados de Saturno; nem             escutam nossos ouvidos as escalas musicais mais baixas e mais altas).             Entretanto, primeiro o reconhecimento desses limites, e logo a ascensão             escalonada pelos graus do ser, permitir-nos-ão chegar ao ilimitado,             onde a idéia de hierarquia perde realidade e só reina             a igualdade pura da essência. 
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     | 94 | A TRADIÇÃO PRÉ-COLOMBIANA 
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 |        Em finais do século           XV e no XVI, os europeus “descobriram” a América.           Entretanto, a Tradição Pré-colombiana existia           há muito e era conhecida essa existência pela antigüidade           segundo testemunho de Platão, que, falando da Atlântida,           continente-ilha desaparecido por uma catástrofe, diz-nos que           suas colônias se achavam pulverizadas pelo ocidente em pequenas           ilhas, arquipélagos e terra firme. Do mesmo modo, outras das           colônias deste continente se achavam na África e na Europa           e delas são herdeiros nada menos que o Egito (e por seu intermédio           a Grécia e todo Ocidente), Caldéia (de ingerência           fundamental nos povos do Oriente-Médio e mediterrâneos)           e os celtas (de particular influência na Espanha, Irlanda, Inglaterra           e França). 
          Entretanto, durante séculos,             foi tabu o cruzar as Colunas de Hércules e penetrar o oceano             Atlântico (a raiz Atl, encontra-se ainda hoje muito             difundida entre os povos Nahuatl) o que, finalmente, por imperativos             cíclicos e históricos, foi levado a cabo pela Espanha,             seguida de Portugal e posteriormente da Inglaterra, França,             Holanda, etc. Foi assim como se “descobriu” a América             e, a partir desse momento, ela se converteu no objetivo econômico             de toda a Europa, deslumbrada exclusivamente pelo ouro e pelas riquezas             destas terras, a tal ponto que não souberam emprestar nenhuma             atenção à cultura desse imenso continente, à sua             tradição e seus homens, que foram exterminados fisicamente,             e menosprezados seus ritos, mitos, símbolos, usos e costumes,             expressões vivas de sua concepção cosmogônica             e teogônica. Esta última situação se prolongou             até nossos dias, e só uma minoria de estudiosos (em             particular desde meados do século XIX e no transcurso do XX)             dedicou-se a resgatar os valores tradicionais pré-colombianos,             que se encontram em número indefinido e em qualquer parte,             nas centenas de povos (e línguas) distintos que se acham pulverizados             desde o Alasca à Terra do Fogo. Entretanto, todas estas nações,             que incluíam tanto a povos nômades ou semi-nômades             como a medianas ou grandes civilizações, têm             uma óbvia origem comum, apesar de suas diferenças culturais,             muitas delas surgidas como adaptações geográficas             e históricas diversas, e inclusive por possíveis contatos             com outras sociedades. 
          O estudo da Tradição             Pré-colombiana é muito importante tanto para aqueles             que, por uma ou outra razão, tiveram contato com a América,             como para os investigadores das tradições, religiões             e filosofias comparadas. Particularmente dos símbolos, ritos             e mitos, pois se poderá comprovar, com surpresa, como esta             cosmogonia e teogonia se identificam com as mediterrâneas (a             tal ponto que os sacerdotes cronistas da conquista não deixam             de destacar as estreitas relações com o judaísmo             e com o cristianismo) e até com as da Índia e da China,             para dar só um par de exemplos, demonstrando-se a identidade             essencial de todas as tradições, vivas ou mortas, como é este último             o caso da Pré-colombiana, cujos símbolos esperam ser             revivificados para transformarem-se em energias atuantes no desenquadrado             e crepuscular mundo moderno. Deve, entretanto, o leitor atuar com             suma prudência e não deixar-se tentar por falsos indícios             ou entusiastas aspirações. Talvez poderia tomar a reconstrução             deste imenso quebra-cabeças que traçam as antigas culturas             indígenas, ou outras igualmente pouco conhecidas, como auxiliares             na própria Iniciação; sobretudo, se pudesse             compreender a simbólica desta Tradição como             arquetípica, e portanto capaz de manifestar-se e atuar em             nossa psique, em nossa própria vida. Fechamos com um fragmento             do Peri Agamaton de Porfírio, apropriado para a idéia             da vivificação de uma Tradição virtualmente             morta. 
          “Desvelo noções             de uma sabedoria teológica; é Deus e as potências             de Deus o que os homens revelaram mediante estas noções.             Têm-no feito através de imagens apropriadas aos sentidos,             imprimindo as coisas invisíveis nas obras visíveis,             para aqueles que aprenderam a decifrar nas representações             o que se encontra gravado referente aos deuses, da mesma maneira             que se faria nos livros. Além disso, nada tem de estranho             em que os mais desprovidos de instrução tomem às             estátuas por blocos de pedra ou de madeira, exatamente como             aqueles que não sabem ler não vejam nas estelas, as             pranchas ou os livros, mais que pedras, madeiras ou papiro encadernado”. 
