42091210229051065199.png O Axis Mundi: Retrodição é especulação?

Retrodição é especulação?

por Osvaldo Pessoa Jr.
No texto “O Princípio de Incerteza”(clique aqui), mencionamos que o princípio de incerteza não vale para o passado, mas é uma limitação para medições presentes e futuras. Esta questão toca na interessante noção de retrodição (conceito que será explicado neste texto), que precisamos examinar para poder falar de certas interpretações da teoria quântica, como a transacional e a das histórias consistentes (que veremos mais para frente).

Suponha que a posição vertical y1 de uma partícula livre (ver figura abaixo) seja medida com boa resolução no instante t1, resultando (pelo princípio de incerteza) em um pacote de onda com grande indeterminação de velocidade vy1. Tal medição pode ser efetuada simplesmente selecionando uma partícula que passa por uma fenda localizada em y1 num instante conhecido. Posteriormente, num instante t2, mede-se novamente a posição y2 da partícula.
Levando em consideração que a partícula está livre de forças entre as duas medições, é plausível supor que ela descreve um movimento retilíneo uniforme (ou seja, segue uma reta com velocidade constante) entre os instantes t1 e t2. Com isso, pode-se calcular o valor da velocidade vy1 logo após o instante t1, quando a partícula estava localizada na posição y1 (fica como exercício). Ora, mas isso significa que determinamos simultaneamente, de maneira exata, a posição e velocidade (na direção y) logo após o instante t1, o que violaria o enunciado do princípio de incerteza! 

O que está acontecendo? Antes de mais nada, notemos que fizemos uma inferência em relação a uma situação passada (ou seja, após medir y2, inferimos vy1). O grande físico dinamarquês Niels Bohr chamou isso de retrodição, e em 1928 ele tinha uma opinião negativa com relação a este tipo de inferência, referindo-se à retrodição como uma “abstração, a partir da qual nenhuma informação sem ambigüidades concernente ao comportamento prévio ou futuro do indivíduo pode ser obtida.”

Seu colega mais jovem, o alemão Werner Heisenberg, também tinha uma opinião negativa a respeito da retrodição. Ele discutiu esta questão nas suas palestras de Chicago, publicadas em 1930, notando que “a relação de incerteza não se refere ao passado [...] Este conheci­mento do passado é de caráter meramente especulativo [...]  É uma questão de crença pessoal se a tal cálculo referente à história passada do elétron pode ser atribuída qualquer realidade física ou não”.  Ou seja, para Heisenberg, retrodição seria mera especulação.

No entanto, em 1935, após o artigo de Einstein, Podolsky & Rosen (1935), Bohr teve que introduzir modificações em sua interpretação da teoria quântica, baseada no conceito de “complementaridade”. Passou então a definir o quadro “ondulatório”, em que se pode observar franjas de interferência, e o quadro “corpuscular”, em que se pode inferir a trajetória trilhada por um quantum detectado (ver o texto “A Escolha Demorada” - clique aqui). Ora, esta inferência sobre qual foi a trajetória do quantum é justamente um exemplo de retrodição! Ou seja, aquela noção que Bohr e Heisenberg consideravam mera “especulação” em torno de 1928 passou a ser adotada por Bohr, em 1935, como parte integral de sua interpretação da complementaridade.
Nem todas as interpretações aceitam a retrodição. Por exemplo, uma interpretação estritamente ondulatória, que inclui a noção de colapso, rejeita a retrodição.  Por exemplo, considere o seguinte experimento, que é um dos mais simples que existem:
Um pulso de luz, associado a um fóton, passa pelo espelho semi-refletor S1. O que acontece? Segundo uma visão ondulatória (realista), o pacote de onda se divide em duas partes, uma rumando por A e outra por B. Quando essas duas amplitudes interagem com os detectores D1 e D2, ocorre um colapso, e o fóton aparece em apenas um detector (e nada resta no outro). No entanto, logo antes da medição, as ondas estavam divididas entre os dois caminhos, não havendo uma trajetória única.

Por outro lado, não é assim que a interpretação da complementaridade analisa a situação. Para esta visão (instrumentalista), só se pode afirmar alguma coisa após o término do experimento. Se o fóton aparece em D2, então, por retrodição, infere-se que ele seguiu a trajetória A, e nada seguiu por B.

O uso da retrodição é bastante plausível, e se encaixa bem em nossa intuição clássica a respeito de partículas. Porém, a retrodição pode também ser aplicada para fenômenos ondulatórios, mas deixaremos para examinar isso quando estudarmos a interpretação das histórias consistentes (que é um desenvolvimento mais recente da interpretação de Bohr).

E para você? Retrodição de trajetórias passadas é mera especulação ou corresponde à realidade?

http://www2.uol.com.br/vyaestelar/fisicaquantica_retrodicao.htm 

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