42091210229051065199.png O Axis Mundi: Origens hippie do misticismo quântico

Origens hippie do misticismo quântico

por Osvaldo Pessoa Jr.


Será que os hippies salvaram a física? Até o final de 2010 será lançado nos EUA, livro que aborda essa temática. A prévia do livro Como os Hippies Salvaram a Física você lê neste artigo O historiador da ciência David Kaiser tem estudado as origens do misticismo quântico da década de 1970, um período em que a física norte-americana enfrentava dificuldades financeiras devidas à crise do petróleo.
Com vários recém-doutores em física desempregados, alguns se voltavam para o estudo dos fundamentos teóricos da física e alguns para a possível conexão entre a física e os poderes da mente.

Como todos sabem, a cultura norte-americana no início da década de 70 foi marcada pelos desdobramentos do movimento hippie, que surgiu especialmente no norte da Califórnia, com a disseminação do uso de drogas psicodélicas e a vivência de novos valores culturais. Um aspecto desse movimento contestatório foi uma rejeição da ciência tradicional e revalorização de tradições místicas antigas, incluindo a parapsicologia. A “contracultura” desse período tinha uma marcada tendência anticientífica, conforme enfatizado por autores como Theodore Roszak, em A Contracultura (Vozes, 1972), mas Kaiser salienta que certas áreas científicas despertavam sim o interesse dos jovens universitários, e dentre elas estava a física quântica.

Naquela época, o mágico israelita Uri Geller descobrira um filão para enriquecer: vender as suas habilidades ilusionistas, que incluíam entortar colheres e fazer relógios pararem, como se fossem fruto de extraordinários poderes da mente. Até hoje muitos acreditam na veracidade dos poderes de Geller, apesar de seus truques terem sido desvendados por um outro mágico, o cético-científico James Randy, que afirmou, por sinal, que os físicos são as piores pessoas para investigar os fenômenos paranormais, pois seriam muito crédulos para perceber os detalhes dos truques e muito arrogantes para admitir seus própios erros. De qualquer forma, disseminava-se o interesse em parapsicologia, e alguns físicos começaram a investigar a possibilidade de explicar cientificamente os fenômenos paranormais, como a telepatia, a premonição, a percepção extrassensorial e a psicocinese (alterar objetos apenas com a mente).

Livro/prévia - 'Como os Hippies Salvaram a Física'
Antes de prosseguir, devo salientar que estou tirando a maior parte do material deste texto de uma palestra dada por Kaiser em 2007, cujo vídeo e transcrição se encontram no seguinte site: http://osulibrary.oregonstate.edu/specialcollections/events/2007paulingconference/video-s1-4-kaiser.html . Kaiser, que trabalha no MIT (pronuncia-se e-mai-tí), perto de Boston, está preparando um livro sobre as origens do misticismo quântico desse período, que vai se chamar Como os Hippies Salvaram a Física, a ser lançado no final deste ano de 2010. Enquanto o livro não sai, vou adiantando aos internautas de língua portuguesa o que já está disponível sobre este interessante assunto.

Nos anos 70, vários físicos começaram a trabalhar na conexão entre mecânica quântica e misticismo. Em Londres, David Bohm, que estava desenvolvendo sua concepção do holomovimento e da ordem implicada (clique aqui e leia), interessou-se pelos poderes de Uri Geller. Paralelamente, começou a dialogar com o misticismo oriental, em especial com Krishnamurti, resultando em vários diálogos publicados em livros e disponíveis no Youtube.

Mas foi no norte da Califórnia que se concentrou o grosso da pesquisa sobre o misticismo quântico. As Forças Armadas norte-americanas investiram muito dinheiro em estudos parapsicológicos, na esperança de desvendarem segredos militares da União Soviética através da chamada “visão remota”. Esse programa tornou-se público em 1995, com a desclassificação de documentos da Guerra Fria, e é conhecido pelo nome Projeto Stargate. Na Stanford University, dois físicos experimentais importantes lideraram a pesquisa em parapsicologia, tendo já recebido financiamento dos militares por sua pesquisa com laseres. Esses dois físicos eram Harold Puthoff e Russell Targ, e eles convidaram Geller e outros para se submeterem a testes, e se impressionaram com os resultados. Publicaram um artigo na revista Nature e em outros periódicos, sugerindo que a física quântica poderia explicar os poderes da mente demonstrados pelo mágico israelita e pelos outros videntes. Suas pesquisas foram resumidas no livro Mind-Reach (1977), recentemente relançado.

Na Universidade de Berkeley, também localizado na região da Baía de San Francisco (“the Bay Area”), surgiu um primeiro grupo de discussão envolvendo físicos, que discutia as possíveis conexões entre a física quântica e a paranormalidade. O grupo se intitulava “Grupo de Física Fundamental”, e contava com físicos respeitáveis como Henry Stapp, Phillippe Eberhard, Hans-Dieter Zeh, Geoffrey Chew, Fritjof Capra, John Clauser, Nick Herbert, Fred Alan Wolf, além de não cientistas contactados por Elizabeth Rauscher. A atividade principal do grupo era discutir o teorema de Bell e suas consequências. Em 1972, Clauser e seu colega Stuart Freedman foram um dos primeiros a comprovar experimentalmente o teorema de Bell, em Berkeley (clique aqui e leia).