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     | 95 | O RENASCIMIENTO ELISABETANO 
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 |        Em meados do século           XVI se produziu um certo declinar do movimento hermético que           com tanta força emergiu cem anos antes na Itália. Neste           fato, tiveram muito que ver as ações levadas a cabo pela           contra-reforma, que, em seu pretendido afã por conservar e defender           o que ela entendia pela “pureza” da religião católica,           perseguia todas aquelas idéias que não correspondiam           a seus limitados critérios. Só nas nações           onde os respectivos estados abraçaram a Reforma persistia a           tolerância religiosa, tal o caso da Alemanha, Boêmia e           Inglaterra. Mas as particulares circunstâncias geográficas           deste último país fizeram possível que ali se           desse, mais que em nenhum outro, um novo ressurgimento tradicional,           propiciando o que com razão se deu em chamar o Renascimento           Elisabetano, no qual também participou o hermetista e neoplatônico           italiano Giordano Bruno, que residiu durante vários anos na           Inglaterra, e ao que se devem obras tão importantes como De           umbris idearum, Da causa, princípio e um, Dos           heróicos furores, De innumerabilibus, immenso et infigurabili, Do           infinito, do universo e dos mundos, Expulsão da           besta triunfante, etc. Com efeito, sob o reinado de Elisabete I,           que vai de 1558 a 1606, a antiga Albion conheceu sua maior época           de esplendor no terreno cultural, e no qual certamente exerceram uma           notável influência as concepções herméticas.           Do mesmo modo, deve-se considerar que na Inglaterra daquela época           sobreviviam algumas correntes do cristianismo templário e cavalheiresco,           que seguiam mantendo vivo o antigo ideal medieval do Império           cristão, encarnado ali na figura mítica do rei Artur           e seus doze cavaleiros da “Távola Redonda”, cuja           lenda está baseada também nas antigas tradições           celtas. Assim, as favoráveis condições que naquela época           vivia a Inglaterra e sua decidida oposição ao poder quase           exclusivamente temporal em que havia caído a Igreja Católica,           foram fatores decisivos para que essa idéia da monarquia imperial           renascesse com força. O suporte doutrinal no qual se apoiaria           dita monarquia não seria outro que o Hermetismo e a Cabala cristã. 
          Por outro lado, e do ponto             de vista em que aqui nos situamos, pouco importa que a tão             esperada reforma universal não chegasse a cumprir-se totalmente,             tal e como desejavam seus promotores. Longe de ter sido em vão,             esse intento gerou toda uma plêiade de escritores, poetas,             artistas e cientistas profundamente interessados na Ciência             Sagrada. Baste recordar a Shakespeare, cujas peças teatrais             transluziam uma visão do mundo fundada na cosmogonia hermética             e cabalista cristã, especialmente em “A Tempestade”, “O             Mercador de Veneza” e “O Rei Lear”. Sem esquecer             tampouco a Edmund Spenser e seu poema épico “A Rainha             Fada”, intensamente saturado de neoplatonismo hermético             e claramente alusivo à função reformadora da             monarquia Tudor. Mas o personagem chave do Renascimento Elisabetano é sem             dúvida John Dee, até tal ponto que resulta impossível             compreender este período da história esotérica             do Ocidente sem ter em conta este mestre, de quem se diz que possuía             uma enorme biblioteca abrangendo todos os ramos do saber hermético.             Renomado matemático, Dee desenvolveu sua concepção             do cosmo apoiando-se inteiramente nas proporções harmônicas             dos números e da geometria, em total acordo com o exposto             por Reuchlin, Giorgi, Agrippa e inclusive Dürer, de quem Dee             extraiu sua teoria sobre ditas proporções no corpo             humano. O essencial de seu pensamento o verteu na que aparece como             sua obra fundamental, a Monas Hieroglyphica, quer dizer, a             figura, gravura ou símbolo sagrado (hieróglifo) representativo             da Mônada ou Suprema Unidade. Basicamente, a Monas Hieroglyphica explica             como o Ser se desdobra, e é imanente, nos três mundos,             que por sua vez, e tomados em seu conjunto, formam uma imagem “matemática,             mágica, cabalística e anagógica”, pela             qual é possível remontar-se para a contemplação             da própria Unidade, de sua transcendência. Com efeito, é por             meio da matemática pitagórica, da magia, da cabala             e da anagogia (busca e interpretação do sentido metafísico             encerrado nas Santas Escrituras) que o mistério fecundo da             existência se revela em toda sua plenitude e majestade. Para             Dee, no mundo elementar as leis divinas se expressam através             da ciência matemática, entendida como tecnologia aplicada;             no intermediário, ditas leis regulam os ciclos astrológicos             e astrais; e no espiritual se manifestam como energias angélicas.             Dee tampouco foi alheio à Alquimia, especialmente à legada             por Agrippa, que como sabemos estava unida à Cabala cristã.             Em Dee, Alquimia e Cabala efetuam um sistema mágico-teúrgico,             cujo principal objetivo consistia na comunicação direta             com os anjos, mediante o poder da invocação e da oração. 
