04 Jul 2008
Adalberto Tripicchio (continuação)
A história da física, com suas contínuas surpresas e a crescente velocidade de sua evolução, indica que toda predição sobre o futuro desta disciplina tem grandes probabilidades de ser falsa. Contudo, o nível de compreensão das dificuldades da mecânica quântica, em particular quanto à sua interpretação, nos permite assegurar que algumas das alternativas apresentadas, ou outras novas que apareçam, se imporão, seja pelo desaparecimento de seus oponentes, seja por novos elementos que as favoreçam. A situação atual não pode eternizar-se.
Um dos possíveis cenários do futuro da física quântica consiste, de acordo com o que vimos, em uma sincera e clara adoção do positivismo. O abandono do realismo é doloroso e indesejável filosoficamente, mas devemos reconhecer que é muito eficaz para resolver as dificuldades da teoria quântica. Para muitos esta postura carece de atrativo porque, dito de forma simplificada, não apresenta uma solução aos problemas, mas que decreta que os problemas não existem.
De qualquer forma, se isto resulta ser o futuro da física, requerer-se-ão grandes modificações em nossa concepção do mundo. Não é possível que sejamos realistas em todos os aspectos, exceto no que concerne à mecânica quântica. Seria necessária uma adoção clara e geral, não somente por parte dos físicos, mas por toda a população, do positivismo com todas as suas conseqüências.
Muitos físicos, satisfeitos de saber que existe certa interpretação "ortodoxa" da mecânica quântica, chamada "de Copenhague", que resolve certos problemas (que, de qualquer forma, eles não se propõem) ignoram que dita interpretação requer a adoção de um contexto filosófico geral. Outros, que podem ser qualificados de pragmáticos ou instrumentalistas, nem sequer se interessam se existe ou não alguma interpretação da mecânica quântica, só a usam como uma receita de bolo.
Infelizmente, estas duas atitudes muito comuns não contribuem, mas se opõem ao progresso científico. Ninguém pode pretender, por certo, que todos os físicos abandonem seus problemas para dedicar-se à busca do significado da física quântica, mas sim, que estejam informados e valorizem esta busca, que a incentivem e a apóiem nos âmbitos onde se decidem as políticas científicas.
Há um amplo espectro de cenários possíveis para o futuro, filosoficamente opostos ao anterior, ou seja, que não implicam o abandono do realismo. Os argumentos apresentados nesta seqüência de doze artigos, de que todos estes cenários devem ter em comum, é a adoção da não-separabilidade na realidade física. A generalização do conceito de não-separabilidade resulta em que para todo sistema quântico existem estados nos quais não é possível considerá-Io como composto por partes individuais e independentes. Nesses estados, o sistema forma um todo indivisível (holismo) e qualquer ação em uma de suas partes, por mais separada ou distante que esteja, terá efeitos na totalidade do sistema. É importante repetir a advertência de que esta assombrosa característica dos sistemas quânticos responde a critérios científicos teóricos e experimentais rigorosos. Todos estes cenários realistas requerem, então, uma nova concepção da realidade nos sistemas físicos cuja evolução está caracterizada por um valor da ação próxima à Constante de Planck.
Há vários modelos de teorias que respondem à posição realista que não trato aqui. No que foi proposto por D. Bohm, inicialmente se requeria a existência de variáveis ocultas que correspondiam às trajetórias clássicas das partículas. Desenvolvimentos posteriores não fazem alusão a variáveis ocultas, e consistem em considerar o movimento das partículas como se estas fossem sistemas clássicos, mas submetidas a forças que incluem, além das forças conhecidas classicamente, forças derivadas de um "potencial quântico" que se calculam a partir do formalismo da mecânica quântica. Estas forças quânticas têm caráter não-local, introduzindo no formalismo explicitamente a não-separabilidade. A teoria de Bohm é particularmente atrativa por ser realista, causal, determinista, não-separável, e ao fazer as mesmas predições que o formalismo convencional da mecânica quântica, não contradiz nenhum resultado experimental.
É possível que os problemas levantados para a mecânica quântica não tenham solução dentro de um contexto não-relativista e que a teoria definitiva apareça no ângulo superior direito do diagrama velocidade-inação. O limite não-relativista da mesma reproduziria o formalismo hoje conhecido da mecânica quântica.
Esta possibilidade deve ser levada em conta, apesar de percorrer o caminho oposto à via usual que vai "do simples ao difícil". Talvez, ao se pretender desenvolver uma teoria quântica não-relativista tenhamos penetrado em um beco sem saída. Possivelmente esta teoria definitiva resolva também as questões propostas pela teoria das partículas elementares, unificando as propriedades "internas" das partículas (massa, carga, spin etc.) com as "externas" (posição, impulso etc.) em uma única teoria. Não existem ainda indícios claros de seu nascimento, mas o gérmen pode estar já na mente de algum teórico.
