42091210229051065199.png O Axis Mundi: A consciência legisladora

A consciência legisladora

por Osvaldo Pessoa Jr.
Em nosso último texto, apresentamos o famoso “problema da medição” da física quântica (clique aqui e leia), que consiste no seguinte. Em primeiro lugar, devemos supor que as entidades microscópicas (átomos, elétrons, luz) existem de maneira real, e que elas tenham uma natureza “espalhada”, como ondas, que existem em todo instante de tempo, mesmo quando não as estamos observando. Essa primeira suposição, conhecida como “realismo ondulatório”, não é aceita por todos os físicos e filósofos quânticos, mas é a partir dela que o problema da medição se formula de maneira clara.
"A interpretação subjetivista da teoria quântica foi defendida por diversos cientistas ortodoxos, apesar de eles constituírem uma pequena minoria na comunidade acadêmica" Supondo isso, somos obrigados a reconhecer que as entidades quânticas sofrem “colapsos”, ou seja, a onda associada a elas sofre transições abruptas (por exemplo, antes estavam espalhadas por distâncias de metros, e depois ficam restritas a dimensões de milímetros). Outra maneira de exprimir isso é dizer que uma “superposição quântica” foi “reduzida” a um estado bem localizado.
Esses colapsos ocorrem toda vez que uma medição é efetuada no sistema quântico. A questão é determinar qual etapa do processo de medição é responsável pelo colapso da onda. Seria a detecção (interação com uma placa metálica)? Seria a amplificação (que envolve um aumento de energia advinda de uma fonte externa, como uma bateria)? Seria o registro macroscópico (um número escrito em um papel ou na tela de um computador)? Ou seria a observação feita por um ser consciente?

Todas essas possibilidades são plausíveis, e a questão está longe de estar decidida. Cada uma dessas possibilidades constitui uma “interpretação” da teoria quântica (já mencionamos que há dezenas de interpretações diferentes, o que contribui para a dificuldade que o leigo tem em entender o que está acontecendo!). No entanto, a concepção de que é o ser humano consciente que seria responsável pelo colapso sempre chamou atenção de filósofos e místicos, e é esta visão que examinaremos agora.

Consciência humana e colapso da onda

A idéia de que a consciência humana provocaria o colapso de uma partícula surgiu na década de 1930, em um período em que alguns consideravam eminente o surgimento de uma revolução científica na biologia e na psicologia, assim como tinha acontecido na física. Alguns historiadores da ciência, como Max Jammer, mencionam que foi o matemático húngaro John von Neumann quem lançou a idéia de que a consciência humana causaria o colapso, em torno de 1932, mas ele não publicou nada a respeito. Em 1939, o físico alemão Fritz London e o francês Edmond Bauer popularizaram essa visão em um pequeno livro, lançado em Paris, e intitulado La Théorie de l’Observation em Mécanique Quantique, com versão em inglês publicada em 1983.
Logo antes de ocorrer um colapso, London & Bauer consideraram a cadeia que consiste no objeto quântico, no aparelho de medição e no observador consciente, de forma que todos estariam em uma superposição. Em suas palavras:
“O observador tem uma impressão completamente diferente. Para ele é somente o objeto x e o aparelho y que pertencem ao mundo externo, ao que ele chama de ‘objetividade’. Por contraste, ele tem consigo mesmo relações de caráter muito especial. Ele possui uma faculdade característica e bastante familiar que chamaremos de ‘faculdade de introspecção’. Ele consegue acompanhar de instante para instante o curso de seu próprio estado. Em virtude deste ‘conhecimento imanente’, ele atribui a si mesmo o direito de criar sua própria objetividade – isto é, cortar a cadeia de correlações estatísticas [...] declarando: ‘Eu estou no estado wk’ [...] Assim, não é uma misteriosa interação entre o aparelho e o objeto que produz um novo PSI para o sistema durante a medição [ou seja, o colapso]. É somente a consciência de um ‘eu’ que pode se separar da função prévia PSI (x,y,z) e, em virtude de sua observação, montar uma nova objetividade ao atribuir ao objeto de agora em diante uma nova função PSI (x) = uk(x)” (London & Bauer, [1939] 1983, pp. 251-2). O leitor não precisa se preocupar com os símbolos matemáticos e em entender exatamente como London & Bauer explicavam o poder que essa chamada “consciência legisladora” teria sobre o objeto quântico. Independente de sua explicação filosófica, o fato é que eles inauguraram uma “interpretação subjetivista” da mecânica quântica (às vezes chamada de “idealista”), que afirma que nossa consciência teria o poder de provocar um colapso, apesar de nossa consciência não poder afetar qual é o resultado da medição.
Outro físico importante que defendia explicitamente que a consciência seria essencial na observação, e portanto no colapso, foi Walter Heitler (1949). Ele analisou a possibilidade de se completar uma observação por meio de um aparelho “auto-registrador”, consistindo de duas telas fotográficas paralelas que não absorvem as entidades quânticas. Considerando a passagem de apenas uma partícula carregada, temos certeza (para eficiências de detecção de 100%) que, após serem reveladas, ambas as chapas apresentarão uma marca aproximadamente no mesmo ponto do plano das chapas. Heitler argumentou que o colapso pode ser produzido pela segunda chapa, se esta for revelada primeiro:
“A primeira tela auto-registradora, por si só, não traz certeza para [o resultado de] observações futuras, a não ser que o resultado seja reconhecido por um ser consciente. Vemos, portanto, que aqui o observador aparece como uma parte necessária da estrutura inteira, e em sua plena capacidade enquanto ser consciente. A separação do mundo em uma “realidade externa objetiva” e “nós”, os espectadores auto-conscientes, não pode mais ser mantida. Objeto e sujeito tornaram-se inseparáveis um do outro” (Heitler, 1949, pp. 194-5).
Outros cientistas que defenderam explicitamente posições semelhantes foram o físico James Jeans, o astrônomo Arthur Eddington e o bioquímico John Haldane. O físico Eugene Wigner (1964) resumiria da seguinte maneira esta concepção:
“[...] os físicos concluíram ser impossível fornecer uma descrição satisfatória de fenômenos atômicos sem fazer referência à consciência. Isto [tem a ver com] o processo chamado ‘redução do pacote de onda’ [...]. A consciência evidentemente desempenha um papel indispensável.”
Detive-me, neste texto, em alguns detalhes históricos, para indicar como a interpretação subjetivista da teoria quântica foi defendida por diversos cientistas ortodoxos, apesar de eles constituírem uma pequena minoria na comunidade acadêmica. A partir do final da década de 1980, essas idéias foram incorporadas como ponto de partida do movimento cultural que chamarei de “misticismo quântico”, e que hoje está bastante presente na mídia.

http://www2.uol.com.br/vyaestelar/fisica_quantica_consciencia.htm 

Nenhum comentário:

Postar um comentário