          Neste sentido, Dee desenvolve             uma Cabala de tipo “prático”, que é na             realidade uma forma cristianizada da magia Angélica, fundamentada             no conhecimento dos nomes divinos e nos princípios da cosmologia             hermética e da metafísica, pelo que não tem             nada que ver com a “cabala prática” nem tampouco             com a “magia cerimonial” em uso entre os ocultistas dos             séculos XIX e XX, nascida de uma grosseira confusão             entre o psíquico e o espiritual. Dentro do período             elizabetano, Dee chegou a ser um dos principais inspiradores do movimento             político-hermético que deveria conduzir à nova             ordem imperial, à frente do qual estaria a própria             rainha Elizabete I. Nesta perspectiva, deve se ver a série             de viagens que Dee leva a cabo por diversas cortes da Europa Central,             onde, ao mesmo tempo que difunde a mensagem da monarquia cristã,             realiza fecundos contatos com os núcleos herméticos-cabalistas             por ali existentes. Por exemplo, reside algum tempo na corte do imperador             Rodolfo II, da Boêmia, que se rodeou sempre de mestres cabalistas             e herméticos, e a cujo serviço precisamente esteve             o médico alquimista Michael Maier. Significativamente, durante             os anos em que Dee permaneceu no continente (de 1583 a 1590) estava             sendo gerado o movimento hermético rosa-cruz, que tão             destacada importância teria na primeira metade do século             XVII.
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     | 96 | NOTA: DOUTA IGNORÂNCIA OU IGNORÂNCIA DOUTA? |  |       | 
 | Como             já foi dito, existe uma grande diferencia entre a “douta             ignorância”, chamada assim por Nicolas da Cusa ao querer             explicar aqueles estados que tão bem descreve a “teologia             negativa”; e outra por certo a simples ignorância geral             que, por ser tal como é, presta-se à cumplicidade com             o êxito, ou a hipócrita bênção oficial,             ou com o que exigem a moda e o mercado. Ambas estão invertidas,             nos extremos da polaridade, e os seres que encarnam estas realidades             são opostos; os primeiros experimentam o não saber,             os segundos, os “doutores” ignorantes, não sabem             do saber e, portanto, acreditam que os outros tampouco sabem, e isso             os faz capazes de fingir saber.  | 
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     | 97 | O MOVIMENTO ROSA-CRUZ 
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 |        O conjunto da filosofia hermética           do Renascimento encontrou sua última expressão no que           se chamou movimento rosa-cruz, ou rosacruciano, ao qual pertenceram           Robert Fludd, Michael Maier, Valentín Andreae, Enrique Khunrath           e Comenius, entre outros. Como já dissemos, este movimento nasce           em princípios do século XVII, concretamente nos países           onde John Dee dera a conhecer a mensagem da reforma universal, apoiada           nos postulados doutrinais do hermetismo alquímico e cabalístico-cristão,           do qual também é herdeiro o teósofo alemão           Jacob Boehme (1575-1624), que teve que lutar toda sua vida, como tantos           outros mestres herméticos, contra a intolerância religiosa,           chegando inclusive a conhecer por algum tempo a amargura do cárcere.           Em suas obras –principalmente A Aurora que desponta, De           Signatura Rerum e Mysterium Magnum– Boehme expõe           com verbo inflamado as etapas pelas quais o homem pode recuperar seu “corpo           de luz” anterior à queda adâmica, nascendo como           filho da Sabedoria Eterna. 
          O movimento rosa-cruz toma             força com o resultado da aparição dos manifestos             entitulados Fama Fraternitatis e Confessio Fraternitatis,             cuja autoria, direta ou indiretamente, pertencia ao misterioso “Colégio             Invisível da Rosa-Cruz”, do qual os rosacrucianos obtiveram             precisamente o nome. Pela importância que reveste para compreender             a história sutil da época que estamos tratando, convém             que nos detenhamos um momento no conteúdo desses manifestos,             e especialmente nos eventos acontecidos ao fundador legendário             dessa Fraternidade iniciática: Christian Rosenkreutz (literalmente “Cristão             Rosa-cruz”). Em primeiro lugar, diremos que esse nome é simbólico,             pois não designa um personagem concreto, mas sim uma “entidade             coletiva” que desempenhou uma função tradicional             em um período determinado. Diz-se que a “vida” de             Christian Rosenkreutz está na transição entre             os séculos XIV e XV, quer dizer, quando se gerava a passagem             da Idade Média ao Renascimento, com tudo o que isto implicava             de reajustamento dos princípios tradicionais às novas             condições históricas e cíclicas. Como             já sabemos, uma das organizações que na Idade             Média detinha o conhecimento iniciático e esotérico             era a Ordem da Templo, que além disso mantinha relações             doutrinais com análogas organizações do esoterismo             islâmico, o que propiciava o vínculo espiritual entre             o Ocidente e Oriente. O cruento desaparecimento dos templários             nos inícios do século XIV, concretamente em 1314, produziu             uma eventual ruptura desse vínculo, com o que se supunha a             perda para o Ocidente de uma parte essencial de sua própria             sabedoria tradicional, pois na verdade o Oriente não designa             senão a região simbólica onde reside o Centro             Supremo e primordial, a fonte de todo conhecimento metafísico             e espiritual. Neste sentido, as “viagens” que efetuou             Christian Rosenkreutz por diversos países do Oriente (no transcurso             dos quais “recebeu os segredos da magia e da cabala”)             tinham como objetivo o de voltar a restabelecer o laço que             se quebrara, com o fim de que o Ocidente mantivesse a regular comunicação             com o Centro Supremo. Ao voltar para a Europa, Christian Rosenkreutz             funda a “Fraternidade da Rosa-Cruz”, de conteúdo             hermético-cristão que, ao contrário de seus             antecessores templários, não conservava uma organização             de tipo exterior, mas sempre permaneceu no mais completo anonimato,             passando a atuar de um plano estritamente espiritual e invisível;             por este motivo, então, a denominação de “Colégio             Invisível”. 