Uma engenhosa idéia foi apresentada para conciliar o determinismo com a indeterminação que se apresenta na observação experimental de uma PP. Lembremos como exemplo, a medição da projeção vertical do spin de uma partícula no estado caracterizado pelo valor 1/2 na direção horizontal. Segundo o visto, 50% das vezes medimos o spin "para cima" e os 50% restantes "para baixo", mas não há forma de predizer deterministicamente em cada caso individual qual será o resultado. Everett, em uma proposta que desafia a mais imaginativa ficção cientifica, propõe que o universo se parte em dois universos inconexos; em um o spin fica "para cima" e em outro "para baixo". Em ambos os universos há um físico que comprova o resultado do experimento crendo ser único. Em cada observação ou interação que tenha múltiplas possibilidades de resultado, o universo se multiplicará em tantos casos quantas possibilidades haja de tal forma que em cada um deles se realize uma das possibilidades. Isto leva a uma contínua multiplicação dos universos em números vertiginosos, mas que nunca notaremos porque, contrariamente ao que se proporia em um bom livro de ciência ficcional, não existe nenhuma interação entre eles, sendo impossível viajar de um a outro.
Schrödinger fica com um gato vivo em um universo e com um gato morto no outro, mas o primeiro Schrödinger não pode enviar-lhe suas condolências ao segundo.
Esta engenhosa idéia resolve os problemas do significado da medição, mas não responde a nenhum critério de verificabilidade. Não pode ser validada nem refutada, pelo que está mais próxima da poesia que da física.
É errôneo considerar a física e a filosofia como duas disciplinas separadas, autônomas e independentes. Este erro tem longas raízes que se podem rastrear até a diferenciação aristotélica entre física e metafísica. Manifesta-se, no presente, em fatos, tais como, por exemplo, que nos programas de estudos superiores de física, raramente, ou nunca, aparecem cursos de filosofia, e tampouco os estudantes de filosofia acedem a cursos de física.
A história da física e da filosofia mostra claramente que ambas estão ligadas. Toda mudança de paradigma, toda revolução científica não somente produziu novos conhecimentos sobre a natureza, novos formalismos matemáticos, novos experimentos e novas possibilidades técnicas, senão que, além disso, e fundamentalmente, promoveu novas visões da realidade com fortes implicações filosóficas. A revolução quântica que começou nas primeiras décadas do século XX causou, com seu formalismo, várias surpresas. As dificuldades em interpretar este formalismo sugerem que a revolução quântica ainda não terminou e que a segunda etapa desta poderá produzir mais surpresas que a primeira. A mecânica quântica promete um futuro fascinante.
Nota: Escrevi os originais deste Curso em idioma Espanhol para um Curso que ministrei em Buenos Aires na UBA em 1993. Peço desculpas pelas falhas e lapsos que tenha cometido em minha tradução.
Um dos possíveis cenários do futuro da física quântica consiste, de acordo com o que vimos, em uma sincera e clara adoção do positivismo. O abandono do realismo é doloroso e indesejável filosoficamente, mas devemos reconhecer que é muito eficaz para resolver as dificuldades da teoria quântica. Para muitos esta postura carece de atrativo porque, dito de forma simplificada, não apresenta uma solução aos problemas, mas que decreta que os problemas não existem.
De qualquer forma, se isto resulta ser o futuro da física, requerer-se-ão grandes modificações em nossa concepção do mundo. Não é possível que sejamos realistas em todos os aspectos, exceto no que concerne à mecânica quântica. Seria necessária uma adoção clara e geral, não somente por parte dos físicos, mas por toda a população, do positivismo com todas as suas conseqüências.
Muitos físicos, satisfeitos de saber que existe certa interpretação "ortodoxa" da mecânica quântica, chamada "de Copenhague", que resolve certos problemas (que, de qualquer forma, eles não se propõem) ignoram que dita interpretação requer a adoção de um contexto filosófico geral. Outros, que podem ser qualificados de pragmáticos ou instrumentalistas, nem sequer se interessam se existe ou não alguma interpretação da mecânica quântica, só a usam como uma receita de bolo.
Infelizmente, estas duas atitudes muito comuns não contribuem, mas se opõem ao progresso científico. Ninguém pode pretender, por certo, que todos os físicos abandonem seus problemas para dedicar-se à busca do significado da física quântica, mas sim, que estejam informados e valorizem esta busca, que a incentivem e a apóiem nos âmbitos onde se decidem as políticas científicas.
Há um amplo espectro de cenários possíveis para o futuro, filosoficamente opostos ao anterior, ou seja, que não implicam o abandono do realismo. Os argumentos apresentados nesta seqüência de doze artigos, de que todos estes cenários devem ter em comum, é a adoção da não-separabilidade na realidade física. A generalização do conceito de não-separabilidade resulta em que para todo sistema quântico existem estados nos quais não é possível considerá-Io como composto por partes individuais e independentes. Nesses estados, o sistema forma um todo indivisível (holismo) e qualquer ação em uma de suas partes, por mais separada ou distante que esteja, terá efeitos na totalidade do sistema. É importante repetir a advertência de que esta assombrosa característica dos sistemas quânticos responde a critérios científicos teóricos e experimentais rigorosos. Todos estes cenários realistas requerem, então, uma nova concepção da realidade nos sistemas físicos cuja evolução está caracterizada por um valor da ação próxima à Constante de Planck.