Um dos temas discutidos pelo grupo era a possibilidade de se transmitir informação instantaneamente através de pares correlacionados de Bell. Já mencionamos que isso não é possível (clique aqui e leia), e um dos primeiros a demonstrar isso (segundo a teoria quântica) foi Eberhard (1978). Nick Herbert, que escreveu um livro de divulgação muito bom, traduzido para o português como A Realidade Quântica (Ed. Francisco Alves), propusera um possível mecanismo de transmissão instantânea de informação, a partir da possibilidade de amplificar (“clonar”) sem ruído um estado quântico. Diversos físicos, dentre eles Roy Glauber, mostraram que isso é impossível, pois a amplificação sempre introduz ruído. Herbert acabou se mudando para a cidadezinha de Boulder Creek, onde fundou um grupo chamado “CORE Physics Technologium”, e desenvolveu o Tantra Quântico – conhecimento cósmico através da experiência sexual, fusão do ioga tântrico e do misticismo quântico.

O personagem principal do grupo original de Berkeley era Henry Stapp, que com Eberhard defendia que o teorema de Bell se aplicaria também para a interpretação da complementaridade de Niels Bohr (clique aqui e leia). Essa extensão do teorema de Bell, que envolvia referência a medições não realizadas (ou seja, “medições contrafactuais”, que também estavam presentes no paradoxo de EPR, - clique aqui e leia), acabou não sendo aceita pela comunidade de físicos e filósofos. Pode-se especular que o misticismo presente em Stapp, desde a época em que foi trabalhar com Wolfgang Pauli na Suiça, no final dos anos 50, o estimulou a buscar generalizar o teorema de Bell para situações envolvendo mentes emaranhadas. Nos anos 90, Stapp se tornou o mais respeitado defensor do misticismo quântico (junto com o mais comedido Roger Penrose), publicando o livro Mind, Matter and Quantum Mechanics (1993), apesar de ele nunca ver com simpatia as analogias com as filosofias orientais. Em 2007 lançou Mindful Universe, que pode ser traduzido como uma superposição de “universo cheio de mente” e “universo pensante”.

Um dos participantes do grupo, o físico teórico Jack Sarfatti, acompanhava de perto a pesquisa de Puthoff & Targ sobre a paranormalidade, e defendia a ligação dessa com a física quântica, em revistas como a Science News. Sarfatti fundou um outro grupo, que chamou “Grupo de Pesquisa em Consciência Física”, com o escritor místico Michael Murphy, co-fundador do famoso Instituto Esalen, localizado nos penhascos de Big Sur, onde jorram termas de águas quentes. Entre 1976 e 85, os encontros do Grupo de Física Fundamental passaram a se realizar em Esalen, na forma de workshops.

Da esquerda para a direita, os físicos Jack Sarfatti, Saul-Paul Sirag, Nick Herbert (ao fundo) e Fred Alan Wolf, em 1974, apelidados de Ghostbusters, pois teriam inspirado o filme de Dan Akroyd.
Sarfatti travou contato com o controvertido Werner Erhard, que ganhara milhões de dólares ao fundar o programa de autoajuda “est” (Erhard seminar training), e passou a financiar a pesquisa em física mística. Outro financiador das discussões místicas científicas dos anos 70 foi o Institute for Noetic Studies, fundado pelo astronauta Edwin Mitchell, após ter uma experiência mística na órbita lunar. Hoje em dia, o maior financiador de pesquisa na interface ciência-religiosidade-parapsicologia é a Templeton Foundation.
Vários livros de divulgação do misticismo quântico surgiram nesse ambiente. O mais conhecido talvez seja O Tao da Física, do físico austríaco Fritjof Capra, publicado em 1975 e traduzido pela Cultrix, com prefácio do grande físico brasileiro Mário Schenberg, ele também um místico. O livro traça paralelos entre a física moderna e o misticismo oriental. Uma das teoria físicas consideradas, a teoria do “bootstrap” de Chew, membro do grupo de Berkeley, acabaria sendo abandonada pela comunidade científica. Na 2ª edição, lançada em 1983, Capra incluiu uma discussão do teorema de Bell. Ao ganhar projeção, Capra passou a conduzir seus próprios workshops em Esalen. Em 1990, seu irmão Bernt Capra dirigiu o filme O Ponto de Mutação (Mindwalk), inspirado em suas ideias.
Outro livro de sucesso foi o The Dancing Wu Li Masters, de Gary Zukav, que participou de um workshop em Esalen e resolveu escrever o livro, apoiando-se bastante em Henry Stapp. Outro livro, mais radical em sua defesa da parapsicologia e na busca de explicações físicas para a levitação, etc., foi publicado em 1975 por Fred Wolf, em colaboração com Bob Toben e com consultoria de Sarfatti, fartamente ilustrado e traduzido pela Cultrix com o título Espaço-Tempo e Além.

O historiador Kaiser se surpreendeu ao perceber que, nessa época de vacas magras da ciência norte-americana do início da década de 70, a grande maioria dos artigos científicos norte-americanos que discutiam o teorema de Bell vinha dos participantes desses grupos. Como o teorema de Bell viria a ganhar muita importância, e é hoje a base de toda área da informação quântica (clique aqui e leia), Kaiser conclui que esses hippies teriam “salvo a física americana”, o que é claramente um exagero.

Um comentário:

  1. Osvaldo, ótimo post e blog brilhante, sem tirar nem por. Continue assim ...

    Uma pergunta minha sobre esse tema:

    Nesses tempos atuais, de computadores quânticos sendo construídos, filmecos ridículos como "O segredo (2007)" e "Quem somos nós (2004)" querendo promover o nonsense d patético misticismo quantico, sera que havera espaço para se discutir a verdadeira CIÊNCIA QUÂNTICA como atividade teórica-empírica plausível, sem achismos, apelações, fenômenos charlatoes, vigaristas de todo tipo, mal-entendidos e confusão de conceitos, ou isso é uma grande ilusão minha, hein ???

    Tchau e até a próxima ...

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