          Assim, pois, podem-se compreender             quais foram na realidade os “inspiradores” de virtualmente             todos os movimentos esotéricos que apareceram no Renascimento,             movimentos cujo caráter hermético-cristão não             deixa nenhuma dúvida. O fato de que os manifestos Rosacruzes             se fizessem públicos em princípios do século             XVII, indicava que tinha chegado o momento de passar a uma ação             muito mais direta, já que as condições adversas             que naquela época existiam no Ocidente assim o requeriam.             Desta maneira, motivados por ditos manifestos, uma série de             adeptos herméticos se agruparam para criar o movimento rosacruciano,             que devia ser como uma espécie de braço exterior, mas             sem relação aparente, com o “Colégio Invisível             da Rosa-Cruz”. Esse movimento teve inclusive um alcance político-religioso,             pois também se tratava de organizar um Estado semelhante ao             que existia na cristandade medieval: o Sacro Império Romano             Germânico. Com segurança, os projetos de John Dee e             dos reformistas elisabetanos, para restabelecer uma monarquia cristã de             alcance universal, abonaram o caminho para acometer semelhante empresa, à frente             da qual se encontrava o príncipe renano Frederico V do Palatinado.             Este pequeno principado no centro da Europa foi, durante a segunda             década do século XVII um autêntico “Estado             Rosa-cruz”, aonde confluiriam quase todas as correntes herméticas             do último período do Renascimento. As universidades             de Heidelberg e Oppenheim converteram-se em centros de ensino propagadores             da filosofia oculta, gerando assim uma cultura que ficou impressa             em numerosas obras arquitetônicas, científicas, artísticas             e literárias. Nesse clima de extraordinária e fecunda             criatividade em todos os campos do saber, vemos o engenheiro e arquiteto             Salomão de Caus, que desenhou jardins e monumentos mágicos             e simbólicos, tomando como referência as leis da perspectiva,             das proporções e harmonias do número, da geometria             e da música. Encontramos deste modo os editores Teodoro de             Bry e Mateo Merian, que imprimiram e realizaram os emblemas e gravuras             de “As Bodas Químicas de Christian Rosenkreutz”,             de Valentín Andreae; os vários volumes da “Historia             Metafísica do Macrocosmo e do Microcosmo”, de Fludd,             e “Atalanta Fugitiva” de Maier, para citar apenas alguns. 
          Recordemos também             as gravuras alquímico-cabalísticas de Khunrath em sua             obra “Anfiteatro da Eterna Sabedoria”, e especialmente             a que leva por título “A Cova dos Iluminados”,             onde se conservavam os tesouros da filosofia rosa-cruz, herdeira             do pensamento de Ficino, Pico de la Mirandola, Reuchlin, Agripa,             Giorgi, Postel, Paracelso e Dee, principalmente, embora por razões             de brevidade omitamos outros numerosos adeptos da Arte e da Ciência             Hermética. Digamos que a utilização da técnica             da gravura, para apresentar visualmente as idéias contidas             nos livros herméticos, supunha não só uma forma             de embelezá-los esteticamente, mas também brindar uma             seqüência de imagens ordenadas que facilitassem o despertar             da intuição intelectual (espiritual) do leitor, quer             dizer, que desempenhavam uma função didática             apta para veicular o Conhecimento. O desaparecimento do movimento             rosacruciano trouxe como conseqüência uma concepção             cada vez mais racionalista do saber científico, que desembocaria             de modo irreversível na solidificação positivista             do século XIX, que supôs um limite no descenso da degradação             cíclica, dando passagem assim a esta nossa época de             completo caos e dissolução em todas as ordens da existência.
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| 98 | OS CICLOS  II 
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 |        Como já sabemos, a           precessão dos equinócios (25.920 anos) é o número           cíclico fundamental, pois, a partir dele e de suas subdivisões,           organizam-se e se estruturam os diferentes períodos da humanidade           (ver Módulo II, títulos N.º 54   e N.º 105 ). A principal dessas           subdivisões é justamente           a metade da precessão, quer dizer, 12.960 anos (13.000 em números           redondos), módulo de tempo que era conhecido por todos os povos           da Antigüidade, alguns dos quais, como os caldeus e os gregos,           deram-lhe o nome de “grande ano”, dando a entender assim           que se trata de um ciclo completo em si mesmo. 