Há vários modelos de teorias que respondem à posição realista que não trato aqui. No que foi proposto por D. Bohm, inicialmente se requeria a existência de variáveis ocultas que correspondiam às trajetórias clássicas das partículas. Desenvolvimentos posteriores não fazem alusão a variáveis ocultas, e consistem em considerar o movimento das partículas como se estas fossem sistemas clássicos, mas submetidas a forças que incluem, além das forças conhecidas classicamente, forças derivadas de um "potencial quântico" que se calculam a partir do formalismo da mecânica quântica. Estas forças quânticas têm caráter não-local, introduzindo no formalismo explicitamente a não-separabilidade. A teoria de Bohm é particularmente atrativa por ser realista, causal, determinista, não-separável, e ao fazer as mesmas predições que o formalismo convencional da mecânica quântica, não contradiz nenhum resultado experimental.
É possível que os problemas levantados para a mecânica quântica não tenham solução dentro de um contexto não-relativista e que a teoria definitiva apareça no ângulo superior direito do diagrama velocidade-inação. O limite não-relativista da mesma reproduziria o formalismo hoje conhecido da mecânica quântica.
Esta possibilidade deve ser levada em conta, apesar de percorrer o caminho oposto à via usual que vai "do simples ao difícil". Talvez, ao se pretender desenvolver uma teoria quântica não-relativista tenhamos penetrado em um beco sem saída. Possivelmente esta teoria definitiva resolva também as questões propostas pela teoria das partículas elementares, unificando as propriedades "internas" das partículas (massa, carga, spin etc.) com as "externas" (posição, impulso etc.) em uma única teoria. Não existem ainda indícios claros de seu nascimento, mas o gérmen pode estar já na mente de algum teórico.
Uma engenhosa idéia foi apresentada para conciliar o determinismo com a indeterminação que se apresenta na observação experimental de uma PP. Lembremos como exemplo, a medição da projeção vertical do spin de uma partícula no estado caracterizado pelo valor 1/2 na direção horizontal. Segundo o visto, 50% das vezes medimos o spin "para cima" e os 50% restantes "para baixo", mas não há forma de predizer deterministicamente em cada caso individual qual será o resultado. Everett, em uma proposta que desafia a mais imaginativa ficção cientifica, propõe que o universo se parte em dois universos inconexos; em um o spin fica "para cima" e em outro "para baixo". Em ambos os universos há um físico que comprova o resultado do experimento crendo ser único. Em cada observação ou interação que tenha múltiplas possibilidades de resultado, o universo se multiplicará em tantos casos quantas possibilidades haja de tal forma que em cada um deles se realize uma das possibilidades. Isto leva a uma contínua multiplicação dos universos em números vertiginosos, mas que nunca notaremos porque, contrariamente ao que se proporia em um bom livro de ciência ficcional, não existe nenhuma interação entre eles, sendo impossível viajar de um a outro.
Schrödinger fica com um gato vivo em um universo e com um gato morto no outro, mas o primeiro Schrödinger não pode enviar-lhe suas condolências ao segundo.
Esta engenhosa idéia resolve os problemas do significado da medição, mas não responde a nenhum critério de verificabilidade. Não pode ser validada nem refutada, pelo que está mais próxima da poesia que da física.
É errôneo considerar a física e a filosofia como duas disciplinas separadas, autônomas e independentes. Este erro tem longas raízes que se podem rastrear até a diferenciação aristotélica entre física e metafísica. Manifesta-se, no presente, em fatos, tais como, por exemplo, que nos programas de estudos superiores de física, raramente, ou nunca, aparecem cursos de filosofia, e tampouco os estudantes de filosofia acedem a cursos de física.
A história da física e da filosofia mostra claramente que ambas estão ligadas. Toda mudança de paradigma, toda revolução científica não somente produziu novos conhecimentos sobre a natureza, novos formalismos matemáticos, novos experimentos e novas possibilidades técnicas, senão que, além disso, e fundamentalmente, promoveu novas visões da realidade com fortes implicações filosóficas. A revolução quântica que começou nas primeiras décadas do século XX causou, com seu formalismo, várias surpresas. As dificuldades em interpretar este formalismo sugerem que a revolução quântica ainda não terminou e que a segunda etapa desta poderá produzir mais surpresas que a primeira. A mecânica quântica promete um futuro fascinante.
Nota: Escrevi os originais deste Curso em idioma Espanhol para um Curso que ministrei em Buenos Aires na UBA em 1993. Peço desculpas pelas falhas e lapsos que tenha cometido em minha tradução.
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