42091210229051065199.png O Axis Mundi: O que é intepretação transacional

O que é intepretação transacional

por Osvaldo Pessoa Jr.



Em 2003, foi fundado na Turquia o periódico NeuroQuantology, disponível online, que examina questões relacionadas à mente e ao cérebro a partir da perspectiva da física quântica. O periódico não é levado a sério pela maioria dos cientistas ortodoxos, e pode-se dizer que ele representa pesquisa que está na zona limítrofe entre ciência e pseudociência.

Os dois lados do “dilema do místico” (ver texto “O Dilema do Místico” - clique aqui) estão representados nesta revista eletrônica. A atitude desafiadora é exemplificada pelas propostas de explicação quântica para o “efeito micropsicocinético”, ou seja, a possibilidade de a mente afetar objetos microscópicos sem a intermediação de instrumentos materiais. A atitude mais conciliadora é exemplificada pelos artigos do filósofo brasileiro Alfredo Pereira (Unesp-Botucatu), que propõe mecanismos para explicar certos comportamentos dos neurônios (as células em nosso cérebro) a partir da física quântica Apesar de não haver evidências experimentais para suas especulações, sua atitude geral não desafia os princípios mais bem estabelecidos da ciência ortodoxa (que definimos no texto “O que é a Ciência Ortodoxa?” - clique aqui).

No primeiro número deste periódico, o matemático C. King, da Nova Zelândia, investiga o possível papel da noção de “caos determinístico” para a explicação da consciência. Este problema foi levantado por Skarda & Freeman (1987), e é razoável se supor, especialmente de uma perspectiva materialista, que dinâmicas desse tipo estejam presente no cérebro (não se trata de um fenômeno quântico, mas sim de um desenvolvimento da física clássica). A novidade de King foi apresentar sua análise dentro da “interpretação transacional” da teoria quântica. Que interpretação é essa?
Interpretação transacional

A interpretação transacional foi proposta pelo físico John Cramer em 1986 (Reviews of Modern Physics 58 647-87). Ela é bastante difícil de entender, mas aspectos gerais podem ser apresentados de maneira qualitativa. Uma de suas vantagens é que, desde o início, ela incorpora os princípios da teoria da relatividade restrita. Isso é interessante, pois uma das limitações das discussões usuais da mecânica quântica, envolvendo a famosa equação de Schrödinger, é que elas valem apenas para objetos com velocidades baixas (muito menores do que a velocidade da luz).

A idéia básica da interpretação transacional é que existe um outro tipo de onda, chamada “onda avançada”. As ondas com que estamos acostumados são chamadas de “ondas retardadas”, e elas se propagam para o futuro, com energia positiva. As ondas avançadas se propagariam para o passado, com energias negativas! Com isso, tem-se uma descrição temporalmente simétrica, que vale igualmente para o passado e para o futuro. Tal formalismo temporalmente simétrico foi introduzido pelo grande físico teórico Paul Dirac (1938). Em 1945, John Wheeler e seu aluno Richard Feynman introduziram a noção de uma “transação” entre um emissor e um absorvedor, dentro da teoria eletromagnética clássica.

Uma transação consiste no seguinte. Imagine um emissor, que pode ser um átomo de bário (como Astrid, cuja fotografia vimos no texto “É Possível ver um Átomo?” - clique aqui), que emite uma onda retardada de luz para o futuro. Esta onda acaba sendo absorvida por outro átomo, por exemplo um átomo na retina de nosso olho (mais especificamente, a molécula rodopsina em uma célula de bastonete), que é o absorvedor.

No entanto, o emissor não emite apenas uma onda retardada para o futuro, ele também emite (segundo esta interpretação) uma onda avançada para o passado. O mesmo ocorre com o absorvedor. Quando ele recebe a onda do emissor, o absorvedor emite uma onda retardada (para o futuro) que anula a onda retardada provinda do emissor (interferência destrutiva, ver texto “O Conceito de Onda” - clique aqui). Ou seja, a onda que se originou no emissor desaparece após passar pelo absorvedor, pois este emitiu uma onda que consegue cancelar totalmente a onda original. Porém, o absorvedor também emite uma onda avançada, que se propaga para o passado, em direção ao emissor. Voltando para o passado, ao atingir o emissor, essa onda (vinda do absorvedor) interfere destrutivamente com a onda avançada gerada pelo emissor. Ou seja, ocorre um cancelamento de ondas também para o passado, anterior ao primeiro ato de emissão.

O processo não termina aí. O emissor, ao receber a onda avançada do futuro, pode reemitir outra onda (um eco), e o processo pode continuar por mais algumas etapas. Globalmente, o que se tem é uma transação (um “aperto de mão”) entre emissor e absorvedor, e fora disso tudo se anula. A transação seria o análogo quadridimensional (espaço-temporal) de uma onda estacionaria (tridimensional) entre duas paredes.

Segundo essa interpretação, o Universo seria um imenso amontoado de transações. A grande vantagem desta visão é que ela incorpora naturalmente as imposições da teoria da relatividade restrita. Outra vantagem é que a interpretação transacional assume explicitamente a não-localidade que surge nas investigações do teorema de Bell, por meio de sua descrição “atemporal”, que permite que ondas vão para o futuro e para o passado.

O tratamento do colapso da onda quântica é interessante. Em primeiro lugar, é preciso introduzir o “quantum de ação” (ou seja, o fato de que a luz é detectada, numa tela fosforescente, na forma de pontinhos com energia discretizada) como um princípio adicional, que Cramer considera uma “condição de contorno”. Admitido isso, o colapso seria expressão do processo de transação entre emissor e absorvedor. Sendo assim, o colapso não seria um processo instantâneo, mas envolveria todo intervalo de tempo em que se dá a transação. Considere a figura abaixo.
Uma onda esférica retardada é “oferecida” por E, e é absorvida em A. Isso equivale a dizer que A “confirma” o recebimento da onda, enviando uma onda avançada de volta (no sentido do passado) para E. O emissor E então retorna um eco para A, e assim sucessivamente, até que se estabelece a transação. Feito isso, pode-se dizer que a luz seguiu uma trajetória retilínea de E para A, e isso equivale a dizer que houve um colapso da onda inicialmente espalhada. Notamos, assim, que a interpretação transacional de Cramer incorpora a noção de “retrodição”, presente na interpretação da complementaridade (ver texto “Retrodição é especulação?” clique aqui ). O que aconteceu com a onda retardada inicial, de forma esférica, presente também na região de Q? Segundo Cramer, ela continuaria se propagando, como uma onda vazia que não transfere energia a nenhum átomo. Esse aspecto da interpretação não é muito elegante.

Cramer salienta que sua interpretação não necessita de um observador consciente (ver o texto “A Consciência Legisladora” - clique aqui) para explicar o colapso da onda quântica, pois este processo de colapso está implícito na definição de uma transação entre emissor e absorvedor.

Um problema conceitual com essa interpretação é a possibilidade de se ter uma relação causal em que o futuro provoca um efeito observável e controlável no passado. Cramer nega que isso possa acontecer no nível macroscópico, controlável por um cientista. Ou seja, um “princípio fraco de causalidade” é preservado com sua interpretação. Porém, no nível microscópico, passado e futuro seriam simétricos, e um absorvedor (no futuro) pode causar um efeito (uma onda avançada) em um emissor no passado: violar-se-ia assim o princípio forte de causalidade. 

http://www2.uol.com.br/vyaestelar/interpretacao_transacional.htm 

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