42091210229051065199.png O Axis Mundi: O dilema do místico

O dilema do místico

por Osvaldo Pessoa Jr.
"O físico indiano Amit Goswami tem se destacado na mídia, defendendo uma interpretação “idealista” da teoria quântica. Uma de suas teses centrais é que a consciência humana seria responsável pelo colapso da onda quântica" O dilema do místico ou do religioso, em face da ciência, é o seguinte: deve-se aceitar a existência de fenômenos que vão contra o que prevê a ciência estabelecida, ou deve-se aceitar apenas a existência de entidades e processos que não entram em contradição com a ciência? Chamarei o primeiro de misticismo “desafiador” da ciência, e o segundo de misticismo “conciliador” com a ciência.
Por exemplo, deve-se aceitar que o ser humano evoluiu a partir de outros primatas, ao longo de milhões de anos, ou deve-se acreditar que ele foi criado por Deus de forma já acabada? Alguém que acredite em Deus e em outros mistérios, mas que aceita a evolução humana, está adotando uma postura conciliadora com a ciência. Neste caso, o texto da Bíblia deve ser interpretado de maneira figurada, e não de maneira literal. Já os chamados “criacionistas” adotam uma postura desafiadora da ciência.
Sabemos que a física quântica pode ser interpretada de maneira mística. Nos últimos anos, o físico indiano Amit Goswami tem se destacado na mídia, defendendo uma interpretação “idealista” da teoria quântica. Uma de suas teses centrais é que a consciência humana seria responsável pelo colapso da onda quântica. "... a força de vontade da mente não pode afetar um objeto material externo ao corpo. Além disso, os resultados de Jahn & Dunne não foram reproduzidos por cientistas que trabalham em laboratórios respeitáveis"
Já vimos, no texto “A Consciência Legisladora”, - clique aqui - que esta tese remonta à década de 1930, e ela é perfeitamente consistente com os resultados da física quântica, apesar de a maior parte dos cientistas não aceitá-la. Defender que o observador consciente é quem causa o colapso da onda é um exemplo de misticismo conciliador com a ciência.

A figura abaixo representa um experimento quântico simples, em que o cientista pode observar o átomo no detector A ou no B. Antes da detecção, não se pode dizer que o átomo esteja em uma posição definida (ver texto “O Problema da Medição” - clique aqui). Porém, ao ser detectado ele irá aparecer em um dos detectores de maneira bem definida: na figura ele aparece no detector A. Antes da detecção, a probabilidade de aparecer em A é ½ (ou seja, 50%), e de aparecer em B é também ½. A física quântica é a teoria que fornece as probabilidades para diferentes tipos de arranjos experimentais.



Segundo a teoria quântica, no experimento da figura, o observador não pode alterar as probabilidades de detecção simplesmente com sua vontade (a não ser que ele mexa no aparelho). No entanto, alguns autores afirmam que a vontade consciente do observador pode alterar os resultados de experimentos quânticos. De fato, dois engenheiros da prestigiosa Princeton University, Robert Jahn & Brenda Dunne, realizaram experimentos, relatados no livro Margins of Reality (Harcourt, Brace & Jovanovich, 1987), em que afirmam que um observador consciente pode alterar as probabilidades em diferentes *processos estocásticos (como o lançamento de uma moeda ou o experimento mencionado acima).

No entanto, os resultados de Jahn & Dunne não são levados a sério pelos cientistas “ortodoxos”. A razão principal é que tal efeito vai contra a visão “materialista” que permeia boa parte dos cientistas ortodoxos: segundo essa visão, a força de vontade da mente não pode afetar um objeto material externo ao corpo. Além disso, os resultados de Jahn & Dunne não foram reproduzidos por cientistas que trabalham em laboratórios respeitáveis.

Portanto, podemos concluir que Jahn & Dunne são místicos desafiadores da ciência (e não conciliadores com a ciência, no sentido exposto no primeiro parágrafo). Goswami também tem adotado uma postura desafiadora com relação à ciência. Em seu livro A Física da Alma (Aleph, 2005), e também no programa Roda Viva exibido na TV Cultura em 11/02/08, ele defende a veracidade do experimento realizado pelo mexicano Jacobo Grinberg-Zylberbaum e colaboradores, que envolve uma transmissão instantânea de pensamento à distância. Mesmo que alguns outros cientistas tenham obtido resultados semelhantes, como salienta Goswami, tal resultado é inaceitável para a ciência ortodoxa, pois uma transmissão instantânea de informação macroscópica violaria a teoria da relatividade restrita de Einstein.

Mais para frente discutiremos a instigante questão da não-localidade quântica, e veremos porque ela não pode ser usada para transmitir informação instantânea.

De qualquer forma, é importante ficar claro que o experimento de Grinberg-Zylberbaum contradiz a teoria quântica, pelo menos a teoria quântica aceita hoje, de forma que a defesa deste experimento equivale a uma postura desafiadora da ciência.

Quem tem razão? Qual é a verdade? Cada um terá que adotar uma opinião por conta própria. A ciência ortodoxa é fruto de um método bastante rigoroso e frutífero, mas deve-se reconhecer que as teorias científicas mudam com o tempo, de forma que não há certeza que a posição materialista sobreviverá à próxima grande revolução nas neurociências. Por outro lado, o ser humano tem um imenso desejo de que a morte não seja simplesmente o fim do indivíduo, de forma que talvez o misticismo quântico seja apenas um produto desse desejo de vida eterna e comunhão universal.

Cada um terá que decidir por si mesmo. E nessa escolha, o místico e o religioso têm que levar em conta o dilema mencionado no presente texto: restringir-se a uma postura conciliadora com a ciência, em que o misticismo não entra em choque com a ciência ortodoxa, ou arriscar uma posição desafiadora da ciência, que poderia levar a uma grande revolução científica, mas que corre o risco de ser falseada quando o consenso a respeito dos resultados experimentais finalmente se formar.

*Processos estocásticos: aleatório, indeterminista

http://www2.uol.com.br/vyaestelar/fisica_quantica_mistica.htm 

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