         Na tradição             hindu, cinco desses “grandes anos” constituem também             o Manvántara (5 x 12.960 = 64.800), o qual acrescenta             uma nova perspectiva a nossos estudos sobre os ciclos, pois até agora             tão somente tínhamos considerado sua divisão             quaternária em correspondência com as quatro idades             da humanidade. Se estas últimas assinalam as etapas do descenso             cíclico, que se acompanha por um encurtamento na duração             de cada idade, a divisão em cinco “grandes anos” de             igual duração estaria em correspondência com             os períodos de tempo que dentro do Manvántara transcorrem             entre dois cataclismos geológicos, que sempre provocaram mudanças             consideráveis na geografia do planeta, sujeito indevidamente             ao ritmo marcado pela sucessão dos grandes ciclos cósmicos. 
          O Dilúvio bíblico             se refere em realidade a um desses cataclismos, que entre outras             conseqüências, provocou o desaparecimento do continente             atlante (a Atlântida, a mítica “ilha do Ocidente”)             e a civilização que se desenvolveu dentro dele, civilização             em que existiu um centro espiritual diretamente emanado da Tradição             Primordial. Esse cataclismo representou o passado do quarto “grande             ano” ao quinto, ao final do qual nos encontramos atualmente,             coincidindo portanto com o fim do Manvántara. Numerosas             tradições guardaram a memória dessa civilização,             muitas das quais se consideraram suas herdeiras, como é o             caso da Tradição Hermética e de todas aquelas             que com o passar do último “grande ano” habitaram             a costa oeste da Europa, a bacia do Mediterrâneo e Oriente             Médio, e é obvio as culturas da América pré-colombiana.             Recordemos que o mesmo Platão fala da Atlântida em dois             de seus “Diálogos”: Timeu e Crítias. 
          Se tivermos em conta que             esse cataclismo, segundo os dados tradicionais, teve lugar ao redor             do ano 11.000 A. C., o anterior ocorreu em torno do ano 24.000 A.             C., marcando assim o passado do terceiro “grande ano” ao             quarto. Diz-se que dito cataclismo provocou o deslocamento de um             grande continente (que recebeu o nome da Gondwana) situado nas regiões             mais meridionais da Terra. É bastante provável que             a civilização que floresceu em dito continente tivesse             como descendentes a todas aquelas tradições que se             desenvolveram principalmente na África e Austrália. 
          Por volta do ano 37.000             A. C. temos a passagem do segundo “grande ano” ao terceiro,             marcado por um cataclismo que afetou, sobretudo, os povos que habitavam             outro grande continente localizado nas regiões extremo-orientais,             cujos restos formariam todas essas milhares de ilhas dispersas hoje             em dia pelo sudeste asiático e grande parte do Pacífico.             E quanto à passagem do primeiro “grande ano” ao             segundo, pouco se sabe do cataclismo que a marcou, embora sua data,             50.000 A. C., coincida com a que a ciência moderna atribui à primeira             glaciação, quando as regiões hiperbóreas,             que até então gozavam de uma “eterna primavera”,             cobriram-se de gelo. É interessante destacar que na sucessão             das quatro idades da humanidade, os dois primeiros “grandes             anos” (de 63.000 a 37.000 A. C.) pertencem inteiramente à Idade             de Ouro que, como sabemos, cobre um ciclo completo da precessão             dos equinócios (2 x 12.920 = 25.920 anos), indicando-nos que             dentro dessa Idade há que se distinguirem também dois             períodos distintos, embora para aquela humanidade primitiva             tão somente existisse uma só e única Tradição. 
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     | 99 | AGARTHA 
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 |        Ao longo deste Programa,           referimo-nos muitas vezes a Agartha sob diferentes formas, e acreditamos           oportuno efetuar algumas elucidações sobre este país           invisível, sobre este território não localizável           de maneira espacial –mas que existe efetivamente no invisível           e que todo ser humano pode encontrar em seu interior mediante um processo           ordenado e gradual– de que este manual de introdução           aos símbolos e à doutrina tradicional tomou seu nome.           René Guénon, o esoterista mais importante do século           XX, referindo-se à Agartha, disse: 
          “Falamos antes de             alusões feitas por todas as tradições a alguma             coisa que está perdida ou oculta, e que se representa sob             diversos símbolos; isto, quando se toma em seu sentido geral –o             que concerne a todo o conjunto da humanidade terrestre– se             relaciona precisamente com as condições do Kali-Yuga.             O período atual é, portanto, um período de obscurecimento             e de confusão; suas condições são tais             que, enquanto persistam, o conhecimento iniciático deve necessariamente             permanecer oculto; de onde o caráter dos “Mistérios” da             Antigüidade chamada “histórica” (que nem             sequer se remonta até o princípio deste período)             e das organizações que dão uma iniciação             efetiva onde ainda subsiste uma verdadeira organização             tradicional, mas da que não oferecem mais que a sombra quando             o espírito desta doutrina deixou que vivificar os símbolos,             que não são mais que a representação             exterior; e isto porque, por diversas razões, todo vínculo             consciente com o centro espiritual do mundo terminou por romper-se,             o que é o sentido mais particular da perda da tradição,             que concerne especialmente a tal ou qual centro secundário,             que deixa de estar em relação direta e efetiva com             o centro supremo”. 
          “Deve-se falar, então,             como já o dizíamos precedentemente, de algo que está mais             oculto que verdadeiramente perdido, pois não está perdido             para todos, e alguns o possuem ainda integralmente; e, se for assim,             outros têm sempre a possibilidade de voltar a encontrá-lo,             contanto que o busquem como convém, quer dizer, que sua intenção             esteja dirigida de tal modo que, pelas vibrações harmônicas             que desperta segundo a lei das “ações e reações             concordantes”, possa pô-los em comunicação             espiritual efetiva com o centro supremo”. 
          E adiciona: 
          “Trata-se sempre             de uma região que, como o paraíso terrestre, torna-se             inacessível para a humanidade ordinária, e que está situada             fora do alcance de todos os cataclismos que transtornam o mundo humano             no final de certos períodos cíclicos”. 
          Quanto à introdução             que procura o Programa Agartha, relaciona-se fundamentalmente com             a Cosmogonia, como suporte imediato do Ser, e com a Metafísica.             Nesse sentido, assinalamos determinadas vias iniciáticas para             aqueles que tenham afinidade com elas como o islã, o judaísmo,             o budismo mahayana, o zen budismo, etc., em particular             para os que necessitam prementemente do rito exotérico comunitário,             ou da emoção religiosa. Só queremos advertir             aos estudantes a respeito de certas seitas que existem em todo mundo;             mas acreditam que depois de ter seguido o Programa o leitor estará capacitado             para distinguir entre o joio e o trigo. Entretanto este manual está dirigido             para o ocidente, e se refere mais particularmente à Tradição             Hermética. Se alguma instituição iniciática             moderna e internacional poderia adotar o direito de representar essa             Tradição, esta é a Maçonaria, que até tendo             perdido em geral o sentido dos mitos e dos ritos que ela conserva             e que ainda continuam vivos em algumas de suas lojas maçônicas,             está capacitada para transmitir o influxo espiritual que representa.             E por certo que está igualmente viva a Tradição             Cristã, cujo esoterismo nos deu a maior parte do pouco que             temos e pela qual também podemos recuperar o muito que tivemos.             De todas maneiras, insistimos em que o estudante da Tradição             Hermética pode trabalhar sozinho; embora deste modo, sublinhamos             que é conveniente assimilar-se uma forma Tradicional, quando             se adverte da grave responsabilidade que se deposita sobre nossos             débeis ombros, e simultaneamente admitimos a inconveniência             de alimentar nossos egos. Uma sentença islâmica assegura             que no começo de um ciclo ao aprendiz se lhe exige pelo menos             o conhecimento de nove das dez partes da totalidade, mas que nos últimos             tempos só com uma décima parte poderá ser salvo,             o que não deixa de ser reconfortante para nós, ignorantes             atuais, e o que, além disso, deve ficar em relação             com o Evangelho cristão que afirma que, para o fim deste ciclo,             até os próprios meninos poderão ver e ser transfigurados             na luz eterna, o que constitui, sem dúvida nenhuma, uma imensa             esperança também para nossos filhos. Tomando devida             nota de que este Programa é muito mais para aqueles que estão             desiludidos de suas ilusões que para iludidos.
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     | 100 | O ESOTERISMO CONTEMPORÂNEO 
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 |        A presença da Tradição           Hermética não se esgotaria com o desaparecimento do movimento           rosa-cruz em meados do século XVII, mas sua influência           seguiria sendo decisiva em todas aquelas correntes esotéricas           e iniciáticas que surgiriam ao longo dos séculos XVIII           e XIX, como é o caso, por exemplo, da Maçonaria moderna.           Na verdade, a energia espiritual do Deus que é Triplo em sua           Sabedoria não deixou de se manifestar nunca no Ocidente até nossos           dias, embora tenha havido momentos em que, devido às dificuldades           do meio profano e dessacralizado, esse influxo tão somente fecundasse           o coração de uns poucos, os quais, entretanto, têm           feito possível a continuidade da transmissão da Ciência           Sagrada, adaptando-a à mentalidade de seus contemporâneos           e às circunstâncias especiais deste final de ciclo. Este é o           caso de René Guénon (1886-1951), considerado, como já se           disse, o maior metafísico e esoterista do século XX,           e cuja obra representa a síntese mais completa da doutrina tradicional           realizada em nosso tempo e nesta parte do mundo, e que foi também           decisiva para validar os estudos e as investigações sobre           os símbolos, considerados como os veículos do Conhecimento,           atuando neste sentido seu autor como um verdadeiro hermetista, pois           a revivificação dos símbolos, portadores das idéias           da Sabedoria Perene, foi sempre uma das funções mais           importantes dos mestres herméticos em todo tempo e lugar. Uma           obra que em definitivo serviu, e servirá, como guia intelectual           a numerosos homens e mulheres que procuram sua realização           interior mediante o aprofundamento na Via Simbólica, que é precisamente           uma das formas que tomou hoje em dia o esoterismo contemporâneo           no Ocidente, e portanto a Tradição Hermética,           ao compreender todas aquelas disciplinas que fazem referência           direta à Cosmogonia e à Ontologia, ou seja, ao conhecimento           do Ser e dos diferentes planos de sua manifestação, cujo           conjunto compreende a totalidade do que antigamente se chamou os “Pequenos           mistérios”. Mas estes, longe de representarem a totalidade           do Conhecimento, constituem tão somente um suporte (mas, este           sim, imprescindível) para aceder ao “Grandes Mistérios”,           quer dizer, à Metafísica, cujos princípios gerais           foram também expostos por Guénon, e que completariam,           coroando-os, seus estudos sobre a Ciência Sagrada. 
          Recordemos que a Metafísica             se refere a tudo aquilo que está mais à frente do edifício             cósmico, e inclusive além de seu princípio criador,             que não é outro que o Ser, ocupando-se exclusivamente             do conhecimento transcendente do Não-Ser, por cima do qual             tão somente se encontra a Não-Dualidade ou Perfeição             Infinita da Suprema Identidade. O Ser, a Unidade, é o Não-Ser             afirmado e, portanto, representa já uma primeira determinação,             que embora seja a mais primordial de todas, está ainda condicionada             com relação a aquelas outras possibilidades, verdadeiramente             infinitas, que não se manifestarão jamais por sua natureza             inefável e incondicionada, e que pertencem inteiramente ao             Não-Ser, o qual, por conseqüência, contém             tanto o que será manifestado através do Ser como o             que nunca se manifestará. Assim, distinguir entre o Ser e             o Não-Ser, entre Kether e En Sof, é essencial             para quem empreende o caminho da verdadeira Gnose, que sempre têm             que ter como referência permanente o supra-cósmico e             as idéias e princípios mais universais, embora os interessados             estejam recém iniciando esse caminho e ainda tenham que complementar             suas primeiras transmutações alquímicas. Ou             talvez por isso mesmo é que devam ser advertidos e conhecer             essa diferença no começo, evitando assim posteriores             confusões que lhes impediriam de ultrapassar as condições             que lhe prendem a seu estado individual e contingente. 
          O mesmo podemos dizer da             confusão entre metafísica e religião, que é outra             das questões que Guénon procurou sempre clarear, como             também o tem feito nosso Programa em várias oportunidades             (ver, sobretudo, o Módulo II, título N.º 99 ).             Essa confusão é bastante comum hoje em dia, inclusive             entre alguns dos que se nutriram da obra do Guénon, à qual,             por este motivo, distorceram, quando não simplesmente manipularam             e traíram. É necessário distinguir nitidamente             entre o metafísico e o ponto de vista religioso, entre outras             razões porque este se limita sempre ao mais exterior, considerando             ao elemento sentimental e devocional acima do verdadeiramente intelectual             e espiritual, com o que esse ponto de vista não contempla             a idéia de uma Cosmogonia, e em conseqüência a             possibilidade da iniciação nos mistérios da             vida e do Ser, ante-sala dos grandes mistérios da Metafísica.             Confundir o metafísico com o religioso supõe a inversão             total das relações hierárquicas entre o exotérico             e o esotérico e, mais ainda, entre o psíquico e o espiritual. 
         Neste sentido, e para concluir,             eis aqui o que diz a respeito o próprio Guénon: “A             metafísica e a religião não estão, nem             estarão jamais, no mesmo plano; disso resulta, por outra parte,             que uma doutrina puramente metafísica e uma doutrina religiosa             não podem competir nem entrar em conflito, posto que seus             domínios são claramente diferentes”. (Oriente             e Ocidente, 2ª parte, Cap. IV). E do mesmo modo: “Pretender             que a iniciação pudesse ter nascido da religião             [...] é inverter todas as relações normais que             resultam da natureza própria das coisas; e o esoterismo é verdadeiramente,             com respeito ao exoterismo religioso, o que é o espírito             em relação com o corpo, tanto é assim que, quando             uma religião perdeu todo ponto de contato com o esoterismo,             não fica nela mais que 'letra morta' e formalismo incompreendido,             porque o que a vivificava era a comunicação efetiva             com o centro espiritual do mundo, e esta somente pode ser estabelecida             e mantida conscientemente pelo esoterismo e pela presença             de uma organização iniciática verdadeira”. (Apreciações             sobre a Iniciação, cap. XI). 
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     | 101 | FIM DE CICLO 
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 |        A velocidade com a qual transcorrem           os acontecimentos do mundo, e a crescente sensação de           instabilidade que se deriva de tudo isso, é uma das características           principais do fim de ciclo que estamos vivendo. O tempo está a           ponto de esgotar-se por sua própria aceleração,           fazendo com que a humanidade se encontre hoje em dia mais afastada           que nunca de seu Princípio. Neste sentido, poderia se dizer           que o desenvolvimento cíclico e temporário supõe           um afastamento gradual e paulatino do pólo essencial da manifestação,           que é a Unidade primordial, e inversamente uma cada vez mais           progressiva queda no pólo substancial, ao qual pertence o reino           da quantidade e da multiplicidade. Em analogia com isto, dito afastamento           provocou também que o ser humano fosse perdendo, pouco a pouco,           consciência de suas realidades superiores, vendo-se exposto finalmente           a desenvolver aquilo que nele existe de mais inferior e superficial.           Esta é a tendência geral, aquela que marca o tom de nossa época           terminal, considerada como a fase mais escura da “Idade Sombria” (o Kali-Yuga ou           Idade de Ferro), e que por isso mesmo reveste um caráter anômalo           e invertido com respeito ao que foi a história da humanidade           em épocas anteriores, e não muito longínquas. 
          De uma ou outra maneira,             quase todas as tradições mencionaram em suas profecias             e textos sagrados as características com que se revestirá o             fim de ciclo, e que se ajustam inclusive nos detalhes ao que estamos             vivendo na atualidade. Mas por cima dos horrores e tristezas que             trazem os sinais deste tempo, abre-se para todos os homens e mulheres             de coração reto a esperança de um mundo verdadeiramente             novo, onde “já não haverá noite, nem se             terá necessidade de luz de tocha, nem de luz do sol”,             pois a roda terá deixado de girar e o tempo se absorveu na             Realidade de seu centro imutável. 
          “Quando reinam o             engano, a mentira, a inércia, o sonho, a maldade, a consternação,             a aflição, a confusão, o medo, a tristeza: isto             se chama a Idade Kali, que é tenebrosa”. Bhagavata             Purana. Livro XIII. 
          “Na Idade Kali a             riqueza, entre os homens, substituirá em muito a nobreza de             origem, a virtude, o mérito; o direito e a regra estarão             determinados pela força”. Ibid. 
          “... agora existe             uma estirpe de ferro. Nunca durante o dia se verão livres             de fadigas e misérias nem deixarão de consumir-se durante             a noite, e os deuses lhe procurarão ásperas inquietações             (...). O pai não se parecerá com os filhos nem os filhos             ao pai; o anfitrião não apreciará a seu hóspede,             nem o amigo a seu amigo, e não se quererá ao irmão             como antes. Desprezarão a seus pais apenas se façam             velhos e lhes insultarão com duras palavras, cruelmente, sem             advertir a vigilância dos deuses (...). Nenhum reconhecimento             haverá para o que cumpra sua palavra nem para o justo e o             honrado, mas sim terão em mais consideração             ao malfeitor e ao homem violento. A justiça estará na             força das mãos e não existirá pudor;             o malvado tratará de prejudicar o varão mais virtuoso             com retorcidos discursos e, ademais, valer-se-á do juramento.             A inveja murmuradora, apreciadora do mal e repugnante, acompanhará a             todos os homens miseráveis”. Hesíodo, Os Trabalhos             e os Dias, versos 174-195. 
          “Cuidei que ninguém             vos engane, porque virão muitos em meu nome e dirão: ‘Eu             sou o Messias', e enganarão a muitos. Ouvireis falar de guerras             e rumores de guerras, mas não vos turveis, porque é preciso             que isto aconteça, mas não é ainda o fim. Levantar-se-á nação             contra nação e reino contra reino, e haverá fome             e terremotos em diversos lugares. Mas isto será o começo             das dores do parto (...) Então se escandalizarão muitos             e uns aos outros se farão traição e se aborrecerão;             e se levantarão muitos falsos profetas, e pelo excesso de             maldade se esfriará a caridade de muitos, mas o que perseverar             até o fim, esse será salvo”. Mateus 24, 4-13. 
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     | 102 | ALQUIMIA: A REMINISCÊNCIA 
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 |        A reminiscência é recordar           a Origem e por isso penetrar no Eterno Presente. Assim, a reminiscência           atualiza o que sempre foi, ou seja, o que é (e o que dá a           vida) e o conhecimento de outra realidade multi-dimensional, e o espaço           em que ela se produz. É necessário advertir que nesse           outro âmbito se compreende –ainda que seja nebulosamente– a           presença de uma ampla cadeia de testificação,           das origens, incluindo deuses, heróis ou personagens incríveis           que transmitiram estas energias que se recebem mediante operações           de alquimia, manifestam-se sempre pela dualidade de opostos solve-coagula,           dissolver e coagular, graças ao fogo do coração           que preside toda a Obra e se conjugam sempre no Presente, que outorga           a autêntica maestria aos Adeptos ao Conhecimento. 
          A anamnese, ou seja, a             Recordação, adquire muitas instâncias que se             transformam em reminiscências. O déjà vu é uma             delas, assim como a recuperação da identidade que pressupõe             o ingresso num plano diferente, mercê a desvelar a Potência,             superior à soma de todos os atos. A Antigüidade, o país             dos ancestrais, é agora. O que algumas civilizações             nomearam como o reino dos mortos é a matéria atual             da Obra e indica que o nigredo foi assimilado. Então, o Adepto             deixa o luto e luze uma nova vestimenta caracterizada pela perenidade,             assim que se encontre embelezado com uma serena alegria, ou consumido             na agonia sacrifical do suicídio reiterado, ou alternando             ambas as situações. 
          Quem cruza o umbral guarda             em silêncio o Segredo de algo que se revela em sua consciência,             mas que não se manifesta de modo ordinário. Bem-vindos à Certeza             e aos Grandes Mistérios. 
          Tudo isto já aconteceu.             O fim do mundo já foi.
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 |  Fim do Módulo             III 
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